Revista Exame

As techs invadem a bolsa — e o grupo das maiores

Empresas brasileiras de tecnologia jovens e dinâmicas foram para a bolsa em peso desde o início da pandemia — e invadiram o ranking 2021 de MELHORES E MAIORES. O frescor veio para ficar?

Fernando Cirne, da Locaweb (à esquerda) e Israel Salmen, da Méliuz: empresas cumprem o combinado no IPO e crescem na bolsa (Leandro Fonseca e Germano Lüders. Ilustração/Getty Images)

Fernando Cirne, da Locaweb (à esquerda) e Israel Salmen, da Méliuz: empresas cumprem o combinado no IPO e crescem na bolsa (Leandro Fonseca e Germano Lüders. Ilustração/Getty Images)

TL

Thiago Lavado

Publicado em 20 de outubro de 2021 às 22h00.

Última atualização em 25 de outubro de 2021 às 09h51.

Até fevereiro de 2020, as empresas brasileiras que estavam no aquecido setor de tecnologia miravam o exterior em busca de recursos. Fossem startups em busca de capital com gigantescos fundos internacionais, fossem empresas mais maduras às vésperas de um IPO, a ideia passava por ir atrás de investidores, bolsas e fundos fora do Brasil. Ainda há casos assim, como a plataforma VTEX, que foi à NYSE em julho, mas a situa­ção mudou com o IPO da Locaweb. A empresa de tecnologia que foi à B3 no início de 2020 teve demanda 1.000% superior à oferta e fechou a precificação de suas ações no topo da faixa indicativa de preço. Ainda assim, parte dos analistas na época davam recomendações negativas sobre a empresa. O resultado: mais da metade da oferta ficou com os estrangeiros, e quem entrou ganhou muito dinheiro. A história de sucesso da Locaweb foi coroada no primeiro ano de negociação pública da empresa, que até aqui ampliou negócios, comprou outras 13 companhias e hoje vale quatro vezes o que valia quando veio a público.

A entrada da Locaweb no mar aberto do mercado de capitais permitiu que outras naus a seguissem: ainda em 2020 vieram Méliuz, Enjoei e Neogrid. É preciso dizer que todas essas empresas atuam em diferentes partes do mercado de tecnologia — desde programa de pontos, benefícios e pagamentos até varejo e software de gestão de cadeia de fornecimentos. Mas a entrada delas na B3 foi parte de um movimento necessário para que, neste ano, o setor fosse ainda mais prolífico na bolsa brasileira. O triplo de empresas do setor de tecnologia e mídia vieram a público nos nove primeiros meses do ano, e outras próximas do segmento também acompanharam, como é o caso de fabricantes como Multilaser e Intelbras.

(Arte/Exame)

A continuidade dessas empresas e de outros IPOs do setor podem ser o início de uma nova era da B3, tradicionalmente reservada a empresas de legado, líderes de seus respectivos setores, com balanços consolidados e pagadoras de dividendos. Agora empresas mais jovens, como a Méliuz, que tem uma história de pouco mais de dez anos, estão disponíveis para os investidores. Além de serem uma oportunidade de investimento, as empresas se tornam mais responsáveis do ponto de vista de governança: assumem compromissos públicos e são transparentes na divulgação de resultados e informações financeiras. Duas delas, Méliuz e Locaweb, já fazem parte do Ibovespa, o principal índice da bolsa brasileira. Mas elas também estão mais suscetíveis à flutuação das ações e à cobrança do plano traçado lá atrás, no momento em que venderam ao mercado sua estratégia para os próximos anos. Para algumas delas, como a Locaweb, o caminho até aqui foi de grande sucesso; para outras tem sido mais cheio de curvas.

“Era o que a gente previa. Tínhamos uma estratégia de aquisições antes do IPO e queríamos levantar capital para acelerar esse programa, melhorar o ecossistema de ­e-commerce. Foi um sucesso para a Locaweb e para o acionista também”, afirma Fernando Cirne, presidente da Locaweb. Um dos últimos negócios da Locaweb, a compra da plataforma Octadesk por 102 milhões de reais, foi referido por Cirne como a aquisição “mais recente”, para não dizer “a última”. As aquisições têm sido um motor para a Locaweb, parte porque esse era o plano vendido aos investidores e agora concretizado, parte porque as compras nunca são à revelia e têm o objetivo de compor a estratégia mais ampla do grupo. “Temos hoje quatro plataformas de e-commerce, solução de atendimento, ERP, gestão de cobrança, de redes sociais, envio, integração logística. Tudo se encaixa: compramos boas empresas que se encaixam e se alavancam aqui dentro”, diz Cirne, que afirma que todas as aquisições tiveram aceleração em seu crescimento pós-compra.

