Revista Exame

China constrói sua obra de transposição

O país pretende gastar mais de 60 bilhões de dólares para desviar águas de rios na região sul e abastecer o norte árido, onde vive boa parte da população

Hu Jintao, presidente da China, recorreu à solução apontada em 1952 por Mao Tsé Tung: "Há muita água no sul e pouca no norte. Por que não transportar o excesso do sul até o norte?” (Sean Gallup/Getty Images)

Hu Jintao, presidente da China, recorreu à solução apontada em 1952 por Mao Tsé Tung: "Há muita água no sul e pouca no norte. Por que não transportar o excesso do sul até o norte?” (Sean Gallup/Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 30 de outubro de 2012 às 05h00.

São Paulo - Depois de construir a hidrelétrica Três Gargantas, inaugurada em 2006, a China está prestes a concluir a primeira etapa de empreitada ainda mais impressionante e a maior do tipo já executada no mundo: a construção de três gigantescos canais que desviarão água dos principais rios do sul do país para o norte árido, onde fica a sedenta e populosa capital Pequim.

Quando estiver inteiramente concluído, em 2050, o Projeto de Transposição de Água do Sul ao Norte, como foi batizado pelo governo chinês, vai resultar no desvio de 44,8 bilhões de metros cúbicos de água por ano dos rios Yangtsé, Amarelo, Huaihu e Haihe. O custo estimado da obra é de 62 bilhões de dólares – mais do que o dobro gasto em Três Gargantas.

Ao justificar a empreitada, o governo do presidente Hu Jintao, engenheiro hidráulico de formação, recorreu à solução apontada em 1952 pelo líder comunista Mao Tsé Tung para acabar com o problema crônico da ocorrência de secas: “Há muita água no sul e pouca no norte. Por que não transportar o excesso do sul até o norte?”. 

Em meados da década de 1970, em razão de seca particularmente severa que castigou o norte do país, o governo comunista voltou a pensar na transposição, mas a ideia foi abandonada outra vez por falta de dinheiro. Só em 2002 é que recursos foram liberados para dar início ao empreendimento.

Uma empresa estatal foi criada para coordenar os trabalhos dos ministérios envolvidos e para supervisionar as obras que estão a cargo, em grande parte, da empreiteira chinesa Sinohydro Corporation, gigante com tradição de construção de barragens na Ásia e em outros continentes, como na África e no Oriente Médio. 

Como é o projeto

O empreendimento exigirá a construção de três imensos canais:

1 Canal Central

Iniciado em 2003 e com entrega prevista para 2014, esta parte da obra vai resultar no desvio de 13 bilhões de metros cúbicos de água por ano. Terá 1 267 quilômetros de extensão. Até a inauguração, 370 quilômetros quadrados de terra terão sido submersos pelas águas para ampliação do reservatório de Danjiangkou, na província de Hubei, formado pelas águas do rio Yangtsé. 

Até agora, 330 000 chineses das províncias de Henan e Hubei foram retirados e realocados pelo governo chinês para dar passagem às águas. A acomodação das pessoas tem sido feita em vilas recém-construídas ao longo do canal. Inicialmente, esta parte da obra estava prevista para ser entregue antes das Olimpíadas de Pequim, em 2008, mas houve atrasos em razão da necessidade de ampliar o reservatório de Danjiangkou e a data de entrega foi marcada para 2010.


Novos atrasos decorrentes da necessidade de obras para a despoluição das águas que alimentarão o canal artificial jogaram a data para 2014. A obra do Canal Central também inclui a construção de dois túneis de 8,5 metros de diâmetro e 7 quilômetros de extensão.

2 Canal Leste

Esta parte da obra, iniciada em 2002, liga uma série de lagos e rios situados no sul do país com a parte norte, suprindo de água as províncias de Shandong e Jaingsu. O Canal Leste correrá paralelamente ao milenar Grande Canal – o maior rio artificial do mundo –, juntando-se a ele em sua parte final, já perto de Pequim.

O Canal Leste desviará 14,8 bilhões de metros cúbicos de água por ano e terá 1 156 quilômetros de extensão. A obra inclui construção de 9 quilômetros de túneis incluindo um trecho que vai passar por baixo do leito do Rio Amarelo, além da construção de 23 estações de bombeamento de água, com capacidade de 453 megawatts.

