Revista Exame

A Schin sob pressão

Sem perspectivas de crescimento no estagnado mercado japonês, a Kirin pagou caro pela Schincariol e nomeou um brasileiro para recuperar suas vendas no país. Enquanto isso, os concorrentes fecham o cerco

Fábrica da Schincariol, em Itu: maior esperança dos japoneses da Kirin (Lia Lubambo/EXAME.com)

Fábrica da Schincariol, em Itu: maior esperança dos japoneses da Kirin (Lia Lubambo/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 17 de março de 2012 às 08h00.

São Paulo - Durante mais de 70 anos, os negócios da Companhia de Bebidas Schin­cariol foram tratados como assunto de família. Desde 1939, quando a empresa começou a produzir tubaína na cidade paulista de Itu, lucro, prejuízo e queda nas vendas eram da conta do fundador da empresa, Primo Schincariol, e dos filhos e netos que o sucederam.

Foi assim até o fim do ano passado, quando a japonesa Kirin, uma centenária empresa com mais de 30 000 funcionários e faturamento superior a 45 bilhões de reais em 2011, comprou a cervejaria.

O negócio teve grande repercussão no setor, não apenas por a Kirin ter deixado para trás concorrentes maiores e mais conhecidos, como Heineken e SABMiller, mas princi­palmente pelos 7,1 bilhões de reais pagos — que fizeram da venda da Schincariol o negócio mais caro da história recente do mercado de cervejas.

O valor equivale a 17,8 vezes a geração de caixa da empresa no ano passado (a média do setor é 12 vezes) e fez com que analistas e concorrentes levantassem dúvidas sobre a sanidade dos executivos japoneses que aprovaram a compra. Qual seria o plano deles para justificar o preço pago?  

Em silêncio desde o início das complicadas negociações de compra da Schincariol, os japoneses se pronunciaram em fevereiro e jogaram uma luz sobre suas intenções.

Ficou claro por que a Kirin pagou tão caro: a Schincariol é a grande fonte de esperança para reverter a aparente irreversível queda das vendas da empresa em seu país de origem — que, em 2011, representou 72% do faturamento das operações de cervejas e bebidas não alcoólicas da Kirin.

No ano passado, as vendas de cervejas no Japão caíram 6,5%; e as de refrigerantes, sucos e chás, 9,5%. “Os japoneses estão desesperados à procura de mercados em crescimento”, afirma o analista inglês Trevor Stirling, da empresa de pesquisas britânica Bernstein.


Na mesma apresentação, a Kirin falou sobre suas perspectivas para este ano. E foi aí que a Schincariol surgiu como uma espécie de tábua de salvação. De acordo com as projeções, o crescimento esperado para as vendas da empresa brasileira é de 12% — nas contas da Kirin, o faturamento no Japão crescerá apenas 1,7%.

As operações do grupo na Austrália, na Nova Zelândia e no Sudeste Asiático também crescem pouco. Para a Kirin, Itu é a capital mundial do crescimento.

A missão de fazer o bilionário investimento na Schincariol dar o retorno esperado foi entregue ao engenheiro Gino di Domenico, de 42 anos. Um quase desconhecido para o mercado até o início deste ano, Domenico chegou à companhia em 2007. Ele fazia parte da equipe comandada por Fernando Terni, executivo contratado para profissionalizar a gestão da Schincariol.

O grupo deixou a empresa em menos de dois anos, por divergências com os donos. Domenico foi o único que permaneceu, e para isso teve de aceitar rebaixamento de cargo. Entregou a poderosa diretoria de operações, que engloba distribuição e fábricas, a Gilberto Schincariol, um dos acionistas da empresa, e passou a responder pela área industrial.

A nomeação para a presidência surpreendeu o mercado pelo fato de Domenico nunca ter comandado uma empresa e por sua pouca experiência em áreas vitais para uma cervejaria, como vendas e marketing. “Como fala bem inglês e conhecia as operações, foi ele quem apresentou a companhia aos executivos da Kirin”, afirma um executivo que acompanhou as negociações.

Apesar de surpreendente, a escolha de Domenico deve ser lida à luz do histórico das multinacionais que compraram cervejarias brasileiras. A atitude padrão é enviar um esquadrão de estrangeiros para assumir a gestão — o que, até hoje, gerou mais problemas do que soluções, basta lembrar o lançamento da Sol pela mexicana Femsa logo após a compra da Kaiser.

Os mexicanos, habituados ao duopólio em seu país natal, tentaram enfrentar a Ambev de igual para igual e acabaram, como se sabe, vendendo a empresa para a Heineken em 2010. A tarefa de Domenico, no entanto, é das mais difíceis. A Schincariol encontra-se sob ataque.


Em setembro do ano passado, perdeu a vice-liderança do mercado, que ocupava desde 2004, para a rival Petrópolis, dona das marcas Itaipava e Crystal. A troca de posições foi atribuí­da à turbulência gerada pela venda. “Os acionistas, que eram os principais executivos, estavam muito envolvidos com as negociações, e a companhia sofreu”, diz um diretor da Schincariol.

Dificuldades no nordeste

Ainda que Domenico consiga implantar um plano desenhado em conjunto com os japoneses para cortar custos e corrigir ineficiências, o cenário é de um cerco ainda mais fechado. Seu principal mercado, a Região Nordeste, está cada vez mais disputado. A

Petrópolis, que tem forte presença no Sudeste e no Centro-Oeste do país e é conhecida por suas marcas fortes e seus preços baixos, está em negociações adiantadas com os governos de Pernambuco, Bahia e Ceará para instalar uma fábrica no Nordeste.

A situa­ção da Schin na região vem se deteriorando desde 2010, quando a líder Ambev adotou uma estratégia mais agressiva, vendendo garrafas de 1 litro pelo preço das tradicionais de 600 ml. O resultado foi a queda da participação da Schincariol no mercado nordestino de 36%, em 2009, para 31%, em 2011.

Não bastassem esses obstáculos, a realidade do mercado brasileiro tem se mostrado bastante diferente dos cenários mostrados na apresentação da Kirin a seus investidores. Em 2011, as vendas da Schincariol cresceram apenas 2%, menos do que os já modestos 3,4% de expansão do mercado.

Para 2012, quando projeta um crescimento de 12%, a própria Kirin estima que o mercado brasileiro crescerá apenas 2,8%. Para reverter o quadro, a empresa sabe que precisa reduzir sua dependência de uma única marca, a Nova Schin, responsável por cerca de 90% das vendas.

Há dois anos, a cervejaria lançou a Devassa justamente com esse objetivo, mas não conseguiu o retorno esperado. Apesar do barulho gerado, a marca tem apenas 0,2% das vendas nacionais. Para tentar aumentar as vendas da Devassa, a Schin contratou o americano Hugh Hefner, fundador da PLAYBOY, como garoto-propaganda no Carnaval.

Mas Hefner passou mal e deu o cano. A fase não é das melhores em Itu: enquanto continuar desse jeito, a fase da Kirin no Japão não vai ser muito diferente do que tem sido nos últimos tempos.

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