(Arte/Exame)

Segundo Cirne e Rafael Chamas Alves, CFO da empresa, nas apresentações iniciais os investidores afirmaram que entrariam na oferta, mesmo que ela acontecesse no Brasil por causa dos fundamentos e da história da companhia. “O mercado recebeu muito bem, estava conhecendo empresas de tecnologia e entendeu nossa tese”, afirma Cirne, reiterando o bom momento da empresa e a previsibilidade de operação que pode garantir aos investidores. Para Richard Camargo, analista da empresa de análises ­Empiricus, o caso da Locaweb representa uma história de sucesso na captação de recursos e na execução de estratégia. “Eles perceberam, com muita humildade, os riscos do modelo e que a maneira mais fácil seria captar e diversificar. Fizeram várias aquisições interessantes que lhes permitem brigar globalmente”, diz.

Locaweb e Méliuz experimentaram uma demanda tão alta por seus ­papéis que acabaram voltando à bolsa. Em 2021, ambas fizeram o chamado “follow-on”, quando uma empresa vende papéis adicionais ao mercado, seja para uma nova captação, seja para a saída e a diluição do atu­al quadro societário. De acordo com Luciano ­Valle, diretor de relacionamento com investidores da Méliuz, a chegada da empresa ao mercado de capital aberto foi emblemática em mostrar para empreendedores, startups e empresas que é possível fazer isso no país. “Temos procurado ser consistentes. E isso, no final do dia, dá um sinal do comprometimento com a estratégia de longo prazo. Cresce a base de clientes, o time. O mercado entende o valor que [a ­Méliuz] vem gerando ao longo do tempo e acreditamos que há muito mais valor para entregar”, diz.

Nova York: mesmo com mais empresas abrindo o capital no Brasil, algumas, como a VTEX, ainda optam pelas bolsas americanas (NYSE/Divulgação)

Apesar do cenário positivo, a flutuação dos papéis das empresas na bolsa foi grande desde que vieram a público. Mesmo Locaweb e Méliuz, que valem entre três e quatro vezes o que valiam no momento do IPO, passaram por correções. Para Camargo, da Empiricus, isso se explica pelo momento e por certo “frenesi” em torno do setor. “Existem vários nichos de negócios em tecnologia. Todas essas empresas são nativas em tecnologia, mas são completamente diferentes. Elas foram tratadas da mesma maneira, e o mercado cobrou isso muito rápido”, afirma. O valor das ações da Neogrid está no mesmo patamar do momento da abertura, e o Enjoei vale quase metade do que valia. Segundo o analista, as variações de preço que os papéis sofreram são naturais e atualmente estão em um patamar de valor justo. 

Isso não significa que as empresas não estejam entregando resultados, e sim que o mercado entendeu as vicissitudes de cada uma delas e adaptou seus preços. O Enjoei, por exemplo, triplicou o faturamento no segundo trimestre do ano, para 26,5 milhões de reais, enquanto dobrou o número de vendedores na plataforma e aumentou a base de compradores em 29%. De acordo com Tiê Lima, presidente da empresa, o plano é continuar crescendo e gerando métricas importantes no mercado de e-commerce, como recorrência dos consumidores. “É um diferencial na categoria que trabalhamos. O usuá­rio volta em média sete vezes por ano”, afirma. “Nossa estratégia envolve aumentar a recorrência para aumentar cada vez mais o nível de serviço, a presença de marca e competir, com crescimento e expansão da marca, não apenas nos canais tradicionais. Segundo o CEO, outras frentes foram consideradas no período, como investimento em atendimento, melhora de nota em sites como ­ReclameAqui e soluções para eliminar falsificações da plataforma.

(Arte/Exame)

Na Neogrid, o crescimento também está presente, tanto pelo crescimento do produto de gestão de cadeia logística quanto pela compra de outras empresas com sinergia de negócios. Em setembro, a Neogrid adquiriu mais duas companhias: a Lett, especializada em marketing digital, por 38 milhões de reais, e a Arker, que fornece tecnologia e soluções de promoção comercial, por 26 milhões de reais. Segundo Eduardo Ragasol, CEO da Neogrid, a companhia viu como uma oportunidade entrar no mercado entre julho e agosto do ano passado e apresentar uma proposta de valor alinhada que permitiria focar expansão e aquisições — foram quatro desde o IPO, em dezembro passado. “Nosso mercado potencial é muito grande, tanto dentro do Brasil quanto fora dele. Tivemos uma ampliação de foco e agora olhamos para o ecossistema de maneira integral, incluindo instituições financeiras, governo, impostos, fornecedores de matérias-primas e componentes”, afirma Ragasol, que, além de ampliar os setores para os quais a Neogrid oferece soluções, está ampliando a área de atuação, com canais comerciais em 22 países, como Estados Unidos, Canadá, Chile, Colômbia, México, além da Europa.

IPO do Enjoei: abertura de capital no Brasil simboliza novo momento das startups do país (B3/Divulgação)

Mais do que abrir espaço para novas empresas e movimentar o mercado financeiro no país, as quatro novas pioneiras da bolsa podem ser o símbolo de um Brasil mais tecnológico e com maior valor agregado. Ainda é cedo para dizer que é esse o caso, mesmo com a sequência que o mercado deu no setor e até com o conhecimento que os investidores adquiriram. O sucesso delas nos próximos anos será fundamental para que muitas outras as sigam.  

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