Hospital: a área de saúde já fez vários bilionários no Brasil (Germano Lüders/Exame)
Da Redação
Publicado em 16 de abril de 2015 às 05h56.
São Paulo - O mercado brasileiro de saúde produziu uma safra de bilionários na última década. O nome mais lembrado é o de Edson de Godoy Bueno, fundador da operadora de planos de saúde Amil, que vendeu a empresa por 10 bilhões de reais para a americana United Health, em 2012.
A lista segue com o cearense Francisco Deusmar de Queirós, dono da rede de farmácias Pague Menos, e José Seripieri Junior, fundador da empresa de gestão de planos de saúde Qualicorp. Nenhum desses bilionários é tão discreto quanto o cardiologista carioca Jorge Moll Filho, fundador da rede de hospitais D’Or.
O curioso é que, aos 69 anos, Moll está prestes a ter o posto número 1 da lista. A ascensão é resultado do impressionante crescimento de seu grupo de hospitais, a Rede D’Or São Luiz.
De 2000 para cá, Moll deixou de ser dono de um punhado de hospitais e de uma rede de laboratórios de imagem, a Cardiolab, para virar dono da maior rede independente de hospitais privados do país, avaliada entre 15 bilhões e 18 bilhões de reais, com 27 hospitais entre Rio, São Paulo, Brasília e Pernambuco.
Moll tem 72% da companhia. Seu maior sócio é o banco de investimento BTG Pactual, dono de 23% da empresa. Numa conta de padaria, a fatia de Moll vale entre 11 bilhões e 13 bilhões de reais.
Os números grandiosos da D’Or são resultado de seu crescimento. E uma recente mudança na legislação vai ajudá-la a dar o próximo salto. O governo sempre manteve o mercado de hospitais privados no Brasil fechado para investidores estrangeiros. Isso, dependendo do momento de cada empresa, podia ser bom ou ruim.
Quem queria vender o negócio para um gringo ou abrir o capital na bolsa não podia. Mas quem queria crescer tinha pouca concorrência. A D’Or soube aproveitar como ninguém a era do mercado fechado. Para tornar-se sócio de Moll, o BTG comprou debêntures conversíveis em ações, já que tem investidores estrangeiros em seus fundos.
A partir de 2010, ano da entrada do BTG, Moll aproveitou a ausência de concorrentes para ir às compras. Foram 11 em cinco anos. Em janeiro, com o império D’Or já montado, a limitação aos estrangeiros no mercado de hospitais foi derrubada pelo governo.
Hoje, o fundo de private equity americano Carlyle negocia a compra de uma fatia de 10% na D’Or. O fundo está disposto a pagar de 1,5 bilhão a 1,8 bilhão de reais — daí a avaliação da empresa em até 18 bilhões de reais. O negócio está encaminhado — as duas partes já fizeram até um coquetel de confraternização no fim de março, no Rio de Janeiro.
Mas, embora o anúncio fosse tido como iminente, até o fechamento desta edição faltava acertar alguns detalhes. Os executivos do Carlyle têm pedido garantias de resultados, que Moll reluta em dar. O empresário, por sua vez, quer resolver a parada em abril. Sem isso, tem dito a investidores que vai abrir negociações com outros fundos. Moll, o BTG e o Carlyle não deram entrevista.
A venda dessa pequena participação não vai engordar a conta bancária do médico e de sua família. O mais provável é que o dinheiro seja usado pela Rede D’Or para reduzir sua dívida — que hoje equivale a duas vezes e meia a geração de caixa — e financiar o plano de dobrar o número de leitos em cinco anos. Nada que vá alterar o estilão classe média-alta que Moll leva aos 69 anos.
Ele vive em um apartamento alugado na zona sul do Rio. Teria, obviamente, dinheiro para comprar o imóvel, o prédio e alguns quarteirões inteiros, mas diz a amigos que prefere investir na empresa. Tem sido assim desde o início.
Quando vendeu sua rede de laboratórios para o grupo Fleury por 1,19 bilhão de reais, em 2010, usou o dinheiro para comprar hospitais em cidades como São José dos Campos, no interior de São Paulo, e Recife. Por isso mesmo, Moll detesta as listas de bilionários. Costuma dizer que a lista desconsidera o fato de o patrimônio estar empatado no negócio.
A Rede D’Or nasceu de uma tragédia. Em 1994, já fazia 17 anos que Moll controlava o grupo de clínicas de diagnóstico Cardiolab. Tinha 49 anos e dinheiro suficiente para se aposentar, mas decidiu arriscar um pouco mais. O imigrante português Gaspar D’Orey, dono de um hotel quatro estrelas no bairro carioca de Copacabana (o Copa D’Or), estava doente e queria voltar para Portugal.
Antes, precisava saldar uma dívida com o amigo e sócio Jacob Barata, que mais tarde passaria a ser conhecido como “Rei dos Ônibus” no Rio. O português entregou o hotel a Barata como parte do pagamento. Parte da dívida foi assumida por Moll, a quem D’Orey tinha emprestado dinheiro para a expansão da Cardiolab.
Um dos filhos de Barata, Daniel, passou a se encontrar mensalmente com Moll para receber o pagamento da dívida. Nesses encontros, o cardiologista convenceu Daniel de que transformar o hotel Copa D’Or em hospital seria o negócio da vida deles.
Daniel se entusiasmou, mas o pai, não. Seu negócio era transportar pessoas em ônibus, não em ambulâncias. Em dezembro daquele ano, Daniel foi sequestrado e, em janeiro de 1995, morto. Jacob Barata decidiu, então, realizar o desejo do filho e levar à frente a sociedade com Moll.
