Revista Exame

Mineradoras estão no vermelho em Serra Azul (MG)

Mineradoras no vermelho, demissões em massa, alojamentos saqueados. A queda no preço do minério de ferro levou o caos à região de Serra Azul, em Minas Gerais, onde até pouco tempo atrás se recusavam cheques bilionários

Caminhão na mina de ferro (Rich Press/Bloomberg)

Caminhão na mina de ferro (Rich Press/Bloomberg)

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Da Redação

Publicado em 29 de dezembro de 2014 às 05h00.

Serra Azul (MG) - O mineiro Dilson Fonseca dificilmente vai es­quecer aquele junho de 2013. Foi quando recusou um cheque de 1 bilhão de dólares por sua mina de minério de ferro, a Minerita, feita pela B&A, sociedade formada pelo banco BTG Pac­tual e pelo ex-presidente da Vale Roger Agnelli.

Dilson agradeceu o interesse e disse que, se fosse para vender por 1 bilhão de dólares sua mina, apelidada de “princesinha da Serra”, preferia doá-la a seus familiares. Olhada da perspectiva histórica da mina, a decisão de dizer não à proposta bilionária fazia muito sentido.

Nos anos 70, Cordovil Fonseca, pai de Dilson Fonseca, começou a extrair minério usando pás, marretas e garfos. Mas os anos passaram, o minério de ferro transformou-se em ouro e, em 2013, nenhum de seus vizinhos da região de Serra Azul, a 70 quilômetros de Belo Horizonte, achou que ele estivesse maluco ao recusar a oferta. Fonseca diz ter uma reserva de 900 milhões de toneladas de ferro que, nas suas contas, deveria valer mais de 2 bilhões de dólares.

“Éramos assediados a todo momento”, diz ele, que também descartou ofertas de multinacionais como ArcelorMit­tal, BHP Billiton e Tata Steel. Na época, o minério de ferro vinha de anos e mais anos de alta, e as perspectivas eram de fato alvissareiras. Ter uma mina era um dos melhores negócios do mundo. Era. 

Nos últimos meses, o mundo conspirou contra Fonseca. O preço do minério de ferro caiu 50% em 2014, passando de 136 para 69 dólares a tonelada, devido à redução do consumo na China, maior compradora mundial. Fonseca já cortou um terço da produção. E, agora, quer se livrar do negócio.

Recentemente, contratou o banco de investimento Bradesco BBI para assessorá-lo na busca de potenciais compradores. “O valor da empresa caiu ao menos pela metade. Outra oferta de 1 bilhão vai ser difícil”, diz um executivo de uma companhia interessada na mina. (Oficialmente, a Minerita não confirma os valores das propostas recebidas.)

Certamente não vale como consolo, mas Fonseca não é o único que tem muito a lamentar na região de Serra Azul. Seu vizinho Eduardo de Almeida Ferreira, controlador da Companhia de Mineração Serra Azul (Comisa), recebeu diversas propostas de 600 milhões até 1 bilhão de dólares de 2009 a 2013. Recusou todas. (Procurado, Ferreira não deu entrevista.)

A região de Serra Azul, formada por uma extensa reserva estimada em mais de 3 bilhões de toneladas de minério de ferro, que corta os municípios de Brumadinho, Igarapé, Itatiaiuçu, Itaúna, Mateus Leme e São Joaquim de Bicas, está cravada no quadrilátero ferrífero de Minas Gerais, maior área produtora de minério de ferro no país.

Os primeiros aventureiros instalaram-se na região nos anos 40 e passaram décadas vendendo alguns caminhõezinhos para pequenas siderúrgicas da região. Até que o apetite chinês e a disparada no preço do minério na última década transformaram suas histórias. A tonelada do minério passou de 16 dólares, em 2004, para quase 200 dólares, em 2011.

Em 2008, a Usiminas anunciou que pagaria quase 2 bilhões de dólares pela mina de José Mendes Nogueira, conhecido na região como “seu Zé Nogueira”. Seis meses depois, a maior siderúrgica do mundo, a inglesa ArcelorMittal, adquiriu por 810 milhões de dólares a mina de ferro da britânica London Mining, que no ano anterior havia comprado a empresa Minas Itatiaiuçu, da família Tavares, por 130 milhões de dólares. De repente, todo mundo achou que seu negócio valia bilhões. Hoje luta-se para pagar as contas.

Pesadelo

Acontece que, com o minério cotado a 69 dólares, boa parte das minas de Serra Azul é inviável. Além de extrair minério sem equipamentos de ponta, os empresários sofrem com a logística da região. Para transportar pela malha ferroviária até o porto, há duas alternativas: usar os trens da Vale ou os da MRS, controlada por Vale, Usiminas, MBR, Gerdau e CSN.

No porto de Itaguaí, no Rio de Janeiro, também só há duas opções: os terminais privados da Vale e da CSN (veja quadro ao lado). Tudo isso encarece o custo, que hoje fica próximo de 73 dólares por tonelada — acima, portanto, do preço final. Na média, a Vale gasta 46 dólares por tonelada.

