Falta de saneamento, Gerdau, Meirelles e Temer, BM&FBOVESPA e Construção (a partir do alto, em sentido horário): o que deve estar no radar dos investidores neste ano (Germano Luders/Exame)
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2016 às 19h49.
São Paulo — Poucas atividades humanas são tão simples na teoria e difíceis na prática quanto investir. As regrinhas básicas são universais. Entre num site de citações qualquer e será fácil encontrar os mandamentos do bom investidor. As memoráveis frases de Warren Buffett estarão lá, resumindo com a simplicidade de um hambúrguer do Nebraska as regras que ele usou para se tornar o multibilionário que é hoje.
A triste realidade é que não se conhece um só caso, até hoje, de quem tenha ficado rico para valer lendo os apanhados de frases de Buffett e de outros ricaços que o antecederam. Comprar ações quando há “sangue nas ruas”? Em tese, é moleza. Na vida real, quando o sangue está sendo de fato derramado e o preço das coisas desaba a cada dia, quem tem coragem?
Mas o poder dessa metáfora vem da constatação histórica de que qualquer crise, por mais grave que seja, acaba. Nem todas as empresas e bancos sobrevivem, mas é no ponto da virada que fortunas são feitas. Na hora, é impossível saber que a virada está chegando, e esse é o lado cruel da coisa. Em questão de semanas, os preços voltam ao normal — e a oportunidade de ganhar muito dinheiro passou.
Aconteceu com frequência ao longo da história. E não foi diferente no Brasil de 2016. No início do ano, a economia brasileira vivia o caos. O dólar valia mais de 4 reais, a inflação superava os 10% ao ano e a atividade econômica seguia, firme, ladeira abaixo.
A presidente Dilma Rousseff tinha acabado de colocar Nelson Barbosa no Ministério da Fazenda, soterrando qualquer perspectiva honesta de mudanças na política econômica. Era, em suma, um período de sangue nas ruas. Os preços mostravam que, para a imensa maioria dos investidores, era impensável ser otimista com o Brasil. Mas bastou a perspectiva de mudança de governo para que a virada viesse.
Nos últimos meses, uma brutal reversão de ânimo tomou conta do mercado financeiro. O valor de mercado da Petrobras, a endividadíssima estatal brasileira de petróleo, subiu 90% no ano. No caso da não menos enrolada Eletrobras, a alta foi de 137%. Na média, as ações brasileiras valorizaram 36% em 2016 — de longe, o melhor desempenho entre os principais mercados do mundo.
Além disso, o real valorizou 23% em relação ao dólar, e o preço de alguns títulos de dívida do governo subiu mais de 40%. A grande dúvida dos investidores — sobretudo de quem não aproveitou a onda recente — é: a valorização vai continuar? A situação política e econômica do país permanece precária.
O governo Michel Temer é considerado ruim ou péssimo por 40% dos brasileiros, afastou três ministros acusados de se lambuzar no petrolão e o próprio presidente foi citado por executivos do grupo Odebrecht naquela que tem sido apelidada de mãe de todas as delações premiadas. Mas a alta recente mostra que, finalmente, os investidores começam a dar o benefício da dúvida ao país.
Com uma equipe econômica com a cabeça no lugar e planos ambiciosos para amenizar a zorra fiscal brasileira, surgem razões para acreditar num paulatino retorno à normalidade. Nesse caso, é provável que o mercado local passe por uma nova rodada de valorização. Como ganhar dinheiro se o Brasil de fato entrar minimamente nos eixos?
Com base em entrevistas com 30 dos principais gestores e analistas do país, EXAME preparou um guia prático para quem acredita na retomada brasileira. Veja, a seguir, as principais alternativas de investimento indicadas por eles. Você não precisa colocar dinheiro em todas elas: escolha as que mais casam com seu perfil.
Quem investiu em títulos atrelados à inflação no último ano ganhou muito. Alguns papéis públicos renderam 44% apenas neste ano. O motivo é a retomada do otimismo. Ainda que a taxa Selic continue em 14,25% ao ano, os juros pagos por títulos públicos atrelados à inflação caíram de um patamar de 7,5% (mais a variação do IPCA), há um ano, para cerca de 6% hoje.
Como o valor de um título de dívida é inversamente proporcional aos juros que paga, esses papéis ficaram muito mais valorizados. Um movimento parecido aconteceu no mercado de títulos privados. A queda dos juros exigidos por investidores ocoreu em razão da melhora do ambiente político e econômico, o que está permitindo que governo e empresas paguem menos para captar recursos.
