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O confinamento transforma a camiseta no novo normal. Como será no futuro próximo?

Peças básicas: as vendas dobraram em alguns sites de e-commerce e marketplaces de moda | Yagi Studio/Getty Images /  (Yagi Studio/Getty Images)

Peças básicas: as vendas dobraram em alguns sites de e-commerce e marketplaces de moda | Yagi Studio/Getty Images / (Yagi Studio/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 21 de maio de 2020 às 05h15.

Última atualização em 12 de fevereiro de 2021 às 13h00.

O projeto de qualquer grife é tornar-se essencial na vida das pessoas. Investimentos em previsões de tendências, desfiles e lançamentos de coleções sempre orbitaram em torno dessa lógica. Mas desde março, quando o mundo precisou se recolher pela própria saúde, parando fábricas e fechando lojas, uma verdade inconveniente veio à superfície: a moda, pelo menos essa que vem e vai ao sabor das estações, não é tão essencial assim.

Para sobreviver à pausa forçada e ao consequente maior baque da história recente em suas vendas, o mercado passou a não mais prever o que as pessoas gostariam de usar, mas a aceitar o que elas de fato precisam usar. A camiseta, o básico de qualquer guarda-roupa, o pijama e a moda íntima tornaram-se a força motriz do consumo de moda e passaram a definir, por ora, quanto o mundo está disposto a gastar.

Ao longo dos últimos dois meses, quando a pandemia desceu do Hemisfério Norte e passou a afetar o dia a dia do país, a EXAME ouviu empresários e executivos do mercado nacional e internacional para traçar um recorte factível dos humores dos clientes. Dados e análises de compra e busca nos sites indicam que a simplicidade agora move as autoindulgências de todas as classes sociais. A empresa de inteligência em mercado Compre & Confie estima que, entre o fim de fevereiro e o último dia de março, o segmento de moda tenha sido o que mais registrou perdas em vendas de todo o e-commerce brasileiro, com retração de 18,5%.

O CEO da Compre & Confie, André Dias, calculou o percentual de queda: 77,3% em camisetas do tipo polo, 48% em calças, 53,7% em saias, 53,3% em vestidos e 40,5% em ternos. Ao mesmo tempo, as vendas de outras peças dispararam: houve aumento de 52,2% em cuecas, 22% em calçados masculinos e, surpreendentemente, 35,3% em espartilhos. Ao que parece, os casais apimentaram a vida em cativeiro comprando aquele velho acessório que prende a cintura e afina a silhueta, cuja estética havia sido jogada na fogueira do tempo no início do século 20.

No mundo, o pendor pelo básico é sentido desde fevereiro. O CEO do market­place inglês Farfetch, José Neves, afirma que, mesmo sem números fechados, há uma mudança em curso na postura dos clientes que compram pela plataforma, que tem entre seus concorrentes gigantes como Net-A-Porter, Yoox e Lyst. “É cedo para fazer previsões sobre categorias, mas já sabemos que os itens que agregam um pouco de elegância dentro de casa têm se mostrado mais populares”, afirma.

O CEO do grupo Icomm, Eduardo Kyrillos, responsável pelos sites OQVestir e Shop2Gether, vai na mesma linha ao analisar que, desde 16 de março, as vendas de peças íntimas e as mais relaxadas, chamadas pela indústria do luxo de loungewear, dobraram nas plataformas do grupo. Segundo ele, a busca por esse tipo de produto fez a Shop2Gether passar de 10.000 para 20.000 novos clientes por mês.

Como os preços dessas peças são geralmente mais baixos e a maioria das marcas abrigadas no site passou a fazer promoções para alavancar as vendas, o tíquete médio de compra baixou de 500 para 350 reais durante a pandemia. O essencial, parece óbvio, custa menos. “É uma crise que nunca vi em 30 anos de profissão. Estamos acompanhando o comportamento de compra para definir novas estratégias e, por ora, o que estamos fazendo é montar vitrines mais direcionadas a esse segmento de roupas mais práticas e confortáveis”, diz Kyrillos.

É uma estratégia semelhante à adotada pela Amaro, do empresário suíço Dominique Olivier. A aba chamada Em Casa na página principal do e-commerce tornou-se a mais clicada da plataforma. A empresa calcula que as buscas por itens de lingerie aumentaram 70% no site, e a procura por pijamas cresceu 13 vezes desde o início da quarentena no Brasil. Em contrapartida, a tendência animal print teve uma queda de 55%, um baque tão expressivo quanto o do couro, com buscas 35% menores no mesmo período.

Olivier não acredita que esse tipo de compra será perene. “As pessoas ainda vão querer comemorar e comprar roupas para se divertir”, diz. A pandemia, no entanto, teria consolidado uma busca maior por valores embutidos na compra. “As pessoas passaram a querer boa qualidade e preço justo. Digo isso há tempos, mas acho que, com a perda de renda e com um foco maior no que importa, os consumidores vão parar de pagar um valor elevado por peças que não valem a pena.”

É possível que esse comportamento tenha impulsionado as vendas da Oriba. A marca paulistana focada em itens básicos do guarda-roupa masculino tem preço médio de 250 reais e reportou um crescimento de 80% no fluxo de seu canal digital em abril. Camisetas e moletons foram os carros-chefes das vendas da grife. “A mudança de comportamento que prevíamos que aconteceria em cinco anos foi acelerada pela pandemia”, afirma Rodrigo Ootani, estilista e diretor da marca. “Essencial não é mais apenas uma questão estética, nem só relacionada ao preço que se paga, mas também às possibilidades de uso daquela roupa e quanto tempo ela vai durar. Nesse sentido, uma camiseta de bom corte e bom tecido pode ser, sim, o novo luxo.”

Isso não significa que vamos entupir o armário de itens básicos para sempre. Uma das maiores provas disso são as vendas estratosféricas da grife carioca Farm nas últimas semanas. Especializada em moda feminina estampada com todo tipo de florais, folhagens e grafismos que você possa imaginar, a marca do grupo Soma chegou a vender 1 milhão de reais por dia em seu e-commerce no mês passado. Em maio, estabilizou as vendas em 800.000 reais diários. A média anterior era de 420.000 reais.

“São vários fatores envolvidos nesse número. Primeiro, tivemos um aumento de estoque vindo das multimarcas que não tiveram condições de continuar recebendo produtos e, por isso, fizemos promoções agressivas de quase 50% de desconto para escoar tanta roupa. Além disso, temos uma audiência gigante e, modéstia à parte, a marca é uma das mais desejadas”, afirma o sócio fundador Marcello Bastos.

E não foi só no Brasil que a marca registrou esse pico de vendas. Em Nova York, o maior mercado da Farm fora do país, o e-commerce registrou, entre março e abril, um faturamento de 1,2 milhão de dólares — possivelmente, um recorde para uma grife nacional em solo estrangeiro. Em se tratando de moda, o que é essencial para um é diferente para outro. Ainda bem.

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