Paul Krugman, no EXAME Fórum: para progredir, o Brasil tem de investir nos talentos (Germano Lüders/EXAME.com/Exame)
Da Redação
Publicado em 25 de outubro de 2012 às 09h47.
São Paulo - Há pouco mais de 100 anos, o inglês Alfred Marshall, um dos maiores economistas de todos os tempos, responsável por sistematizar a ideia de que o valor de um produto é determinado por sua procura e pelo custo de produção (um princípio hoje banal), afirmou: “O mais valioso entre todos os capitais é aquele investido em seres humanos”.
Marshall demonstrava toda a sua confiança no fator mais importante para o desenvolvimento de uma nação — as pessoas que nela vivem. A necessidade de o Brasil ampliar o investimento na qualificação de sua população foi a tônica da quarta edição do EXAME Fórum, realizado em 14 de setembro, em São Paulo, para uma plateia de 430 empresários e executivos.
O tema do encontro foi “O Brasil e as empresas brasileiras no novo cenário mundial”. Em três painéis, capitaneados por dois economistas americanos e dois ministros do governo Dilma, foram debatidos os principais problemas da economia do país, como alta carga tributária, burocracia paralisante, excesso de protecionismo e falta de regras claras para os investimentos.
Como ponto comum, ficou patente que, para o avanço tanto das empresas quanto da economia, é fundamental dar atenção aos brasileiros, os responsáveis por produzir a riqueza — e, em última instância, os beneficiários dos resultados conseguidos.
“O Brasil ainda tem vários problemas, mas o ponto em que realmente destoa da maioria dos países é o baixo investimento nas pessoas”, disse, na abertura dos debates, Paul Krugman, professor da Universidade de Princeton e ganhador do prêmio Nobel em 2008.
Investir nas pessoas significa dar a elas condições para que possam prosperar e viver com qualidade. O Brasil ainda tem índices sociais sofríveis: cerca de 20 em cada 1 000 crianças morrem antes de completar 1 ano. Quase metade das residências brasileiras não está ligada à rede de esgoto.
E cerca de 15% dos brasileiros com mais de 25 anos estão enquadrados na categoria “sem nenhuma instrução escolar”. Recentemente, o governo anunciou algumas medidas para impulsionar os investimentos em infraestrutura e outras para cortar custos das empresas. São medidas importantes — fundamentais, diga-se — para a modernização da economia.
E devem vir acompanhadas por investimentos nas pessoas. “Construir fábricas ou estradas é importante. Mas, se eu dissesse onde o país mais tem de investir, seria nas pessoas”, disse Krugman. “Elas podem fazer o país do futuro.” Um dos melhores investimentos é aprimorar o nível de ensino.
Os avanços obtidos, como a universalização da presença nas escolas, ainda são insuficientes para a competição com outros países. “Nossa evolução foi mínima”, disse Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do conselho de administração do grupo Gerdau. Sua conclusão se baseia na comparação com o padrão de nações mais desenvolvidas.
“Que tipo de pessoas precisamos para ser competitivos? Eu quero o cidadão sul-coreano”, afirmou Gerdau, referindo-se ao ganho de produtividade do país asiático obtido após investimentos na melhoria do ensino. Um estudo do economista Eric Hanushek, da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, mostrou que países com bom desempenho dos estudantes em testes cognitivos apresentam crescimento da renda maior do que aqueles em que os alunos tiram nota baixa.
Ele afirma que a melhora de 25 pontos nos resultados do Pisa, exame feito pela OCDE (cuja média dos países ricos é 500), resulta em aumento de 0,5 ponto percentual na taxa anual do PIB per capita. Uma projeção considerando a manutenção desse ganho por 80 anos resultou num PIB três vezes maior. “No longo prazo, o investimento que faz a diferença é na educação”, diz Hanushek.
Paul Romer, da Universidade de Nova York, outro convidado do EXAME Fórum, defendeu a tese de que os governos devem ser “pequenos e fortes”. Ao Estado cabe, por exemplo, o papel de órgão regulador. “Quando pedem a um governo para fazer muito, ele deixa de fazer o básico”, diz Romer.
E o que seria o básico? Romer faz analogia entre o papel do Estado e o da área de recursos humanos de uma empresa. “Os governantes devem atuar da mesma maneira que um diretor de recursos humanos”, diz ele. “Devem criar políticas para reter e trazer novos talentos ao país, além de garantir que recebam treinamento e estejam saudáveis.”
Outro caminho para o desenvolvimento das pessoas é o trabalho. “Num emprego formal, o funcionário tem contato com gerentes qualificados e boa tecnologia” diz ele. “Não deixa de ser uma escola com grandes oportunidades de aprendizado.”
Pesquisas indicam, por exemplo, que os mexicanos que passaram um ano trabalhando nos Estados Unidos ganham 10% mais ao voltar ao México — reflexo do que aprenderam no mercado americano. Felizmente, o Brasil avançou nesse quesito: nos últimos dez anos, foram criados 15 milhões de empregos formais.
O estímulo às pessoas é ainda mais importante num cenário de crise global. Krugman prevê que Estados Unidos e Europa levarão anos para o retorno à estabilidade. Do lado de cá do Atlântico, o problema é agravado pela rivalidade extremada entre os partidos políticos Republicano e Democrata, o que dificulta a aprovação de medidas para a recuperação.
Ele afirma que, num cenário otimista, os Estados Unidos só retomarão o crescimento pré-crise no fim do próximo mandato presidencial, em 2016. A Europa, onde o quadro é mais grave, depois disso. É nesse cenário que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, aposta no crescimento de 4% da economia brasileira em 2013.
Mantega prevê que, no próximo ano, as medidas de incentivo adotadas em 2012 surtirão o efeito desejado. “O Brasil é hoje um país mais competitivo e um dos únicos com chance de crescimento”, disse ele. Será ainda mais se investirmos nas pessoas.
Como disse em seu discurso Roberto Civita, presidente do conselho de administração do Grupo Abril, que edita EXAME, são os “esforços e a ousadia de homens e mulheres livres para empreender e melhorar de vida que estão por trás dos avanços ocorridos no mundo nas últimas décadas”. É o que o Brasil deve perseguir.