Isso aumentou o valor dos papéis comprados num momento em que os juros estavam mais elevados. “Como os juros reais tendem a cair ainda mais, há espaço para ganhar dinheiro com esse tipo de investimento”, afirma Rudolf Gschliffner, superintendente da área de clientes de alta renda do banco Santander.
Esse cenário tem levado alguns dos principais gestores de fundos do país a investir em títulos atrelados à inflação. É uma das grandes apostas de Luis Stuhlberger, gestor do Verde, o fundo multimercado mais rentável do país. É possível ganhar dinheiro de duas formas nesse mercado. Uma delas é no curto prazo, com a esperada valorização dos títulos à medida que os juros caiam.
Outra é no longo prazo, mantendo papéis que pagam rendimentos elevados até o vencimento. No caso dos títulos públicos, os especialistas recomendam comprar os que vencem em 2045 e 2050 e, assim, garantir retornos elevados por mais tempo.
No mercado privado, uma sugestão é procurar papéis emitidos por empresas que paguem, no mínimo, 7% além do IPCA — uma rentabilidade superior à dos papéis públicos. Outra indicação são os títulos de dívida ligados a projetos de infraestrutura e os fundos que investem nesses papéis. Ambos são isentos de imposto de renda, e o prazo médio de vencimento é de oito anos.
Atenção: é bom estar preparado para manter os papéis até o vencimento. O cenário ainda é incerto, e isso pode tornar o mercado de renda fixa volátil. Se o investidor tiver de vender os papéis num momento ruim, pode se dar mal.
O que comprar:
• Títulos públicos atrelados à inflação que vencem em 2045 e 2050 e pagam cerca de 6% ao ano mais a variação do IPCA.
• Papéis de empresas que paguem, no mínimo, 7% ao ano acima da inflação.
• Títulos ligados a projetos de infraestrutura e fundos que investem nesses papéis.
Quanto investir:
De 15% a 20% do patrimônio.
RISCO É baixo se o investidor mantiver os títulos até o vencimento. Se vender antes, pode perder caso o mercado seja desfavorável.
Como a tendência é de queda dos juros — a maioria dos analistas espera que a taxa Selic chegue a 11% até o fim de 2017 —, quem comprar títulos públicos prefixados, que determinam hoje o rendimento que será pago no futuro, pode garantir taxas elevadas por um prazo maior. Além disso, a redução dos juros pode valorizar esses papéis no curto prazo, como já aconteceu neste ano.
Os títulos mais indicados são os que vencem em 2019 e 2021 e oferecem um rendimento de 12% ao ano. A taxa é inferior à Selic atual, mas a expectativa é que a Selic esteja bem abaixo desse patamar nos próximos três a cinco anos. Ainda que pretenda ganhar no curto prazo, o investidor deve pensar em mantê-los até o vencimento. Dessa forma, não será obrigado a vender num momento desfavorável do mercado.
O que comprar:
• Títulos públicos prefixados com vencimento em 2019 ou 2021, que oferecem um rendimento anual de cerca de 12%.
Quanto investir:
Em torno de 20% do patrimônio.
RISCO É baixo se o investidor mantiver os títulos até o vencimento. Se vender antes, pode perder caso o mercado seja desfavorável.
Grandes fundos, nacionais e estrangeiros, têm evitado fazer grandes investimentos na bolsa brasileira depois da alta recente. Gestoras como Aberdeen, BlackRock, Dynamo, JGP e Verde têm esperado sinais mais claros de recuperação da economia para comprar ações. Para os pequenos investidores, é ainda mais difícil saber a hora certa de voltar à bolsa.
Para quem pensa num prazo maior e acredita numa retomada gradual da economia, o momento pode ser bom. “Vivemos um momento de perspectiva de queda de juros e crescimento do PIB, o que deve beneficiar a bolsa no médio prazo”, diz Walter Maciel, diretor da gestora AZQuest.
Quando os grandes fundos voltarem a acreditar na Bovespa, a maioria dos analistas prevê que o setor financeiro será o maior beneficiado. Como administram bilhões de dólares, esses fundos buscam ações de empresas bastante negociadas para conseguir comprar e vender com mais facilidade — e os papéis de bancos como Bradesco e Itaú estão entre os mais líquidos da bolsa.
Além disso, os analistas acreditam que, se a economia melhorar e os juros caírem, a inadimplência deverá diminuir e os bancos poderão voltar a emprestar, o que favorecerá seus resultados. As ações mais recomendadas por 12 corretoras consultadas por EXAME são as do Itaú, que tem a maior rentabilidade do setor bancário, e as do Bradesco, cujas ações estão baratas.
