AZ Marias: impulso do projeto Sankofa (Rodrigo Ladeira/Divulgação)
Julia Storch
Publicado em 29 de julho de 2021 às 06h00.
Depois de 50 temporadas, a São Paulo Fashion Week foi repaginada — e não estamos aqui falando só de tendências de moda. Além do formato digital, quebrando a tradição das apresentações na Bienal do Ibirapuera, em São Paulo, o evento ganhou representatividade.
Com um acordo com o coletivo Pretos na Moda, a passarela agora conta com rostos e corpos como os que são vistos nas ruas do país, de homens e mulheres negros, brancos, asiáticos e indígenas. Em junho, entre as 43 apresentações da última temporada, mais de 30% dos estilistas eram não brancos, sendo oito marcas inseridas pelo projeto Sankofa, lançado em dezembro do ano passado.
A representação dos estilistas ainda não condiz com os 57,3% de brasileiros não brancos no país, segundo dados da Pnad de 2019. Mas foi a primeira vez que houve tanta diversidade no evento. No ano passado, por exemplo, dos 34 designers, apenas três não eram brancos.
A proporção começou a aumentar no ano passado com o movimento Pretos na Moda. Liderada pelas modelos Natasha Soares, Camila Simões, Diara Rosa, Thayná Santos e Cindy Reis, a conversa sobre racismo na moda ganhou quórum nas redes sociais. Chamou a atenção de Paulo Borges, idealizador da SPFW, e as partes firmaram um tratado com novas regras para o evento.
A primeira ação foi a inclusão de um casting com no mínimo 50% de pessoas negras, asiáticas e indígenas nas passarelas, para todas as edições do evento. Além disso, o documento estipulou valores para cachês e prazos para pagamentos. “É um compromisso das pessoas com o mercado, e não apenas no evento”, diz Soares.
Enquanto as modelos desfilavam os novos rumos da semana de moda, os estilistas também se movimentavam para ocupar seus lugares no line up. Entre eles, Rafael Silvério, criador da marca Silvério, cocriador da startup VAMO (Vetor Afro-Indígena na Moda) e do projeto Célula Preta, no evento Casa de Criadores.
Em um encontro de trabalho com Soares em setembro do ano passado, eles idealizaram a criação de um projeto maior para a semana de moda. “Foi algo totalmente despretensioso, mal nos conhecíamos.
O projeto não tinha nome ou patrocinador, só a vontade de fazer acontecer”, conta Silvério. A ideia foi levada a sério. Em poucos meses, o projeto Sankofa foi aprovado.
Na temporada deste ano, oito novas marcas entraram no line up por meio do Sankofa: AZ Marias, Silvério, Mile Lab, Ateliê Mão de Mãe, Meninos Rei, Naya Violeta, Santa Resistência e Ta Studio.
Em cinco dias do evento, as marcas apresentaram de três a cinco looks no formato de fashion films. Para novembro está previsto um evento phygital, com as mesmas marcas desfilando na Bienal do Ibirapuera.
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O movimento de inclusão das marcas contou ainda com apoio profissional de psicólogos e advogados ao “amadrinhamento” por nomes já estabelecidos no mercado. Uma das marcas madrinhas é a do baiano Isaac Silva. Presente na semana de moda desde 2019, a marca homônima foca peças sem gênero, para diferentes biotipos, “e com muito axé”, conta o estilista.
Desgostoso com o mercado interno, em sua opinião muitas vezes americano e europeizado, o estilista sempre exprimiu em suas peças o Brasil e as heranças africanas. Silva acaba de lançar uma coleção em parceria com a Havaianas. “O Brasil não se vende direito para fora. Com esse levante de marcas falando sobre brasilidade, vamos mudar o cenário da moda do mundo, porque eles vão se inspirar em nós para criar algo alegre e feliz”, comenta.
Com estampas que falam sobre religiões de matrizes africanas e que evocam o continente, a marca conversa com sua “amadrinhada”, AZ Marias, criada por Cintia Felix. A marca carioca pretende, por meio das roupas, trazer autoestima, força e resiliência às mulheres, e casa com os ideais do Sankofa. “O projeto celebra o corpo real, a valorização das pessoas para além dos lucros, impactando socialmente”, diz Felix.
Inspirada pela avó, que costurava roupas de orixás e inseriu o gosto pelas linhas e tecidos na neta, a coleção apresentada na SPFW homenageou Nzinga da Matamba, rainha angolana que freou o avanço do tráfico negreiro. Ao mesmo tempo que transitam pela história, as peças revelam sensualidade.
“Com a coleção, falo sobre questões densas como machismo e racismo, mas ao mesmo tempo que as mulheres se sintam bonitas, confortáveis e sexys, criando nelas uma aura de beleza e encanto”, explica.