O presidente, Castro Neves (sentado), e executivos da Ambev: liderança formada em casa (Alexandre Severo/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 2 de agosto de 2013 às 15h16.
São Paulo - Qual a melhor empresa dos últimos 40 anos no Brasil? Essa pergunta foi feita há algumas semanas por EXAME aos presidentes das 1 000 maiores companhias instaladas no país. Concorreram todas as empresas que ganharam o prêmio de melhor Empresa do Ano de Melhores e Maiores desde 1974, ano da primeira publicação.
A maioria escolheu a cervejaria Ambev como a campeã. Em seguida, vieram empresas de setores tão distintos quanto o automotivo (Embraer), o de bens de consumo (Natura) e o de mineração (Vale). Em comum, esse grupo apresentou, ao longo das décadas, uma enorme capacidade de adaptação ao sobe e desce do mercado.
Desde 1974, a economia brasileira foi da euforia à depressão inúmeras vezes. Consequentemente, muitas das melhores empresas dos anos 70, 80, 90 e 2000 foram simplesmente ficando pelo caminho. Merecer o destaque de a melhor dessas quatro décadas é, portanto, um feito notável. Qual é a receita da Ambev?
Talvez sua maior qualidade seja conseguir ganhar dinheiro com um produto trivial, composto basicamente de água, malte e lúpulo. A companhia é tão eficiente na arte de fabricar, envasar e distribuir cerveja que se transformou na empresa mais eficiente do mundo em seu setor. A cada 1 real que fatura, a Ambev consegue quase 50 centavos de lucro.
São mais de 10 centavos de diferença para a segunda colocada — e quase a mesma margem que a Apple consegue ao vender seus iPhones. Tanto dinheiro não entra no caixa por acaso.
Ao longo de sua história, a Ambev forjou uma cultura que incentiva os funcionários a melhorar a eficiência de cada etapa da produção e a deixar de lado detalhes que para boa parte das empresas são questão de honra — como ternos bem cortados e gravatas de seda. Como mostra a foto que abre esta reportagem, os principais executivos da Ambev trabalham como quem vai para o bar: de calça jeans e tênis.
Eficiência sempre foi uma obsessão por lá. A companhia foi oficialmente criada apenas em 1999, quando a cervejaria carioca Brahma se uniu à sua rival Antarctica, de São Paulo, e criou a terceira maior companhia do setor no mundo. Mas sua história começa em 1989, quando sócios do banco Garantia, liderados por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, compraram a tradicional cervejaria Brahma, fundada em 1888.
Nenhum deles entendia nada de cerveja, mas eles perceberam uma excelente oportunidade para implementar a cultura de eficiência — e de cobrança por resultados — que tinha feito a fama do banco. Para transportar esses conceitos ao mundo da cerveja, eles contaram com o apoio do consultor Vicente Falconi, contratado pouco depois da aquisição da Brahma e até hoje conselheiro da companhia.
A evolução é impressionante. As linhas mais modernas na época da aquisição da Brahma produziam 17 000 garrafas de cerveja por hora, empregando 34 funcionários para isso. Hoje, uma linha enche 63 000 garrafas por hora e requer apenas nove trabalhadores. No início dos anos 2000, a Ambev precisava de 12 litros de água para produzir 1 litro de cerveja.
Hoje, o consumo médio é de apenas 3,4 litros de água para cada litro de cerveja. E a meta é, até 2017, reduzir a marca a 3,2 litros. “Acredito que fizemos uma revolução nessa indústria, buscando os melhores exemplos nas fábricas do mundo e trazendo as últimas novidades em equipamentos para a produção”, diz Márcio Fróes, vice-presidente industrial da Ambev.
A preocupação com custos não fica restrita às fábricas. Como faz entregas diárias para mais de 1 milhão de pontos de venda, a Ambev agora estuda parcerias com outras indústrias fornecedoras do varejo para economizar em transporte, dividindo o uso das frotas de caminhão.
Para continuar a encontrar oportunidades de economia, a Ambev criou práticas de gestão que, aos poucos, foram copiadas por centenas de companhias. Uma delas é a revisão anual de todas as despesas, conhecida como “orçamento base zero”. Outra é atrelar os resultados à remuneração dos funcionários.
Cada um deles tem de quatro a seis metas a cumprir, vinculadas ao desempenho pessoal, ao de sua área e ao da empresa. A alta exigência é recompensada com bônus que podem superar os 15 salários por ano. Quem fica devendo, por sua vez, corre sérios riscos de ir para a rua. São práticas que deixaram de ser novidade há alguns anos — mas é na disciplina de repeti-las ano após ano que reside boa parte do sucesso da Ambev.
Tão impressionante quanto a capacidade da Ambev de aumentar seus indicadores de eficiência é seu histórico de crescimento. Desde a fusão entre a Brahma e a Antarctica, o faturamento do grupo no Brasil foi multiplicado por 6 e chegou a 33 bilhões de reais em 2012. No mesmo período, suas ações valorizaram mais de 2 670%, ante 176% do Ibovespa, que reflete a média das principais ações da bolsa.
O desempenho fez com que a Ambev, em março de 2012, superasse a Vale como maior empresa privada do país. No dia 26 de junho de 2013, a valia 246 bilhões de reais na bolsa — 46 bilhões acima da Petrobras, tradicionalmente a maior.