A ideia de que abrir um hospital era um grande negócio surgiu de uma constatação: os moradores endinheirados da zona sul carioca estavam mal atendidos. O Rio tinha poucos bons hospitais particulares, como Samaritano, PróCardíaco, Clínica São José. Cada um deles tinha menos de 100 leitos.
Quase um terço dos pacientes do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, chegava pela ponte aérea. Ao mesmo tempo que buscava licenças para o Copa D’Or — o que levou quatro anos —, Moll foi convidado por outros médicos a se tornar cotista de um hospital em construção na Barra da Tijuca, o futuro Barra D’Or. Acabou comprando a participação dos outros médicos com empréstimos de Jacob Barata.
Em 2001, quando inaugurou o Quinta D’Or, em São Cristóvão, Moll já tinha 10% dos 8 200 leitos da cidade. Barata saiu da sociedade em 2007 e é hoje um dos maiores operadores de ônibus urbanos do Brasil e de Portugal. Procurado, Barata não deu entrevista.
O que fez da Rede D’Or um sucesso, além da capacidade financeira, foi juntar equipamentos modernos com serviços de hotelaria (seus primeiros hospitais tinham chef de cozinha, cabeleireiro e manicure). Logo que decidiu investir em hospitais, Moll foi conhecer a clínica Mayo, em Rochester, Minnesota, nos Estados Unidos, referência mundial no setor.
Ele anotou compulsivamente tudo o que pretendia copiar, desde o circuito de atendimento dos pacientes, passando pela arquitetura, até o conceito de manter a emergência aberta — qualquer um que chegasse seria atendido, independentemente de ter plano de saúde, e cobrado futuramente. O momento também ajudou. Era o início de um ciclo de expansão inédito para o mercado de saúde privado no país.
O Brasil gerou 15 milhões de empregos formais desde 2004, o que multiplicou o número de pessoas com planos de saúde: de 35 milhões, em 2004, para 51 milhões, no ano passado. Uma multidão de brasileiros deixou para trás os sucateados hospitais públicos e passou a usar a rede de hospitais privados. De 2009 para cá, o faturamento do setor triplicou, para 17 bilhões de reais.
Em 2010, a Rede D’Or já era o maior grupo de hospitais independentes do país, com 13 unidades. Foi quando Moll recebeu a injeção de dinheiro do BTG Pactual, o que o fez deixar a concorrência definitivamente para trás. Um fundo criado pelo banco investiu 600 milhões de reais na rede.
Capitalizada, a D’Or inaugurou três hospitais no Rio e comprou outros 11, sendo nove no estado de São Paulo (entre eles o São Luiz, na zona sul da capital). Hoje, São Paulo é o maior mercado da empresa, com 1 800 leitos, mais do que os 1 400 do Rio. Desde então, o faturamento triplicou, para 5 bilhões de reais; e o lucro aumentou cinco vezes, para 320 milhões.
A participação do BTG vale agora mais de 3 bilhões de reais. O banco transferiu não apenas dinheiro mas também a cultura de gestão dos bancos de investimento. Os 20 diretores da Rede D’Or passaram a ter metas agressivas e a receber bônus. Em 2013, Moll contratou Heráclito Brito, ex-presidente da Qualicorp, para tocar a empresa.
Até aqui, tamanho era uma vantagem para a D’Or. Nesse mercado, escala reduz os custos da compra de insumos e dá poder de fogo na negociação com os planos de saúde. Mas, daqui para a frente, a D’Or terá de gerir também os problemas do gigantismo. A dificuldade para crescer é o mais óbvio deles.
Até hoje, a empresa investiu principalmente no Rio e em São Paulo — dois mercados rentáveis e bem conhecidos. Agora está construindo um hospital em Copacabana, voltado para a classe A, com 150 leitos, e outro em São Caetano, São Paulo, com 160 leitos. Também estuda comprar os hospitais Santa Helena, em Brasília, e Unimed-Rio na Barra da Tijuca, este avaliado em 500 milhões de reais.
Mas, para atingir a meta de dobrar em cinco anos, a D’Or vai precisar chegar a novas cidades. Isso porque o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tem dado sinais de que vai analisar com lupa novas aquisições. Em 2013, a compra do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, foi condicionada à venda de outro hospital da rede na cidade, o Santa Luzia. A aquisição acabou cancelada.
No ano anterior, a rede teve de se comprometer a não construir num raio de 10 quilômetros do hospital São Marcos, em Recife, comprado em 2012. Será necessário agora crescer para novas cidades, o que vai tornar a gestão do grupo mais e mais complexa. O foco está nas cidades com maior número de clientes dos principais planos de saúde da rede: o Bradesco e a SulAmérica. Em Salvador, negocia com o hospital Aliança.
Outro desafio para cumprir a meta de crescimento vendida a investidores será o aumento da concorrência. Outros hospitais tradicionais estão em meio a um ciclo de expansão — principalmente os voltados para a alta renda, o mesmo foco da Rede D’Or. O paulistano Sírio-Libanês está dobrando sua capacidade e pretende construir a primeira unidade no Rio de Janeiro, com 200 leitos, em 2016.
Na Barra da Tijuca, a Amil inaugurou, no ano passado, o complexo de hospitais Americas Medical City, com 600 milhões de reais de investimento e dois hospitais do grupo, o Vitória e o Samaritano. Edson Bueno também está ampliando sua rede de hospitais, a Impar, que já tem oito unidades.
Além disso, redes americanas e europeias, algumas com mais de 100 hospitais e com crescentes investimentos em países emergentes, podem dificultar os planos de Moll — estão, afinal, liberadas para investir no Brasil. Nada que possa tirar o sono do empresário, claro. O dinheiro do aluguel ele há de ter.