As novas estações vão reforçar o fornecimento de energia produzida por sete estações já existentes e que serão posteriormente modernizadas. A previsão inicial de entrega da obra era 2007, mas houve atraso em razão da má qualidade das águas, poluídas por dejetos industriais. A implantação de projetos de tratamento de água, não previstas no projeto inicial, empurrou a data de conclusão para 2013. 

3 Canal Oeste

Este trecho vai desviar 17 bilhões de metros cúbicos de água por ano de afluentes do rio em sua porção inicial Yangtsé, para dois pontos do rio Amarelo, situado mais ao norte e que atualmente encontra-se com boa parte de seu curso assoreado, em razão de exploração desmedida e da poluição.

A ideia é tornar o rio Amarelo mais caudaloso para ajudar no abastecimento do norte. É o trecho de execução mais difícil em razão das altitudes elevadas na região do Tibet onde fica a parte inicial do rio Yangtsé – entre 3 000 e 5 000 metros acima do nível do mar.

A água retirada de três rios tributários do Yangtsé (Tongtian, Yalong e Dadu) será canalizada por uma série de aquedutos e de túneis que atravessarão as montanhas até chegar ao rio Amarelo que, fortalecido, contribuirá para o suprimento de água para o Norte. A construção deste canal não foi iniciada e o governo chinês não definiu ainda qual será sua extensão completa.

Embates ambientais

A obra de transposição, contudo, provoca muita crítica dos ambientalistas. Isso porque a China sofre há muito com a desertificação do norte e as cheias no sul, e a situação vem-se agravando nos últimos tempos, em decorrência do aquecimento global.


A saúde dos rios encontra-se comprometida em razão do despejo em suas águas de dejetos de cidades e de indústrias e que provoca problemas como assoreamentos ao norte. No sul, a intensificação do degelo do Himalaia provoca inundações constantes e a situação deve piorar a julgar pela previsão de que dois terços dos glaciares da cordilheira deverão derreter até 2050. 

Os ambientalistas afirmam que os desvios de água dos rios chineses vão piorar ainda mais o quadro e lembram o grande terremoto de 2008 cuja causa creditam à acomodações de terreno e cujo gatilho teria sido a construção de Três Gargantas.

Já o governo chinês justifica a nova obra como forma de aproveitamento racional de toda a água disponível no sul e do degelo do Himalaia para abastecer o norte ressecado e, assim, ajudar a livrar o sul de cheias severas. Por sua vez, os ambientalistas dizem que o desvio pode até provocar inversão da situação atual: secas no sul e cheias no norte.

Os ambientalistas também afirmam que a intenção já anunciada pelo governo chinês de incentivar a industrialização das novas vilas às margens dos canais artificiais vai resultar no lançamento de novas cargas de poluição nas águas por falta de infraestrutura adequada de tratamento de esgoto. Por seu lado, o governo chinês anunciou que aprovou e colocará em prática 260 projetos para melhorar a qualidade da água que correrá pelos canais.

Na fase de construção do Canal Central, 330 000 pessoas foram deslocadas até 2012. Não há estimativa do total de chineses que serão retirados dos locais das obras dos gigantescos rios artificiais até a conclusão da obra, em 2050. Para efeito de comparação, vale ressaltar que 1,3 milhão de pessoas foram deslocadas durante a construção da barragem de Três Gargantas ao longo de 17 anos de duração da obra.

As obras nos pontos estratégicos do rio Yangtsé envolvem o trabalho de arqueólogos que lutam contra o tempo para resgatar objetos milenares descobertos com as escavações. Mas, em alguns lugares, sítios históricos de 3 000 a 4 000 anos, das dinastias Xia e Zhou serão submersos, a exemplo do que aconteceu durante a construção de Três Gargantas.

Acompanhe tudo sobre:ÁsiaChinaEdição 1027Infraestrutura

Mais de Revista Exame

Melhores do ESG: os destaques do ano em energia

ESG na essência

Melhores do ESG: os destaques do ano em telecomunicações, tecnologia e mídia

O "zap" mundo afora: empresa que automatiza mensagens em apps avança com aquisições fora do Brasil

Mais na Exame