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Da Redação
Publicado em 15 de setembro de 2011 às 12h02.
Os fãs brasileiros do Cirque du Soleil -- que inicia a primeira temporada no país -- protagonizaram um episódio inédito em mais de 20 anos de história do grupo canadense.
Para assistir ao espetáculo, milhares de pessoas formaram filas tão grandes em torno das bilheterias que os organizadores do evento decidiram fotografar a cena e estampar as imagens na primeira página do jornal interno da trupe, produzido no Canadá.
"Nunca havíamos visto algo assim, nem mesmo em novos mercados, como é o caso do Brasil", disse a EXAME Pascale Ouimet, executiva responsável pela comunicação do espetáculo Saltimbanco, que permanecerá em cartaz por três meses em São Paulo e um mês no Rio. Para atender o público brasileiro, foram colocados à venda 370 000 ingressos nas duas cidades, esgotados antes mesmo da primeira apresentação.
O espetáculo disputado pelos brasileiros é apenas um dos produtos com a marca Cirque du Soleil, empresa com faturamento de 600 milhões de dólares e crescimento de 15% ao ano. Atualmente, o grupo canadense mantém 13 produções diferentes ao redor do mundo. São sete espetáculos itinerantes e outros seis encenados em lugares como Las Vegas e Disney World.
Mais do que um circo, a companhia canadense é hoje uma empresa -- e daquelas capazes de produzir novos sucessos todos os anos. Um dos mais recentes (e o mais caro deles), o espetáculo de artes marciais Kà, estreou em Las Vegas no ano passado e custou 165 milhões de dólares -- mais do que as 36 produções em cartaz na Broadway.
O caminho para conseguir transformar-se nessa máquina de megashows foi feito em etapas. Primeiro, seu fundador, o canadense Guy Laliberté, renovou completamente o que as pessoas entendiam por "circo". Saíram de cena os elefantes, os macacos e os leões e entraram os efeitos tecnológicos. O passo seguinte foi transformar o negócio numa grande corporação.
Cada um dos 13 espetáculos da companhia é tratado como uma unidade de negócio independente: todos têm um executivo responsável e um staff administrativo próprio. Todos eles têm potencial para gerar novos negócios, como programas de TV, DVDs e lojas de produtos temáticos.
Dentro da estratégia do Cirque du Soleil, Saltimbanco funciona como um chamariz, um produto para a abertura de novos mercados. Com menos recursos técnicos, é o show escolhido para "introduzir" o Soleil e, uma vez bem recebido, abrir caminho para os demais espetáculos.
O sucesso do Cirque du Soleil transformou Laliberté numa espécie de celebridade do mundo dos negócios. Ao lado de grandes corporações, como General Electric e Wal-Mart, a história do Soleil (bem mais recente que as outras duas) vem sendo estudada pelas mais renomadas escolas de administração do mundo, como a americana Harvard Business School.
A razão do interesse é justamente a capacidade da companhia de incorporar os métodos mais arrojados, agressivos e competitivos da indústria do entretenimento e, ao mesmo tempo, manter intacta sua capacidade de inovação e criação. "O circo possui uma estrutura profissional e empresarial muito eficiente.
Mas a verdade é que eles sabem perfeitamente que o grande negócio deles é surpreender o espectador com espetáculos exuberantes", diz Fernando Altério, presidente da CIE Brasil, empresa que trouxe o Soleil para o Brasil. Gente muito boa, tecnologia de ponta e um apreço obsessivo pela qualidade são a essência do Soleil.
A receita do circo-empresa |
Como o Cirque du Soleil tornou-se a mais bem-sucedida fábrica de espetáculos do mundo, com faturamento anual estimado em 600 milhões de dólares |
Parcerias com a MGM Hotels e a Disney para o financiamento de grandes espetáculos |
Contratação de um executivo com experiência na área de entretenimento para presidir a empresa |
Sistema de gestão em que os 13 espetáculos (seis fixos e sete itinerantes) são tratados como unidades de negócio independentes |
Plano de carreira para artistas recrutados em dezenas de países |
Diversificação de receita com a venda de direitos a emissoras de TV, CDs e DVDs |
Nos últimos tempos, o desafio de investir fortunas na preparação dos espetáculos tornou-se menos espinhoso. Isso porque grandes empresas vêm comprando o direito de associar-se à marca Cirque du Soleil -- pagando caro por isso.
Hoje, a principal fonte de captação de recursos para as produções são os acordos que os executivos do circo firmaram com empresas como a Disney e o conglomerado de hotéis e cassinos MGM Mirage Inc., do bilionário Kirk Kerkorian, um dos principais acionistas da General Motors e rei dos cassinos em Las Vegas.
Tome-se o exemplo do espetáculo Kà: a MGM Mirage arcou com 135 milhões de dólares para construir um teatro sob medida para o Cirque num de seus cassinos e ainda bancou boa parte dos 30 milhões de dólares restantes, referentes a custos de produção.
Apesar de a MGM ter investido mais de 80% do valor total, sua participação na receita do espetáculo é de apenas 50%. Para a rede hoteleira, o efeito chamariz do Soleil para seus outros negócios -- cassinos e hotéis onde a apresentação é encenada -- é muito mais relevante que a renda da bilheteria.
Criado por um grupo de artistas franceses e canadenses no início dos anos 80, o Cirque du Soleil hoje emprega cerca de 3 500 pessoas, 800 delas artistas. Há três anos, Laliberté decidiu contratar altos executivos para tocar o dia-a-dia da empresa.
Daniel Lamarre, um ex-executivo da televisão canadense e membro do conselho de administração do McDonald's no Canadá, comanda um time de cinco vice-presidentes e cerca de 25 diretores. Manter essa estrutura cada vez mais complexa e hierarquizada é o novo desafio para o Soleil.
Há sempre o risco de a empresa, como toda grande organização, tornar-se mais e mais burocrática e com isso ter engessada sua capacidade criativa. Outro problema tem sido um esgotamento de formato dos espetáculos, cada vez mais grandiosos e caros, que exigem capacidade de inovação cada vez maior.
A concorrência também tem crescido com outros grupos copiando e adaptando as fórmulas criadas por Laliberté e sua equipe. Mas, com um passado de equilibrista, daqueles que fazem malabarismos a 30 metros do chão, o dono do Soleil parece lidar bem com cenários adversos.