Revista Exame

Pendência com o governo paralisa a Rumo, nº 1 em ferrovias no país

Maior empresa de ferrovias do país, a Rumo espera há três anos pela decisão do governo que definirá o futuro de uma de suas concessões

Julio Fontana Neto, presidente da Rumo:  “Precisamos de previsibilidade” (Germano Lüders/Exame)

Julio Fontana Neto, presidente da Rumo: “Precisamos de previsibilidade” (Germano Lüders/Exame)

AJ

André Jankavski

Publicado em 30 de agosto de 2018 às 05h22.

Última atualização em 30 de agosto de 2018 às 05h22.

A Rumo é a maior empresa de transporte ferroviário do país. É dona de 12.000 quilômetros de linhas, que passam por 459 cidades brasileiras. Brasília não faz parte do roteiro, mas tem sido o local mais visitado pela cúpula da companhia, cuja sede fica em Curitiba, no Paraná. Julio Fontana Neto, presidente da Rumo, vai à capital federal ao menos a cada 15 dias. Ricardo Lewin, diretor de relações com investidores, fica por lá três vezes por semana. O objetivo central das viagens é resolver uma pendência com o governo que se arrasta há três anos e vem paralisando uma parte relevante dos investimentos da empresa.

A pendência é a renovação da concessão da Malha Paulista, uma rede de 3.000 quilômetros de trilhos por onde passa boa parte da produção agrícola do Centro– Oeste — ela corta os estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e São Paulo, e vai até o porto de Santos. Segundo Fontana Neto, a demanda por transporte é bem maior do que a Malha Paulista consegue atender. O plano da empresa é investir 6 bilhões de reais e fazer com que a rede passe a transportar 75 milhões de toneladas por ano até 2023, mais que o dobro do volume atual. O contrato da Rumo vai até 2028, mas a companhia argumenta que, para fazer novos investimentos, precisa da garantia de que ele será estendido. “O retorno, no setor de ferrovias, só vem no longo prazo. Por isso, precisamos de previsibilidade”, diz Fontana Neto.

A tese foi comprada pelo governo, que há dois anos editou a Lei no 13.334, permitindo a renovação antecipada de concessões ferroviárias. O pedido de renovação da Rumo, feito em 2015, foi analisado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e pela Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), criada pela mesma lei. Os dois órgãos aprovaram o pedido neste ano. “Está bem encaminhado o projeto. Discutimos mais de 80 propostas para a Malha Paulista”, diz Tarcísio Freitas, secretário do PPI. Em agosto, o processo foi enviado ao Tribunal de Contas da União, que tem prazo de 45 dias para dar um parecer final. Em meados de agosto, porém, o Ministério Público Federal e a Procuradoria–Geral da República consideraram a Lei no 13.334 inconstitucional. Agora, cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir a questão — e não há um prazo para isso acontecer.

EXAME apurou que a Rumo aguarda, ainda, outra decisão judicial, relativa ao leilão da Ferrovia Norte-Sul, que estava previsto para este ano. Segundo executivos próximos à empresa, ela pretende participar (Fontana Neto não comenta). As condições do leilão estão sendo analisadas pelo procurador Júlio Marcelo, do Tribunal de Contas da União. “Precisamos de mais tempo do que o previsto inicialmente para entender os custos, os benefícios e os eventuais problemas da operação. Não podemos analisar correndo contra o relógio”, diz Marcelo. Enquanto as respostas não vêm, a empresa mantém parados cerca de 3 bilhões de reais, o equivalente à metade do faturamento anual. Além disso, a Rumo conseguiu em agosto um empréstimo de 2,9 bilhões do BNDES, dinheiro que poderia ser usado na Malha Paulista ou na Norte-Sul.

Ferrovia da Rumo no Centro-Oeste: a greve dos caminhoneiros em maio prejudicou os resultados da empresa | Daniel Cymbalista/Pulsar Imagens

A Rumo tem mais um desafio: voltar ao azul. A última vez em que a empresa deu lucro foi em 2013, antes da fusão com a ALL. Após a fusão, anunciada em 2014 e aprovada no ano seguinte, a Rumo passou a corrigir os problemas das ferrovias herdadas da ALL, e isso consumiu recursos. Havia casos extremos. Na entrada para o porto de Paranaguá, no Paraná, os trilhos e os suportes, conhecidos como dormentes, estavam em estado de conservação tão ruim que os trens precisavam parar 5 quilômetros antes do porto — o transporte no trecho final era feito por caminhões. Para realizar os reparos, a empresa captou 10 bilhões de reais, pouco mais da metade por meio de duas ofertas de ações e o restante com a emissão de títulos de dívida no mercado externo, elevando seu endividamento.

Com a situação normalizada, esperava–se que a Rumo desse lucro no segundo trimestre deste ano. A geração de caixa voltou a aumentar — desde 2014, a alta supera os 300% — e as receitas também, mas a companhia ainda ficou no prejuízo (veja quadro na pág. 37). Fontana culpa a greve dos caminhoneiros, que paralisou o escoamento da safra. Antes disso, segundo ele, estava tudo bem: o volume transportado em abril havia sido recorde, em razão do aumento da produção de soja.

Agora, Fontana diz que a empresa dará lucro no terceiro trimestre. Os analistas estão divididos. “As incertezas sobre as concessões estão deixando as ações voláteis, mas, mesmo que isso não seja resolvido agora, a companhia gera caixa e tem boa saúde financeira. Deve começar a apresentar resultados melhores”, diz Pedro Galdi, analista da corretora Mirae Asset. Para Adeodato Volpi Netto, estrategista-chefe da empresa de análises Eleven Financial, o problema é que a empresa promete muito mas entrega pouco. “Há meses parece que a Rumo vai dar um salto, mas não acontece nada. Ela gera caixa, recebe aportes de recursos e, ainda assim, o lucro não aparece”, diz. As ações da companhia valorizaram 31% nos últimos 12 meses, mais que o triplo do índice Bovespa no período. Em agosto (até o dia 27), porém, após a divulgação dos resultados, os papéis caíram 9%, enquanto o Ibovespa teve uma baixa de 3%.

Fontana Neto diz estar confiante que a Rumo conseguirá renovar a concessão da Malha Paulista. Ele afirma que “amplos setores da sociedade” sabem que é necessário modernizar as ferrovias do país e atrair investimentos para o setor. Isso ninguém discute. Para a Rumo, porém, é importante que o governo e a Justiça decidam rapidamente de que forma os investimentos poderão ser feitos. Em final de mandato, e sem clareza quanto a quem vai ocupar o Planalto em 2019, é um cenário incerto.

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