Revista Exame

Burocratas, mas com diploma

O Brasil já tem mais de 1 000 gestores públicos, carreira que melhorou o governo de países como França e Estados Unidos. Para ganhar aumento, eles têm de estudar

O gestor Trajano Quinhões: orgulho de “defender metade do bioma amazônico” (Cristiano Mariz/EXAME.com)

O gestor Trajano Quinhões: orgulho de “defender metade do bioma amazônico” (Cristiano Mariz/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 21 de novembro de 2012 às 05h00.

São Paulo - Tiago Falcão é secretário nacional de renda e cidadania. na secretaria, uma divisão do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, ele coordena o programa Brasil sem Miséria, que pretende acabar com a pobreza extrema no país e foi um estandarte da campanha que levou Dilma Rousseff à Presidência da República.

Falcão é economista e especialista em políticas públicas e gestão governamental. Vinicius Carvalho é presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Assumiu a função em junho, no turbilhão de mudanças da legislação que transformou o órgão antitruste brasileiro no Supercade.

Carvalho, com formação em direito, é, assim como Tiago Falcão, especialista em políticas públicas e gestão governamental. Francisco Franco, também especialista em políticas públicas e gestão governamental, é presidente da Casa da Moeda desde fevereiro.

Chegou ao posto tendo como uma de suas missões imprimir perfil técnico a um cargo pilhado pela sanha política — o atual presidente substituiu Luiz Felipe Denucci, que havia sido indicado pelo PTB e foi demitido por suposto recebimento de propina.

Os três, Falcão, Carvalho e Franco, têm em comum o fato de haver cursado a Escola Nacional de Administração Pública. Na Enap, como é chamada, foram habilitados a exercer a função de gestores públicos — ou “EPPGG”, como os apelidou a burocracia de Brasília, entusiasta das siglas. Eles ajudam a ilustrar a diferença que faz quando tarefas-chave do serviço público são entregues a quem não está lá apenas por ter bons padrinhos políticos.

No governo Dilma, pela primeira vez o Brasil passou a ter mais de 1 000 gestores públicos na ativa. É um marco positivo para o país. Ainda que os gestores representem apenas 0,2% do total do funcionalismo público federal, esse milhar de servidores de elite — são, mais precisamente, 1 045 pessoas — é um sinal de que, ainda que com atraso, o Brasil segue a trilha já percorrida por países como França e Estados Unidos.

Nesses países, os gestores formulam políticas governamentais independentemente de quem está no governo. É o que sacramenta a ideia de que os governos passam — e o Estado fica.


“O Brasil fez enormes progressos ao colocar mais gente qualificada nos chamados cargos comissionados”, diz Elsa Pilichowski, especialista em governança pública da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. “Colocar as pessoas certas no lugar certo tem de ser a prioridade de qualquer governante.”

Resultados

Foram gestores públicos que ajustaram o Bolsa Família — que teve um começo titubeante, mas depois se transformou em um programa do governo Lula reconhecido internacionalmente. No Cade, Vinicius Carvalho e Carlos Ragazzo, superintendente-geral do órgão e também gestor, comandaram a até aqui elogiada repaginação do Cade, que tornou mais ágil a análise de fusões e aquisições de empresas.

Trajano Quinhões, gestor público e presidente da associação nacional da categoria, coordena, pelo Ministério do Meio Ambiente, o Áreas Protegidas da Amazônia. Em junho, o programa, que dá apoio a 95 unidades de conservação, foi premiado pelo governo americano como um dos mais abrangentes na área ambiental no mundo. “O que eu faço é parte da defesa de metade do bioma amazônico”, afirma Quinhões. “Isso orgulharia qualquer um.”

Foram os franceses que inspiraram o Brasil a criar uma carreira de gestor público. Lá, eles têm desde 1945 a École Nationale d’Administration (ENA), escola responsável pela formação desse corpo de servidores. Seus alunos estão de tal forma vinculados à ideia de máquina pública que um terço dos ministros franceses desde a década de 60 saiu da ENA.

Também se formaram na escola sete primeiros-ministros e três presidentes franceses — entre eles o atual, François Hollande. Aqui, a Enap — criada em 1989, esvaziada no governo Collor e retomada em 1996 — é uma espécie de pós-graduação. A carreira de gestor começa antes, com um concurso público específico.

Esses concursos chegam a ter 100 candidatos por vaga. Uma vez selecionado, o futuro gestor tem de cursar a Enap. O curso básico de formação tem 540 horas de aulas.

Para se qualificar para uma promoção depois que já estiver na ativa, porém, o gestor público é obrigado a cumprir, a cada três anos, mais 120 horas de aulas de cursos de aperfeiçoamento na escola. No universo dos gestores, em vez de fazer greve — ou virar “concurseiro” — para obter aumento salarial, os profissionais estudam. O país todo ganha com isso.


Exigir qualificação adicional do servidor em troca de mais salário parece ser uma boa ideia para outras áreas do serviço público. Afinal, quanto mais qualificado o funcionalismo, melhor será o serviço prestado à população. Mas há limitações. Uma delas é o fato de a Enap não ter como preparar ainda mais gente.

“Além das turmas de gestores, nós criamos cursos específicos para grupos de outras áreas do governo — e já não damos conta da demanda”, diz Paulo de Carvalho, presidente da Enap. Os gestores têm outra característica que os diferencia do restante do funcionalismo: eles têm vínculo com o Ministério do Planejamento, que os remaneja de acordo com a demanda do governo.

Não seria razoável, porém, que os mais de 500 000 servidores federais mudassem de função periodicamente. O governo quer ter ainda neste ano a autorização para um novo concurso de gestor, previsto para 2013. Na nova seleção deverão ser oferecidas 150 vagas — e 50 delas já se sabe para onde vão: o reformado Cade. “Temos aprovação para contratar 200 pessoas. As primeiras 50 virão do próximo concurso”, diz Carvalho, do Cade.

Embora a criação de uma elite do funcionalismo seja bem-vista, nem tudo são flores. Na França, por exemplo, a grande penetração dos gestores no serviço público os fez ser encarados como uma casta de tecnocratas com ideias muito iguais entre si. Como esses funcionários dominam postos importantes do governo, é sobre esse pensamento monolítico que se tem jogado parte da culpa pela dificuldade da França de fazer sua economia crescer.

A elite do funcionalismo brasileiro também faz das suas. Aqui, já se percebem atitudes corporativistas, autocentradas — como certo “excesso de mobilidade”: casos de servidores que não esquentam a cadeira em função nenhuma. “Não é saudável trocar de função com tanta rapidez”, diz Ana Lucia Amorim de Brito, secretária de Gestão Pública do Ministério do Planejamento. “Estamos monitorando esses movimentos mais de perto.”

Como se vê, a carreira de gestão governamental não torna todos os profissionais necessariamente à prova de deslizes. “Como em qualquer área, há competentes e incompetentes — e também quem põe os interesses da carreira à frente do interesse público”, diz Regina Pacheco, coordenadora do mestrado profissional em gestão e políticas públicas da Fundação Getulio Vargas e ex-presidente da Enap.

Ainda temos muito a avançar, mas é certo que o Brasil melhorou nesse campo. Para o nível mais alto dos cerca de 22 000 cargos comissionados existentes no governo federal, não se exige que o ocupante seja funcionário público. Basta que tenha um bom padrinho político. Ainda assim, 59% desses postos estão hoje com servidores concursados.

Cada vez mais os postos mais graduados têm sido ocupados por profissionais que estudaram para isso. Hoje, o fato de o governo ter mais de 1 000 gestores já não é apenas uma curiosidade estatística. Felizmente.

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