Revista Exame

100 dias de Bolsonaro | Ducha de água fria na economia

A queda dos índices de confiança e a revisão para pior das previsões para o crescimento mostram que a economia já sente os efeitos da confusão no governo

Jair Bolsonaro: Havia uma expectativa generalizada de que as reformas seriam emplacadas rapidamente (Adriano Machado/Reuters)

Jair Bolsonaro: Havia uma expectativa generalizada de que as reformas seriam emplacadas rapidamente (Adriano Machado/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 11 de abril de 2019 às 05h52.

Última atualização em 25 de julho de 2019 às 11h54.

Com pouco mais de três meses de governo, Bolsonaro conseguiu reverter o forte otimismo que gerou no mercado depois de sua eleição. Havia uma expectativa generalizada de que as reformas seriam emplacadas rapidamente e era comum vermos membros do mercado crentes de uma aprovação da reforma da Previdência em abril. Não eram incomuns também previsões otimistas de crescimento de até 4% neste ano. O mercado estava inebriado com o novo presidente.

Qual ducha de água fria, o retorno à realidade tem sido responsável por minar o que se esperava para 2019. Se antes poderia haver uma retomada consistente iniciando neste ano, está mais do que claro que a expansão do produto interno bruto não vai passar de 2%, talvez se aproximando de 1,5%, não muito diferente do que foram os últimos dois anos. Diversos índices de confiança de quem faz negócios já caíram em relação aos níveis de alguns meses atrás.

Parte disso certamente pode ser colocada nas costas de um mundo crescendo menos (especialmente a Argentina), e de uma falta de estímulos de demanda via políticas monetária e fiscal. Afinal, a origem do desequilíbrio está justamente na questão fiscal, e a queda da taxa de juro hoje está atada à aprovação de uma boa reforma da Previdência.

Mas o cerne do problema está na desconfiança de que o processo de reequilíbrio das contas públicas será muito mais longo e penoso do que o mercado acreditava. A expectativa de baixo crescimento neste ano já pode ser debitada na conta do governo Bolsonaro. Não dá mais para culpar alguma suposta “herança maldita”, como se usava em outros tempos. Com isso, um mínimo de investimento que poderia voltar a acontecer começa a ficar distante e postergado para 2020 — mas isso também se tudo for bem encaminhado. Uma boa reforma da Previdência é condição necessária para que se dê início à retomada.

Diz-se necessária, mas não suficiente, pois ela tem o papel de lapidar, finalmente, a estrutura de gasto público para os próximos anos. A garantia de que não haverá uma crise fiscal permitirá que os juros básicos fiquem baixos de forma permanente, algo que não se conseguiu justamente pelos desajustes fiscais dos últimos anos. Com a ajuda do Banco Central, será possível trazer a meta de inflação para 3% nos próximos anos e, finalmente, conseguir juros estáveis na casa dos 4%, algo inédito em nossa história.

Mas de qual reforma estamos falando para entregar esse cenário de sonho? Com um presidente fraco, começa a aumentar a suspeita de que o trilhão de reais de ajuste do ministro Paulo Guedes é quase impossível de acontecer. Sem a mão firme de uma articulação política decente, corre-se o risco de o trilhão fazer água e escorregar para 500 bilhões. Os cínicos poderão dizer que é a reforma possível e lavar as mãos qual Pôncio Pilatos. Mas uma reforma medíocre terá o papel de também levar a economia a um estado letárgico nos próximos anos.

A reforma pela metade significaria crescimento também pela metade do que poderíamos alcançar. O PIB poderia crescer em torno de 2%, considerando que o resto da agenda avançasse, especialmente as concessões e privatizações e a reforma tributária, esta me parecendo madura para finalmente progredir no Congresso.

A mediocridade de crescimento que nos espera pelos próximos anos pode ser resultado da relação igualmente medíocre que pode permanecer entre o Executivo e o Legislativo. Para evitar essa tragédia em um país cujo pico de PIB foi alcançado em dezembro de 2013, espera-se da sociedade, especialmente da elite, o papel de rolo compressor no Congresso para que uma boa reforma seja aprovada.

O Congresso, assim, parece estar numa encruzilhada. Refém de uma proposta que o presidente da República faz com pouco caso, mas caçado pelo mercado, que não aceitará nada menos do que uma reforma que traga acima de 800 bilhões de reais de economia. Nas costas de um Congresso com liderança isolada de Rodrigo Maia recai o futuro do crescimento nos próximos anos. Mas cai ainda mais em cima de nossa elite a busca de força para a aprovação da reforma no Congresso. Em tempos de políticos que dispõem de recursos públicos para suas campanhas, será interessante ver o poder de argumentação do empresariado para convencer os deputados e senadores. Ou seja, há ainda enorme risco de vermos a queda de braço entre Bolsonaro e Congresso resvalando negativamente na economia nos próximos meses.

Vale lembrar aqui o que significa uma reforma da Previdência fraca. Para além do crescimento pífio de 2%, se tanto, as empresas brasileiras correrão o risco de sofrer ainda mais com recuperações judiciais, falências, desistência de investimentos e saída de multinacionais. Depois de longos anos de recessão, dizer para essas companhias que o crescimento será ruim e com grande possibilidade de juros sem novas quedas é como dar o empurrão final à beira do abismo. Infelizmente, se o presidente não dividir o ônus de uma imagem impopular trazida pela reforma com o Congresso, esse cenário poderá estar fadado a ocorrer.

Não se quer dizer com isso tudo que a reforma não passará. Dado o cenário absurdamente sombrio de uma não aprovação, o governo muito provavelmente fará o mínimo para que ela passe. Mas as barbas de molho que estamos tão acostumados a colocar nos pedem para nos preparar para um horizonte tumultuado nos próximos anos.” 


Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados

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