“O preço do minério de ferro caiu mais rápido do que as pessoas esperavam. Nos preocupa saber onde isso vai parar”, diz Wilfred Bruijn, presidente da Mineração Usiminas. A geração de caixa da empresa caiu 94% no último trimestre.

O maior símbolo da ascensão e queda de Serra Azul é a mineradora MMX, fundada em 2005 pelo empresário Eike Batista. A companhia comprou por cerca de 350 milhões de dólares a AVG Mineração, da família Valadares Gontijo, e a Minerminas, do empresário mineiro Cândido Moreira Jardim, entre o fim de 2007 e o início de 2008.

Três anos depois, adquiriu o direito de explorar por 30 anos a mina Pau de Vinho, da Usiminas. Batizadas de Unidade de Serra Azul, essas operações produziam 5 milhões de toneladas de minério de ferro por ano. Eike queria alcançar 29 milhões de toneladas por ano e anunciou investimentos de 4,8 bilhões de reais.

Mas a queda do preço do minério, a crise de confiança no grupo X e a dívida de 440 milhões de reais levaram a MMX a pedir recuperação judicial em outubro. Foram demitidos cerca de 300 dos 420 operários da companhia.

“Era o sonho de muita gente enriquecer com o Eike, mas virou pesadelo”, diz David Carvalho da Silva, de 25 anos, que era operário da MMX. Seu pai, José Laurin­do da Silva, de 54 anos, ainda é um dos poucos empregados da empresa, mas sabe que por pouco tempo. “Disseram que é culpa da crise do minério”, diz.

A derrocada da MMX e o péssimo momento das mineradoras trouxeram o caos à economia da região. Os efeitos estão por todos os lados nos seis municípios visitados por EXAME. Em São Joaquim de Bicas, um alojamento construído para cerca de 2 000 operários da MMX foi abandonado e saqueado após a quebra da empresa. Vasos sanitários, TVs e sofás foram furtados, e o alojamento veio abaixo.

A varejista de móveis e eletrodomésticos Dione, criada em 1991 em Igarapé, e que avançou por nove municípios nos últimos anos, perdeu 30% do faturamento e viu a inadimplência crescer 50%. “Teve cliente que sumiu da cidade”, diz Henrique Palhares, presidente da empresa.

No município de Igarapé, a arrecadação de impostos caiu 30% neste ano. Em Brumadinho, a receita de royalties caiu 25  milhões de reais de 2013 a 2014. Na en­trada da mina da ArcelorMittal, caminhoneiros esperam o dia todo para encher a carga — a empresa decidiu produzir menos, esperando que os preços voltem a subir. Moradores, empresários e prefeitos já têm um novo apelido para a região: “Serra Vermelha”.

Como em toda história de sucesso e derrocada, empresários e moradores de Serra Azul têm na ponta da língua os “culpados” por seu infortúnio. Os chineses e Eike Batista são alvos óbvios. Mas a outra vilã é a maior produtora de minério de ferro do mundo, a Vale.

Como gasta apenas 46 dólares para extrair e exportar seu minério, a companhia sente menos os efeitos da queda na cotação. E está aproveitando o momento para ganhar ainda mais terreno. No terceiro trimestre, a Vale produziu um volume recorde de 85,7 milhões de toneladas de minério de ferro.

A mesma estratégia está sendo adotada por suas concorrentes anglo-australianas Rio Tinto e BHP Billiton. A Rio Tinto gasta 35 dólares por tonelada de minério. A BHP Billiton, 43 dólares. “A Vale está perdendo dinheiro dos acionistas, o país está entregando seus recursos naturais, há dezenas de municípios desesperados. É uma irracionalidade total”, diz José Francisco Viveiros, ex-presidente da ArcelorMittal Serra Azul e atual presidente da Bahia Mineração.

Em entrevista a EXAME, Murilo Ferreira, presidente da Vale, diz que a estratégia de aumentar a produção foi definida há muitos anos e que o setor está passando por um rearranjo natural. “As mineradoras menos eficientes estão sob forte ameaça de desaparecer”, diz.

Em 2015, o jogo deverá ficar ainda mais difícil para as mineradoras em Serra Azul. Segundo a projeção de analistas dos bancos Citi, Bank of America e Merrill Lynch, o preço do minério de ferro deverá ficar abaixo de 60 dólares. “Somente a Vale e a CSN vão conseguir operar no azul”, diz o analista de mineração Ivano Westin, do banco Credit Suisse.

Um pequeno alívio pode vir com o Porto Sudeste, idealizado por Eike Batista e controlado pela holandesa Trafigura e pelo fundo soberano de Abu Dhabi, Mubadala. A conclusão estava prevista para o primeiro semestre de 2013, mas atrasou. A nova previsão é 2015. Com ele, a expectativa é economizar de 5 a 10 dólares por tonelada. Para quem contava bilhões, agora qualquer centavo faz diferença.

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