Tiago Cavalcanti, no Insper: o professor da Universidade de Cambridge visitou a escola de negócios paulistana, em junho (Fabiano Accorsi/EXAME)
Da Redação
Publicado em 30 de junho de 2014 às 14h36.
Cambridge - Desde 2007, o pernambucano Tiago Cavalcanti, de 40 anos, é professor de desenvolvimento econômico na prestigiada Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Ele estudou economia na Universidade Federal de Pernambuco, o mesmo curso do presidenciável Eduardo Campos.
Na década de 90, ambos foram convidados para o doutorado na Universidade de Illinois Urbana Campaign, nos Estados Unidos. Cavalcanti foi, Campos não. Anos depois, no fim de 2013, tiveram um almoço que durou 6 horas. Na ocasião, Cavalcanti decidiu ajudar no projeto político do conterrâneo.
Hoje, dedica-se a reunir ideias e economistas para um possível governo do PSB. Ele recebeu EXAME na Trinity College, a principal faculdade de Cambridge e onde fica seu escritório.
EXAME - Qual é sua avaliação sobre o momento da economia brasileira?
Tiago Cavalcanti - O Brasil tem claramente um problema de oferta. Não falta demanda. Vemos os investidores ávidos por colocar dinheiro no país, mas o governo não sabe o que fazer para manter um ambiente atrativo para eles, não faz o diagnóstico certo. Um exemplo foi a redução das tarifas de energia elétrica.
A ideia era baratear os custos das empresas para torná-las mais competitivas. Deu errado. Houve um forte estímulo ao crescimento no consumo de energia num momento em que se necessitava de mais geração.
Pior: ao mudar abruptamente os contratos preestabelecidos na área de geração de energia, o governo desestimulou investidores, que passaram a temer mudanças a qualquer momento.
EXAME - Que tipo de ajuste fiscal o senhor crê que precisará ser feito em 2015?
Tiago Cavalcanti - Vários pontos precisarão ser atacados, mas gostaria de chamar a atenção para um deles em particular. O salário mínimo não pode continuar a ter aumentos reais muito acima da inflação, seguindo a fórmula atual em que o reajuste leva em consideração a soma da inflação com a média de crescimento do PIB dos dois últimos anos.
O Brasil tem um nível de investimento público muito baixo — menor do que o da Inglaterra, que teoricamente é um país que já construiu a maior parte da infraestrutura de que precisa.
No Brasil, praticamente todo o crescimento econômico é despejado em aumento real de salário, em vez de ser direcionado para os investimentos. Além disso, vários benefícios públicos são indexados ao salário mínimo, e os aumentos excessivos pressionam as contas do governo.
EXAME - Campos propõe aumentar os valores do Bolsa Família e expandir seu alcance. Isso não pode gerar mais inflação?
Tiago Cavalcanti - A pressão do Bolsa Família sobre a inflação é pequena. O programa beneficia 15 milhões de famílias e custa 0,5% do PIB. É o tipo de política pública que funciona como investimento porque pessoas bem nutridas são mais produtivas.
O indiano Amartya Sen, que liderou a Trinity College e ganhou um Prêmio Nobel de Economia, fez vários estudos relacionando a nutrição adequada na infância a melhor desempenho intelectual dos indivíduos.
EXAME - Muitos criticam a presidente Dilma Rousseff por seu governo não ter uma marca, como a estabilidade para FHC e a redução da desigualdade para Lula. Que marca o próximo governo deve almejar?
Tiago Cavalcanti - O ideal seria almejar duas grandes marcas. A primeira: prioridade ao desenvolvimento do capital humano. Os últimos governos evoluíram nisso, mas dá para intensificar o ritmo. E a segunda e principal é repensar o Estado. O Brasil tem gastos de país desenvolvido, mas oferece serviços de país pobre.
É preciso melhorar a gestão, reduzindo o número de indicações políticas. Hoje, não há avaliação de desempenho na maioria dos órgãos públicos nem incentivo para que os servidores sejam mais produtivos. E não é possível demitir um funcionário incompetente. O Sistema Único de Saúde é fundamental, mas desperdiça muitos recursos.
Não é só uma questão de tamanho do orçamento, mas sim de como o dinheiro é administrado. O Reino Unido aplica 9% do PIB em saúde, e a maior parte é pública. Obtém resultados muito melhores do que os Estados Unidos, que gastam 18%.
EXAME - Mas tudo isso requer uma mudança institucional profunda.
Tiago Cavalcanti - Haverá greves nas ruas, gente lutando contra. Acredito que o governante disposto a enfrentar o problema deva começar com mudanças marginais para melhorar a gestão, sinalizando a disposição de transformar o setor público. E depois partir para reformas mais profundas.
EXAME - O senhor voltaria ao Brasil para compor um possível governo Campos?
Tiago Cavalcanti - Tenho interesse em contribuir com o governo, mas minha vida profissional está aqui no Reino Unido. Porém, se fosse convidado para uma missão no primeiro escalão, seria difícil recusar.