Tanta expansão é resultado de uma ambição incomum para a cultura corporativa brasileira. Na última década, a Ambev fez seis aquisições na América Latina, como a argentina Quilmes, em 2002, e a dominicana Presidente, em 2012.
A Ambev foi o primeiro passo de Lemann, Telles e Sicupira para a formação da AB InBev, a maior cervejaria do mundo, criada após a união com a belga Interbrew, em 2004, e a compra da americana Anheuser-Busch, em 2008.
Em seguida, a cultura forjada na Ambev foi replicada em outras companhias americanas compradas pelo trio Lemann, Telles e Sicupira, como a rede de lanchonetes Burger King e a fabricante de ketchup Heinz, adquirida no início de 2013 em parceria com o megainvestidor Warren Buffett.
“Cansamos de ouvir que o mercado de cerveja no Brasil não tinha mais o que crescer”, diz João Castro Neves, presidente da Ambev. “Somos o que somos hoje porque não acreditamos. Por isso, continuamos batendo recordes de investimentos em expansão.”
Como é comum às histórias de expansão mais agressivas, o avanço da Ambev levanta críticas da concorrência. Isso porque, com 70% do mercado brasileiro de cerveja, a Ambev leva enorme vantagem sobre seus competidores na negociação com fornecedores e clientes.
Mas, quando aprovou a formação da empresa, em 2000, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica ordenou apenas a venda de cinco fábricas e da marca Bavária, hoje no portfólio da Heineken.
Em sua defesa, a Ambev pode afirmar que tem participação relevante na popularização de seu principal produto. O brasileiro toma hoje 63 litros de cerveja por ano, bem acima dos 49 do ano 2000. Uma das prioridades da empresa para os próximos anos é aumentar o consumo no Nordeste, onde ainda são vendidos 54 litros de cerveja por pessoa.
Nas demais regiões, porém, a Ambev terá de enfrentar uma inédita situação de mercado com consumo estável. Como continuar a crescer nesse cenário? Uma das saídas é aumentar o preço e lançar produtos mais caros. Em 2011 e 2012, por exemplo, o volume de vendas da empresa ficou estável, mas o preço médio por litro subiu 9,3%.
Para isso, a Ambev investe em inovação. Recentemente, lançou a Brahma zero, uma cerveja sem álcool com gosto próximo do produto normal. Também aumentou a variedade de embalagens de suas marcas tradicionais. É tão simples quanto eficiente: com mais opções, a Ambev consegue cobrar mais caro pela mesmíssima cerveja.
O consumidor, por enquanto, parece não se importar. Outra iniciativa é elevar a participação em novos mercados. Além das cervejas, a Ambev fabrica refrigerantes como o Guaraná Antarctica e o isotônico Gatorade e distribui água. Há dois anos, começou a fabricar energéticos. Agora, João Castro Neves avalia entrar no mercado de sucos, possivelmente com uma aquisição — e, nesse caso, bater de frente com empresas como a Coca-Cola, dona da Del Valle.
Para se manter relevante ao longo das próximas décadas, a empresa continua a investir pesado na atração e na formação de funcionários. No ano passado, pouco mais de 90 000 pessoas disputaram uma das 40 vagas de trainee. É a seleção mais concorrida do país. “Uma de nossas motivações para crescer é criar oportunidades de carreira e evitar perder bons profissionais”, afirma o vice-presidente de recursos humanos da Ambev, Sandro Bassili.
A trajetória dos altos executivos da Ambev demonstram o tipo de oportunidade que o crescimento traz. Boa parte de seus executivos — como o presidente João Castro Neves — foi formada internamente. O vice-presidente de vendas, Alexandre de Medicis, de 36 anos, por exemplo, entrou na Ambev na área de fusões e aquisições e depois assumiu a diretoria da Região Norte do Brasil.
Em seguida, presidiu a Ambev na República Dominicana e acaba de voltar para assumir a área comercial. Mais de 100 brasileiros estão hoje expatriados em altas funções executivas pelo mundo.
Um pouco de água no chope
A linha de produção de executivos forjada ao longo dos anos passará por um teste importante em 2013. O plano de investimentos de 3 bilhões de reais neste ano prevê a construção de duas novas fábricas, uma em Minas Gerais e outra no Paraná. Mas o crescimento econômico brasileiro pior que o previsto — e o verão mais curto e chuvoso em 2013 — fez a Ambev desacelerar o ritmo dos trabalhos.
O início das obras de uma das etapas da nova fábrica em Uberlândia chegou a ser adiado. A venda de cervejas caiu 5,8% no primeiro trimestre e deve continuar sofrendo com o impacto do aumento do imposto sobre produtos industrializados que incide sobre a cerveja, ocorrido em abril. Nos primeiros seis meses de 2013, as ações da empresa caíram 6,6%. “Até agora, estamos bem distantes das metas do ano”, afirma o presidente João Castro Neves.
Para reverter o quadro, a Ambev aposta na fórmula de sempre: menos custos e mais eficiência. Nos últimos dois meses, os altos executivos visitaram cerca de 700 pontos de venda para identificar novas oportunidades de expansão.
Se conseguir aumentar a margem mesmo em um de seus anos mais desafiadores, a Ambev dará novas mostras de ter condições de repetir ou superar nos próximos anos o sucesso recente — e, quem sabe, permanecer na liderança por mais 40 anos.