Revista Exame

Adaptação — é esse o nome do jogo na agricultura

O agronegócio brasileiro não tem motivos para temer o aquecimento global — desde que comece a se preparar logo para as mudanças

Pérès, produtor de maçã, e Oliveira, da Embrapa (ao fundo): busca por maçãs que precisem de menos frio (Tamires Kopp/EXAME.com)

Pérès, produtor de maçã, e Oliveira, da Embrapa (ao fundo): busca por maçãs que precisem de menos frio (Tamires Kopp/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h40.

Sistema de cromatografia líquido com espectrômetro de massa acoplado. O nome do equipamento soa como um palavrão até mesmo para o gaúcho Paulo Ricardo Dias de Oliveira, um engenheiro agrônomo com pós-doutorado em biologia molecular aplicada ao melhoramento de plantas. Portanto, o que interessa a um leigo é saber que o tal sistema, que está sendo importado dos Estados Unidos e deverá chegar ao Brasil em março, tem uma missão importante: ajudar Oliveira, que trabalha para a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e mais 28 cientistas a desenvolver variedades de maçã para produtores brasileiros nos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná.

Por trás da pesquisa, iniciada há quatro anos, há mais do que o simples desejo de oferecer mais opções ao consumidor. O que instiga os cientistas é outro desafio. Para que seus frutos sejam bonitos e saborosos, a macieira, árvore de clima temperado, precisa de um número determinado de horas acumuladas de frio. Respeitada essa regra, a árvore, que durante o inverno fica sob o que a ciência chama de “repouso hibernal”, uma espécie de dormência, volta à ativa com entusiasmo para dar frutos.

A questão é que, nos últimos anos, os pesquisadores têm registrado um declínio nesse acúmulo de horas no sul do país. “Não cabe a mim dizer se isso é fruto ou não do aquecimento global”, diz Oliveira. “O que posso afirmar é que o clima está mudando e a agricultura brasileira precisa se adaptar a isso.”

No início da década de 80, a produção de maçãs no sul do país era embalada por invernos que proporcionavam às árvores algo como 800 a 1 000 horas acumuladas de frio. De 2000 para cá, porém, essa média tem oscilado de 600 a 800 horas. “Quando o frio é contínuo, a macieira dorme bem e acorda com disposição”, diz o francês Pierre Pérès, que produz maçãs em Santa Catarina e é presidente da Associação Brasileira de Produtores de Maçã (ABPM). “Mas o que temos tido são frios intensos por períodos curtos, e quando é assim a macieira acorda cansada.” É claro que há maneiras de driblar o que os produtores chamam de um “inverno ruim”.

Uma delas é fazer uso da cianamida hidrogenada, uma substância que, na falta das horas acumuladas de frio necessárias, induz a macieira a acordar e pegar no tranco. Mas o que a Embrapa quer é poder oferecer aos produtores variedades de maçã mais adaptadas a esse novo cenário.


As pesquisas começaram em 2007, quando os pesquisadores da Embrapa coletaram no pomar de um produtor do município de Monte Castelo, em Santa Catarina, as primeiras amostras de uma mutante recém-descoberta da gala, a variedade de maçã mais consumida no Brasil. Batizada de castel gala, a fruta exige menor acúmulo de frio, mas é vista com desdém por muito produtores por não ser muito saborosa. Para os cientistas da Embrapa, no entanto, a castel gala foi um achado. “Para desenvolver maçãs menos exigentes, precisamos compreender como funciona o mecanismo de dormência”, afirma Oliveira. “E fazer isso fica menos complexo quando podemos comparar o material genético dessas duas.”

A expectativa do agrônomo é que, em 2013, a Embrapa já possa oferecer ao mercado duas novas variedades da fruta — menos friorentas que a gala e a fuji, mas igualmente saborosas. Enquanto isso, os produtores observam com expectativa os esforços dos pesquisadores. “Não podemos esperar o clima mudar ainda mais para aí começar a nos preparar”, diz Pérès, da ABPM.

Futuro

Os pesquisadores da Embrapa sabem disso como ninguém. A instituição e a Unicamp realizaram o principal estudo feito até hoje sobre o impacto das mudanças climáticas na atual configuração agrícola do país. Ele foi lançado em meados de 2008 com base no relatório do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, organismo da ONU que estuda o aquecimento global, e revelou que o aumento de temperatura esperado para as próximas décadas pode provocar uma diminuição nas regiões aptas ao cultivo de grãos no país.

Para a soja, que apresenta o maior valor de produção da agricultura brasileira — 38 bilhões de reais em 2009 —, a elevação da temperatura pode gerar perdas de 3,9 bilhões a 4,3 bilhões de reais em 2020. Esse prejuízo poderá ser reduzido, no entanto, se os agricultores puderem contar com variedades mais tolerantes à falta de água. Algo que a Embrapa, assim como as multinacionais privadas de sementes, está tentando desenvolver.

Para isso, a instituição de pesquisa brasileira vem fazendo uso de técnicas de melhoramento tradicionais. É na engenharia genética, porém, que está a maior aposta. Na Embrapa de Londrina, no Paraná, o agrônomo Alexandre Nepomuceno e outros colegas observam com cuidado o crescimento da soja plantada em uma área experimental de 9 000 metros quadrados. O que diferencia essa planta de uma soja qualquer é que ela foi modificada e possui uma expressão maior dos genes Dreb, que ajudam na tolerância à seca.


A patente da tecnologia Dreb pertence ao Jircas, a empresa de pesquisa agropecuária do Japão, mas desde 2003 a Embrapa tem autorização para testá-la. Desde então, ensaios realizados em laboratório deram sinais promissores. No ano passado, Nepomuceno decidiu que já era hora de levar a soja modificada para o mundo real. Ironicamente, de lá para cá, a natureza não ajudou. “Desde que fomos para o campo, não tivemos um episódio sequer de estresse hídrico em Londrina”, diz o pesquisador. Portanto, será preciso dar tempo ao tempo.

Ele ressalta, porém, que é preciso dosar as expectativas. “Não estamos desenvolvendo uma variedade de soja que vai se comportar como um cactus”, diz Nepomuceno. Ou seja, essas novas variedades de soja e de outras culturas que estão sendo testadas, como o trigo e o milho, poderão ajudar o Brasil e outros países a reduzir suas perdas com a falta de chuva, mas não a eliminá-las completamente. Em 2010, um dos países que mais sofreram com a seca foi a Rússia, que está entre os maiores exportadores de trigo. Neste ano, é a Argentina que deve ver sua safra de soja, estimada em 51 milhões de toneladas, sofrer uma queda de quase 10%.

Por enquanto, na maioria das culturas do país, a percepção dos agricultores é de que lidar com as mudanças climáticas não depende de uma mágica da Embrapa, mas de medidas mais simples. No sul de Minas Gerais, região famosa pela produção de café, os agricultores sempre se beneficiaram de condições climáticas muito favoráveis. “Ao longo da última década, o que percebemos é que a distribuição das chuvas está mais caótica”, afirma o agrônomo Rodrigo Paiva, da instituição de pesquisa Fundação Procafé.

O resultado é que vem crescendo o número de cafeicultores adeptos da irrigação. “Ela funciona como um seguro”, afirma o mineiro Dimas Silva Jacob, que tem 250 hectares de cafezais no município de Carmo do Rio Claro e começou a irrigar há dois anos. “Há 30 anos, ninguém diria que isso seria necessário aqui”, diz Paiva.

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