Os papéis no início do ano caíram quando alguns de seus principais executivos foram envolvidos na Operação Zelotes, que investiga o pagamento de propinas para obter decisões no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Mas a avaliação de agências de risco é que isso não deve prejudicar os resultados do banco.
Os analistas também indicam os papéis da BM&FBovespa, porque há expectativa de que suas receitas aumentem com o maior interesse dos investidores pela bolsa, e da BB Seguridade, seguradora do Banco do Brasil que cresce de forma acelerada. O ponto forte da empresa é poder vender seguros por meio das agências do BB.
O que comprar:
• Ações dos bancos Bradesco e Itaú, da seguradora BB Seguridade e da BM&FBovespa.
Quanto investir:
Os mais conservadores devem aplicar até 10% na bolsa; os mais ousados podem investir 20%.
RISCO Alto. A bolsa poderá cair se houver problemas na política ou na economia.
Depois de uma década de crescimento baseado em consumo, a expansão econômica dos próximos anos deverá ser apoiada em investimentos. “Isso beneficiará as indústrias, que fizeram grandes ajustes em suas operações nos últimos anos e estão preparadas para iniciar um novo ciclo”, diz André Rosenblit, diretor-geral da área de ações do banco Santander.
As novas concessões de aeroportos, portos, ferrovias e saneamento, prometidas pelo governo, devem favorecer o setor industrial — em especial, construtoras, siderúrgicas e fabricantes de bens de capital. A principal recomendação dos analistas são as ações da empresa de logística Rumo, que está capitalizada e pode disputar novas concessões.
Outra indicação são os papéis da siderúrgica Gerdau, que fornece principalmente para construtoras (suas concorrentes, CSN e Usiminas, vendem mais para fabricantes de bens como fogões e geladeiras, e os analistas acreditam que as vendas desses produtos demorarão mais para crescer).
Apesar dos problemas de governança — em 2015, a Gerdau foi questionada por ter feito uma reestruturação societária que beneficiou os controladores —, a empresa é vista como a melhor opção do setor siderúrgico, já que os sócios da Usiminas brigam há anos e a CSN está muito endividada. Os analistas também recomendam as ações das concessionárias CCR e EcoRodovias.
A previsão é que as receitas aumentem com a elevação do tráfego nas rodovias e com a participação das empresas em novas concessões. Por último, as incorporadoras voltaram a fazer parte da lista de indicações.
As ações do setor de construção ficaram baratas depois de cair, em média, 35% em 2014 e 2015, e esse setor tende a ser beneficiado pela queda dos juros e pela expansão da economia. As ações preferidas são Even e Eztec, pois, para os analistas, essas empresas estão mais estruturadas para aproveitar a volta da demanda.
O que comprar:
• Ações da empresa de logística Rumo, da siderúrgica Gerdau, das concessionárias CCR e EcoRodovias e das incorporadoras Eztec e Even.
Quanto investir:
Os mais conservadores devem aplicar até 10% na bolsa; os mais ousados podem investir 20%.
RISCO Alto. A bolsa poderá cair se houver problemas na política ou na economia.
O setor de energia elétrica foi bastante prejudicado nos últimos anos por mudanças regulatórias, pela crise hídrica e também pela baixa demanda por energia devido à recessão. Com exceção da falta d’água, que poderá voltar a ocorrer e prejudicar os resultados das empresas que operam hidrelétricas, a expectativa é que os outros problemas do setor sejam resolvidos daqui para a frente.
“O novo governo é pró-mercado, não esperamos sustos regulatórios, e sim incentivos à eficiência e privatização”, diz Luis Gustavo Pereira, estrategista da corretora Guide. Além disso, espera-se que empresas estatais, como Eletrobras e Cemig, vendam subsidiárias, o que deve beneficiar companhias com capital para fazer aquisições.
A preferida dos analistas é a CPFL Energia, que vendeu 23% do capital ao gigante chinês State Grid. Também são indicadas as ações da Equatorial, que tem experiência em comprar empresas pouco eficientes e melhorar sua operação — foi o que fez com a Cemar, do Maranhão, e a Celpa, do Pará. Outra recomendação são os papéis da AES Tietê, mais baratos do que a média do setor.
O que comprar:
• Ações de AES Tietê, CPFL e Equatorial.
Quanto investir:
Os mais conservadores devem aplicar até 10% na bolsa; os mais ousados podem investir 20%.
