Revista Exame

"Coloquei o pé no freio"

O holandês Antoine van Agtmael, criador da expressão “mercados emergentes”, continua a acreditar no potencial do Brasil

O criador e as criaturas: “Apenas 8% da carteira de um investidor americano vai para países emergentes. Até 2020, o percentual será de 40%”, diz Agtmael (Divulgação)

O criador e as criaturas: “Apenas 8% da carteira de um investidor americano vai para países emergentes. Até 2020, o percentual será de 40%”, diz Agtmael (Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h38.

Quando trabalhava para o IFC, braço financeiro do Banco Mundial, nos anos 80, o holandês Antoine van Agtmael achava que a expressão Terceiro Mundo tinha uma carga pejorativa. Para evitá-la, criou o conceito de “mercados emergentes” ao lançar um fundo de investimento voltado para países considerados de alto potencial de crescimento fora do mundo rico. Um dos visionários que enxergaram a ascensão de economias dinâmicas, como China, Índia e Brasil, hoje Agtmael está à frente da gestora de recursos Emerging Markets Management, com mais de 10 bilhões de dólares sob gestão. A seguir, os principais trechos de sua entrevista a EXAME.

EXAME - Ainda vale a pena investir em ações de empresas brasileiras?

Antoine van Agtmael - O Brasil ainda é um dos quatro maiores países em nosso portfólio, mas colocamos o pé no freio. O câmbio está valorizado, talvez demais, e o país não é uma ilha. A economia está indo muito bem, mas é preciso levar em conta que ela será afetada pela desaceleração de China e Europa. Além disso, receio um sutil crescimento na intervenção do governo em algumas áreas.

EXAME - Em quais áreas? Após as eleições?

Antoine van Agtmael - Principalmente na Petrobras, que é estatal, e na Vale, que, mesmo privatizada, sofre pressões do governo para comprar empresas e fazer investimentos. Os dois principais candidatos à Presidência, Dilma Rousseff e José Serra, têm um bom projeto para o país. Mas Dilma é mais intervencionista, e isso é um risco. O governo do qual ela faz parte tem feito investimentos e gastos que fazem mais sentido político do que econômico.


EXAME - Quais são as ações mais atraentes da bolsa brasileira?

Antoine van Agtmael - Não vou citar empresas, mas setores. O bancário é muito bom, assim como o de companhias de consumo, voltadas para o mercado interno. São dois segmentos que se beneficiam do crescimento da economia. Mas o que mais tem chamado a minha atenção hoje são as empresas com papéis pouco negociados e de baixo valor de mercado, conhecidas como small e mid caps. Cerca de 80% de todos os investimentos estrangeiros nos mercados emergentes ficam em, no máximo, 200 ações. Isso num universo de 29 000 ações. Para mim, é aí que está a mina de ouro, especialmente nas áreas de energia, saúde, educação, software, imóveis e nas companhias de telefonia que operam com smartphones. O problema desses papéis é o fato de eles serem pouco negociados. Você não consegue vender grandes quantidades de uma hora para a outra, então não deve colocar todo o seu dinheiro neles.

EXAME - A crise mundial atraiu mais investidores de países ricos para os mercados emergentes?

Antoine van Agtmael - O investidor americano típico tem entre 3% e 8% de suas ações nos mercados emergentes. Já foi menos, mas ainda é pouco. Os mercados emergentes representam 32% da economia mundial e 28% do total das ações do mundo. Quem investe apenas 8% está descolado da realidade. Esse percentual será de, no mínimo, 40% até o fim da década, pois os emergentes crescem mais rápido. É uma estupidez ignorar as bolsas desses países.

EXAME - O mundo — principalmente os emergentes — está muito dependente da China. Isso é um problema?

Antoine van Agtmael - Não. Em vez de termos uma superpotência mundial, agora teremos de nos acostumar a várias superpotências. E a primeira a dar as caras é a China. Dez anos atrás, os mercados emergentes — levados em conta como um grupo — eram pequenos na economia global. Agora são grandes. Em 20 anos, representarão mais da metade do PIB do planeta. Os mercados emergentes estão crescendo mais rápido que os desenvolvidos, e prefiro um mundo assim ao que existia antes da crise, quando todos dependiam de um pequeno clube de países ricos, com os Estados Unidos à frente.

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