Desfile da Rosa Chá: o acordo dentre fundos que eram sócios de Restoque e Dudalina durou pouco mais de um ano (Eric Thayer/REUTERS)
Da Redação
Publicado em 28 de março de 2016 às 05h56.
São Paulo – Brigas entre sócios foram o maior entrave ao sucesso dos grandes grupos de moda criados no Brasil na última década. Havia algo em comum em todas as brigas — os incomodados eram sempre os estilistas. Grupos como Inbrands, Restoque e AMC Têxtil foram formados com a fusão de diversas marcas, sob a liderança de um fundo de investimento ou uma grande empresa do ramo.
Meses depois dessas fusões, os fundadores das marcas estrilavam sob o jugo de seus novos “chefes” — e essas desavenças consumiam meses e meses até ser resolvidas, normalmente com a saída do briguento. Aos trancos e barrancos, alguns desses grupos conseguiram se tornar, de fato, gigantes da moda.
O maior deles é a Restoque, que reúne marcas como Dudalina, Le Lis Blanc e Rosa Chá e fatura mais de 1 bilhão de reais por ano — e que, ironicamente, é hoje ameaçada por outro tipo de briga. Mais precisamente, uma discretíssima guerra de fundos de investimento pelo controle da empresa.
A Restoque ganhou a cara que tem hoje por iniciativa de três fundos. Obrasileiro Artesia comprou a Restoque em julho de 2007 e, em abril de 2008, colocou a empresa na bolsa. No fim de 2014, a empresa deu um salto após uma fusão com a rede de vestuário Dudalina, então controlada pelos fundos americanos Advent e Warburg Pincus.
Como a Dudalina era a maior das duas, os fundos americanos tornaram-se os maiores acionistas da empresa resultante da fusão, formando um bloco com 42% do capital que, na prática, passou a dar as cartas. Os dois principais sócios do Artesia, Marcio Camargo e Marcelo Lima, passaram a ter participação direta na empresa. Ficaram, juntos, com 14% das ações.
Apesar da menor participação, ficaram com a presidência do conselho. O arranjo funcionou por pouco mais de um ano. Até que os sócios do Artesia partiram para o que os outros fundos chamam de tentativa “hostil” de tomar o controle da Restoque de volta.
Em janeiro, quando o valor de mercado da Restoque atingiu seu ponto mais baixo, o Artesia começou a comprar ações da empresa. Discrição era fundamental, já que os demais acionistas poderiam decidir comprar também e atrapalhar os planos. O Artesia destacou, então, a gestora paulista Fama para fazer as aquisições em seu nome.
Aos poucos, Camargo e Lima compraram quase todas as ações da Restoque em circulação. Hoje, os dois têm, juntos, 42,6% das ações. Na assembleia de acionistas prevista para abril, pretendem eleger uma nova chapa para o conselho de administração. Na prática, eles querem mandar de novo, e numa empresa muito maior do que aquela que controlavam. Para se defender, Advent e Warburg Pincus compraram mais 1% das ações cada um. Assim, continuam maiores do que os sócios do Artesia.
A insatisfação de Camargo e Lima com seus sócios americanos começou quase imediatamente após a fusão. Em seguida ao fechamento do negócio, o conselho de administração da Restoque foi ampliado de cinco para nove integrantes e foram criados comitês para fiscalizar a diretoria.
Um baque para quem estava acostumado a mandar. De acordo com executivos que participaram da transição, os fundos americanos tomaram algumas medidas que pioraram o clima entre os sócios. Um motivo de estresse foi a descoberta de que o avião de Camargo estava registrado em nome da Restoque, que arcava com as despesas.
O desempenho da empresa depois da fusão não ajudou nada. Enquanto procurava um novo presidente, a Restoque nomeu Claudio Roberto Ely, então conselheiro da Dudalina, como interino. Aos 66 anos, Ely tinha no currículo a extraordinária expansão da rede de farmácias Drogasil, mas não teve tempo de fazer nada na Restoque.
Deixou o cargo em outubro, quando o conselho contratou Paulo José Soares, que vinha da Lojas Renner, para assumir a presidência. Enquanto isso, os resultados só pioraram. As vendas de Dudalina e Le Lis Blanc, principais marcas da empresa, caíram 14,9% e 11,8% no quarto trimestre de 2015, respectivamente.
A Restoque teve prejuízo de quase 22 milhões no ano passado, em comparação com o lucro de 78 milhões em 2014. As ações da companhia, que chegaram a valer quase 10 reais imediatamente após a fusão, caíram para 1,7 real em janeiro. O trabalho para a integração das redes nem sequer começou.
Diante dos maus resultados, Soares e sua nova diretoria pediram ao conselho que aprovasse uma nova capitalização de cerca de 400 milhões de reais. A dívida da companhia, de quase 700 milhões de reais, representa cerca de três vezes sua geração de caixa — patamar que poderia ser considerado saudável não fossem o tamanho da taxa de juro no Brasil de hoje e a perspectiva de vendas cada vez menores no varejo.
A proposta de capitalização rachou os sócios de vez. Advent e Warburg Pincus defenderam a ideia, mas sugeriram um aporte de 200 milhões a 300 milhões de reais. Em vez de aceitar o aumento de capital, os sócios do Artesia decidiram usar o dinheiro para recomprar ações na bolsa. Venderam a participação que detinham num banco na Flórida, o C1 Bank, e foram às compras na bolsa.
Praticamente acabaram com as ações em circulação no mercado — que hoje representam apenas 6% do total, sendo que metade disso pertence à gestora Fama. Depois das compras, as ações da Restoque valorizaram quase 300%. Artesia, Advent, Warburg Pincus e Restoque não quiseram dar entrevista.
Marcio Camargo e Marcelo Lima fizeram carreira em bancos de investimento e ganharam notoriedade ao entrar para o mundo dos fundos de private equity — que compram participações ou o controle de empresas. Ajudaram a levar empresas como a incorporadora Abyara e a fabricante de refrigeradores Metalfrio para a bolsa durante a euforia de 2007.
A Restoque foi, depois do sucesso inicial, uma fonte inesgotável de dores de cabeça para o Artesia, que não encontrou um modelo de negócios que conciliasse crescimento e rentabilidade. Enquanto isso, a dívida crescia a patamares desconfortáveis.
Em 2014, quando chegou a 400 milhões, o Artesia começou a buscar uma saída. Iniciou conversas para uma fusão com a Inbrands, dona das marcas Richards e VR, mas não houve acordo. A fusão com a Dudalina ajudou a resolver — brevemente, hoje se sabe — o problema do endividamento.
O que os sócios do Artesia querem, além de tomar o controle da Restoque de volta? Qual é seu plano? Segundo conselheiros ouvidos por EXAME, ainda não ficaram claras as reais divergências de visão dos sócios na condução da empresa.
Em 10 de março, na primeira reunião de conselho após a recomposição da base acionária, os sócios do Artesia aprovaram, com o apoio da maioria dos conselheiros, a destituição do vice-presidente financeiro e diretor de relações com investidores, Marcelo Ribeiro. De acordo com executivos que participaram da reunião, Camargo “pediu a cabeça” de Ribeiro.
Após a reunião, Lucas Melo, conselheiro independente da companhia e cujo voto definiu a saída do diretor financeiro, renunciou ao cargo. As baixas não foram comunicadas ao mercado. No dia 17 de março, a Restoque apresentou os resultados do último trimestre de 2015, e a cúpula da empresa não mencionou as tensões entre os sócios. Mas que o clima está tenso, está.