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A renda básica: os experimentos já feitos pelo mundo

Distribuir um valor mensal a todos é uma solução? programas focados costumam trazer melhores resultados

Foto: Getty Images /

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Da Redação

Publicado em 23 de abril de 2020 às 05h00.

Última atualização em 12 de fevereiro de 2021 às 14h34.

O ineditismo da tragédia da covid-19 tem trazido mudanças radicais na atuação da política econômica mundo afora. Tem sido uma constante mesmo países com elevado endividamento optarem por aumentar de forma significativa os gastos públicos para conter a crise.

De fato, ao compararmos o tamanho da dívida pública bruta em porcentagem do produto interno bruto com o estímulo fiscal contra a crise, notamos que não há nenhuma relação entre eles. Ou seja, países muito ou pouco endividados estão gastando o que acham necessário, sobretudo com saúde. E o que acham necessário pode estar relacionado com a riqueza da economia: os países mais ricos têm mais potência para usar política econômica do que os mais pobres, o que é um resultado esperado. Países muito endividados ou com situação fiscal precária, como o Brasil, vão ter de se ajustar de alguma forma para diminuir uma dívida pública bruta que deve chegar a quase 90% do PIB neste ano. Parte desse ajuste será certamente feita com aumento de imposto, provavelmente sobre a renda. Para 2021, devemos esperar a volta da discussão sobre aumento da alíquota de imposto de renda e maior taxação da pessoa jurídica.

Neste mundo de gastos maiores com saúde, piora fiscal significativa e parte da solução via aumento de impostos, surgiu a ideia de uma renda básica universal (RBU) como opção no cardápio de gastos para mitigar o efeito da crise. A ideia da RBU é antiga, com proponentes ilustres, como Milton Friedman, que sugeria um imposto de renda negativo, que basicamente é a mesma coisa que a RBU. Essa política pública se caracteriza por um valor mensal que seria dado de forma permanente a toda a população de um país. Distancia-se, assim, dos programas sociais focados, como o Bolsa Família no Brasil. Por trás dessa política pública há a filosofia de que é melhor deixar a pessoa decidir o que fazer com o dinheiro em vez de o Estado direcionar programas específicos.

A discussão da RBU certamente crescerá nos próximos anos com o empobrecimento advindo da crise da covid-19, que se junta às mudanças tecnológicas. Mas em que pese ser uma proposta relativamente antiga, poucos países a implementaram. Na verdade, não há nenhum caso até hoje de RBU dada a toda a população de um país. Os exemplos são temporários e para uma parcela de pessoas. A Finlândia deu dinheiro a 2.000 pessoas desempregadas escolhidas aleatoriamente entre 2017 e 2018. Há um experimento neste momento no Quênia, em que foram escolhidas quase 15.000 famílias de diversas categorias para receber RBU durante 12 anos. O estudo começou em 2017 e ainda não há avaliação sobre os impactos do programa. O exemplo mais avançado é o do Alasca, estado americano que dá, por meio do Fundo Permanente do Alasca, 2.000 dólares a cada pessoa por ano desde 1982.

Parte da dificuldade que se encontra na aplicação dessa política são os custos. Por exemplo, nos Estados Unidos estima-se que, se fossem dados 1.000 dólares mensalmente a cada americano acima de 18 anos, o valor anual seria de 3 trilhões de dólares, que representa 75% do gasto público americano total. Mesmo que outros programas sociais fossem cortados, ainda assim seria em torno de 50% do gasto público total do país. Outra dificuldade é saber se as pessoas que vão receber esses valores continuarão a procurar emprego ou não. Os resultados empíricos aqui são positivos e mostram que não há mudança significativa de emprego quando esse valor é dado. Os desempregados da Finlândia que receberam os recursos não deixaram de procurar emprego. Há a percepção de que o trabalho tem valor social relevante. Em pesquisa nos Estados Unidos, relatada por Abhijit Banerjee e Esther Duflo em seu livro Good Economics for Hard Times, 87% da população não deixaria o trabalho nem pararia de trabalhar se estivesse recebendo a RBU.

No caso brasileiro, suponha que fossem dados 500 reais mensais a todos os indivíduos com mais de 18 anos de idade. O gasto anual seria da ordem de 930 bilhões de reais, ou 65% do gasto público federal total. Teria de haver corte significativo em outros programas e mesmo em educação e saúde para que se contemplassem recursos dessa ordem para todos. Os estudos têm mostrado que programas focados têm trazido mais resultados para quem mais precisa. Por isso, o que se deve fazer, neste momento de crise, é ampliar o foco de recursos para a população mais pobre, especialmente os que estão na economia informal. Isso daria cerca de 30 bilhões de reais por mês caso permanecessem os 600 reais estipulados pelo Congresso para cerca de 30 milhões de pessoas. São recursos que poderiam ser ampliados e estendidos por seis meses, pelo menos, enquanto o pior da crise se mantivesse. Seria uma renda básica quase universal, mas temporária, o que parece possível, dadas as condições fiscais do país, e ajudaria de fato quem mais precisa neste momento. O que é necessário agora é celeridade para esses recursos chegarem logo a quem necessita.

Foto: Gustavo Lourenção/Valor/Folhapress
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