RISCO Alto. A bolsa poderá cair se houver problemas na política ou na economia.
Os fundos de private equity renderam mais do que a bolsa no Brasil em períodos de crescimento econômico. A conclusão faz parte de um levantamento feito pela escola de negócios Insper em parceria com a gestora de fundos Spectra, que analisou 350 transações realizadas por esses fundos de 1982 a 2014. De 2006 a 2014, o rendimento anual médio em dólar foi de 51%, enquanto o Ibovespa subiu 6%.
O risco dos fundos de private equity, claro, é maior. Muitos desses fundos aplicam em empresas em dificuldade ou que estão investindo pesadamente para crescer: se o projeto dá errado, perdem dinheiro. Para quem está disposto a arriscar, há mais opções voltadas para investidores individuais no mercado.
As áreas de private bank, voltadas para clientes de alta renda, de bancos como Bradesco, Itaú e Santander vêm oferecendo fundos de private equity — em alguns casos, a aplicação mínima é de 50 000 reais. A gestora Bozano Investimentos, que está montando um novo fundo de private equity que deve ter 1 bilhão de reais de patrimônio, pretende captar 250 milhões de reais com investidores individuais.
“Estamos no início de um ciclo de mudanças na política e na economia. Vai levar uns 20 anos para consertar o país, mas estamos na direção correta. É um ótimo momento para investir em boas empresas com preços interessantes”, diz Paulo Guedes, sócio da Bozano. Em geral, é preciso deixar o dinheiro investido por oito anos.
Quanto investir:
Só quem gosta de arriscar deve aplicar nesses fundos, e só 2% do patrimônio.
RISCO Alto. Correr riscos faz parte da essência dos fundos de private equity.
O mercado de imóveis comerciais passa por uma de suas piores crises. Cerca de um quarto dos escritórios do país está vazio e os valores dos aluguéis vêm caindo há mais de um ano. É justamente nesse segmento — e também em galpões industriais e shoppings — que os consultores financeiros recomendam investir agora.
“Os prédios devem voltar a ter inquilinos com a recuperação da economia. Investir agora é interessante porque os preços estão baixos”, diz Eduardo Levy, gestor da empresa de investimentos Rio Bravo. A melhor forma de fazer o investimento é por meio de fundos imobiliários, que são isentos de imposto de renda e podem aplicar em diferentes empreendimentos, reduzindo o risco.
A perspectiva de melhora da economia já ajudou os fundos imobiliários: no acumulado deste ano, eles renderam, em média, 24%.
O que comprar:
• Fundos imobiliários que investem em escritórios, galpões logísticos e shoppings. São isentos de imposto de renda.
Quanto investir:
Até 10% do patrimônio.
RISCO É médio no caso de bons fundos que investem em diferentes empreendimentos.
Os gestores dos principais fundos multimercado que mais renderam neste ano ganharam dinheiro apostando na estabilização da economia brasileira. Em maior ou menor grau, eles investiram no que o mercado chama de “kit Brasil”: compraram ações e apostaram na queda dos juros e na alta do real.
Os assessores financeiros acreditam que continua valendo a pena investir nesses fundos: como eles aplicam em diferentes mercados — ações, moedas, títulos de renda fixa e derivativos, aqui e no exterior —, conseguem fazer ajustes quando o cenário muda.
A gestora XP Investimentos — que tem dois fundos entre os mais rentáveis do mercado em 2016 — comprou ações da Petrobras e de bancos logo depois da delação do senador Delcídio do Amaral, em março, que citava a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula.
“Passamos a acreditar que havia chance de troca de governo, então investimos em papéis de companhias que devem se beneficiar de um governo pró-mercado”, diz Marcos Peixoto, gestor da XP. Já o fundo Opportunity Long Biased, da gestora Opportunity, conseguiu 21% de retorno no ano comprando mais ações e também títulos públicos atrelados à inflação.
O fundo Mauá IPCA Hedge, da gestora Mauá Capital, aposta principalmente no retorno de títulos públicos atrelados à inflação. “O país está mudando, mas o processo não é linear. Haverá solavancos, então é preciso ser flexível”, diz Luiz Fernando Figueiredo, sócio da Mauá.
O que comprar:
• Fundos multimercado de estratégia macro, que podem investir em ações, moedas, títulos de renda fixa e derivativos.
Quanto investir:
Investidores conservadores devem aplicar 15% do patrimônio. Os arrojados, 20%.
RISCO Médio. Os gestores podem aplicar em diferentes mercados, o que dilui o risco.