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Caixa de Pandora

Em qualquer país há bancos públicos que seguem as diretrizes do governo, e não só as regras de mercado, para emprestar. Mas não na escala brasileira. Qual é o risco desse modelo?


	Jorge Hereda, da Caixa: mais otimista que a média
 (Elza Fiúza/ABr)

Jorge Hereda, da Caixa: mais otimista que a média (Elza Fiúza/ABr)

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Da Redação

Publicado em 22 de novembro de 2012 às 08h59.

São Paulo - "Às vezes, a gente se entusiasma e as contas não fecham.” A atriz Camila Pitanga pronuncia a frase enquanto uma família, ao fundo, faz cara de desespero: sinal de que a conta não está fechando e está chegando a hora de dar calote em dívidas. “Mas a Caixa Econômica Federal”, diz Camila, “está aí para ajudar.”

Na hora do aperto, a família encalacrada pode contar com o banco estatal, que agora permite a seus clientes adiar uma prestação de suas dívidas por ano, sem pagar juros. A pouco usual campanha publicitária é um símbolo de uma nova era no sistema financeiro nacional, marcado pela ascensão dos bancos estatais no mercado de crédito.

De abril para cá, a Caixa cortou juros e reduziu tarifas como nunca. Tornou-se, disparado, o banco mais agressivo do país na concessão de empréstimos. Enquanto os concorrentes crescem devagar, a Caixa nada de braçada.

Sua participação no total de empréstimos concedidos pelas maiores instituições do país aumentou 70% em três anos — o Banco do Brasil praticamente manteve sua participação no período, e os outros bancos diminuíram. O recado para a clientela, em resumo, é o seguinte: venha para a Caixa você também; caso a conta não feche, a gente dá um jeito.

A expansão da Caixa se deve a um pedido do governo, dono de 100% das ações do banco. Para a presidente Dilma Rousseff, os juros cobrados nas operações de crédito aqui são “inadmissíveis” e precisam cair. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, cobrou dos bancos públicos a dianteira no processo — e, desde então, os juros estão diminuindo.

Um levantamento do Banco Central mostra que a taxa média anual dos empréstimos a consumidores caiu 14% nos últimos cinco meses. A Caixa, novamente, foi mais agressiva e cortou os juros em 30%. É uma transformação. “Ficamos por décadas dedicados quase exclusivamente ao crédito habitacional.

Temos mais espaço que os concorrentes para crescer”, diz Márcio Percival, vice-presidente de finanças da Caixa. Cerca de 70% da carteira de crédito do banco está dividida entre financiamento imobiliário e empréstimo consignado, nos quais as prestações são descontadas do salário dos devedores.


Duas modalidades de baixo risco, porque há garantias consideradas seguras (os imóveis e o desconto direto). Por isso, a inadimplência é baixa: está em 2%, ante a média de 6% do sistema financeiro. “Isso dá mais segurança para crescer”, diz Percival.

O problema é que o momento não é exatamente propício para uma postura expansionista. Os brasileiros nunca estiveram tão endividados, a inadimplência está perto do recorde e, segundo um relatório do banco Goldman Sachs, o crédito ao consumo já representa 16% do produto interno bruto, o percentual mais alto da América Latina.

Ainda assim, o plano da Caixa é continuar crescendo. O governo fez um aporte de 14,5 bilhões de reais nos últimos três meses, o que significa que a instituição poderá emprestar mais 130 bilhões de reais (os bancos podem emprestar nove vezes seu patrimônio). Isso corresponde a duas vezes a carteira de empréstimos do HSBC.

Em muitos países, os governos usam bancos públicos para incentivar setores ou corrigir o que suspeitam ser distorções de mercado. No México, eles comandaram a expansão do financiamento imobiliário à baixa renda — algo que também é feito pela Caixa aqui. Na Alemanha, bancos públicos regionais concedem crédito com taxas menores a pequenas empresas.

No Brasil, o peso dos bancos públicos é maior: respondem por 46% do crédito e quase metade dos depósitos. A média mundial, para os dois indicadores, é 40%. “O risco de um negócio tocado pelo poder público é a falta de criatividade unida à burocracia e ao excesso de interferência”, diz Evert Gummesson, consultor do Instituto de Bancos Públicos, organismo internacional que estuda o setor.

Segundo um estudo do instituto, a participação dos bancos públicos é inversamente proporcional à maturidade de um sistema financeiro. Quando os bancos oficiais se sobressaem, o dinheiro da poupança nacional migra não necessariamente para os melhores projetos, mas para aqueles que o governo escolhe.

No caso da Caixa, a interferência política é visível. A maior parte da cúpula é formada por profissionais colocados no cargo por indicação política — como o ex-deputado federal Geddel Vieira Lima, do PMDB, nomeado vice-presidente de empresas em 2011. 

Mais otimista

Segundo Jorge Hereda, presidente da Caixa, as decisões se baseiam numa visão otimista da economia — que, acredita, crescerá 4,5% em 2013. Para ele, a história recente mostra que ser otimista deu mais resultado. No ápice da crise de 2008, enquanto Bradesco, Itaú e Santander seguraram o crédito, BB e Caixa atenderam ao chamado do governo e continuaram emprestando.


Como o Brasil foi um dos países menos afetados pela crise, os dois ganharam mercado. A história vai se repetir agora com a Caixa? Por enquanto, vai tudo bem com a instituição. Com a expansão do crédito, seu lucro aumentou 25% no primeiro semestre. Mas é no médio prazo que as consequências de uma estraté­gia dessas aparecem.

Segundo especialistas, leva no mínimo dois anos para que fique claro se os consumidores e as empresas que estão pegando empréstimos hoje vão continuar pagando. 

Não foram poucos os bancos públicos que passaram por problemas financeiros por emprestar demais, aqui e no exterior. Em 2008, o Tesouro americano gastou cerca de 300 bilhões de dólares para resgatar as companhias hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac — que, viu-se depois, concediam financiamento imobiliário fazendo uma análise rasteira do histórico dos clientes.

No Brasil, 32 bancos públicos, estaduais e federais, passaram por dificuldades na década de 90 e tiveram de ser socorridos pelo governo, a um custo estimado de 90 bilhões de reais. A própria Caixa e o BB viveram apuros. Eles só limparam seus balanços em 2001, depois de transferir carteiras de crédito de inadimplentes para uma empresa pública vinculada ao Ministério da Fazenda. Ninguém em sã consciência pode ter saudade disso.

Percival diz que os tempos são outros e que a Caixa vem tomando medidas pa­ra melhorar a gestão e se tornar mais eficiente, com a assessoria da consultoria McKinsey, contratada em março. Tam­bém está buscando novas fontes de captação, com a emissão de títulos de dívida no exterior no valor de 1 bilhão de dólares.

É uma forma de compensar a perda de uma vantagem que tinha sobre os concorrentes: a Caixa é líder em poupança, até há pouco fonte de dinheiro barato. Como os juros caíram e estão próximos ao rendimento da poupança, a Caixa deixou de ter recursos tão mais baratos que a concorrência para se financiar.

Percival diz que, como a Caixa é garantida pelo governo, consegue levantar recursos a custo baixo no exterior. Os investidores não precisam de Camila Pitanga para saber que, caso a Caixa exagere nos empréstimos e a conta não feche, o contribuinte dará um jeito.

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