Revista Exame

A organização skills-based

É muito mais fácil, rápido e barato ensinar a trabalhar do que mudar comportamentos enraizados desde a infância

Empresas que se baseiam em habilidades  têm 57% mais probabilidade de antecipar mudanças e responder de maneira eficiente (Andriy Onufriyenko/Getty Images)

Empresas que se baseiam em habilidades têm 57% mais probabilidade de antecipar mudanças e responder de maneira eficiente (Andriy Onufriyenko/Getty Images)

Sofia Esteves
Sofia Esteves

Fundadora e Presidente do Conselho Cia de Talentos/Bettha.com

Publicado em 21 de dezembro de 2023 às 06h00.

Faz mais de 25 anos que bato na tecla da importância de levar mais em consideração as competências individuais do que apenas os conhecimentos técnicos dos profissionais, pelo fato de que é muito mais fácil, rápido e barato ensinar a trabalhar do que mudar comportamentos enraizados desde a infância. Claro que é muito importante ter profissionais com o mínimo de preparo para as suas funções, nunca vou desmerecer quem dedicou anos à sua formação, mas vejo que na maior parte das vezes os gestores buscam profissionais prontos, que “já chegarão jogando”, em vez de profissionais com um grande potencial de aderência à cultura da companhia, mas que não possuem alguns conhecimentos que podem ser adquiridos em pouco tempo.

Esse direcionamento do olhar para o aspecto comportamental vale tanto para o processo de recrutamento e seleção quanto para as políticas de treinamento, remuneração, avaliação, promoção e, principalmente, na hora de compor times complementares e talentosos para a realização de diferentes projetos.

Quem me conhece já me ouviu dizer centenas de vezes que talento não é definido por nome de faculdade, curso, idiomas ou nomes famosos de empresas onde trabalhou, mas, sim, pela sua história de vida e trajetória que o fez ser único. Analisando as empresas que se mantêm sempre na frente do mercado posso afirmar que aquelas que escolhem seus profissionais com base, principalmente, nas soft skills têm muito mais sucesso e crescimento do que as que valorizam em primeiro lugar a experiência e a expertise técnica.

Isso porque a mudança intensa que estamos vivendo faz com que as organizações precisem de profissionais capazes de se adaptar rapidamente, inovar, trabalhar em equipe, questionar, pensar criativamente... E não é um diploma na parede ou um cargo chique no LinkedIn- que garante esse conjunto de qualidades.

Diante disso, especialistas têm apontado um caminho como a resposta para a demanda deste mundo em constante metamorfose: o modelo skills-based. Não é um conceito novo, porém não necessariamente é disseminado na prática. Inclusive, deixo aqui uma pergunta: hoje, a estrutura da sua empresa é se baseia em quê? Em um recrutamento que leva em consideração o nome da faculdade, ou um que estuda cuidadosamente as competências comportamentais necessárias para compor um time de sucesso?

Minha intenção por trás desse questionamento não é colocar ninguém contra a parede. O que eu gostaria, na verdade, é de alertar a liderança sobre a urgência de mudar a chave: modelos de negócios fundamentados em competências precisam sair do campo do debate para ganhar o terreno da realidade.

A relevância do assunto é tamanha que, hoje, não se fala apenas em skills-based organization, mas em todo um sistema econômico calcado nessa lógica — a chamada skills economy. Isso porque o gap de talentos representa uma ameaça para o sucesso não só de um negócio mas de um ecossistema. Estou me referindo a setores econômicos, mercados adjacentes, cidades, estados, países e continentes que podem ter parte de seu futuro comprometida por não contarem com as competências certas para as demandas existentes e as que estão por vir.

Você pode ter desenhado uma estratégia impecável para 2024, metas audaciosas, planos robustos, investimentos altos; porém, se não tiver pessoas com as habilidades necessárias alocadas nas funções e projetos corretos, todas as horas gastas no planejamento deste fim de ano vão por água abaixo.

Sim, planejar o futuro de uma organização é fundamental. No entanto, a verdade é que, sem coerência e um time preparado, não há estratégia que se sustente. Mais ainda: não existe empresa que se mantenha atualizada e competitiva. Tal colocação pode parecer óbvia, mas o meu conselho é: não subestime a complexidade da transformação de uma estrutura tradicional para uma skills-based. Essa mudança é possível — ou, melhor dizendo, é necessária —, porém requer o comprometimento de todo mundo.

É preciso, por exemplo, começar a mapear as competências que fazem parte de sua organização e aquelas que serão necessárias no curto, médio e longo prazo. Importante também entender quais habilidades ajudarão no alcance de determinadas metas, no desenvolvimento de projetos e na construção de soluções. Nessa nova realidade, tudo muda: da etapa de seleção e recrutamento à distribuição de funções. O ritmo é mais dinâmico; a forma de trabalhar é mais flexível; a estrutura, menos apegada a hierarquias.

Eu sei, a necessidade de mais uma transformação pode soar desanimadora no último mês do ano… A liderança já encarou muitos altos e baixos, desvios de rota e mudanças de plano durante 2023 inteiro! Por isso, o consolo que eu trago é: as perspectivas dessa transformação são boas.

Diversas pesquisas mostram excelentes resultados para aquelas organizações que apostam em tal modelo. Uma da Deloitte, por exemplo, atestou que empresas que se baseiam em habilidades têm 57% mais probabilidade de antecipar mudanças e responder de maneira eficiente, e 98% mais probabilidade de reter profissionais de alto desempenho.

Além disso, independentemente de qualquer dado, há algo a ser considerado: investir em um modelo skills-based agora vai poupar a liderança no futuro. Afinal, as mudanças no mundo continuarão vindo, a velocidade da tecnologia não vai diminuir, os debates sobre inteligência artificial só devem aumentar… Então, poder contar com pessoas com as competências necessárias para administrar esse turbilhão de acontecimentos é uma maneira de aumentar a resiliência da empresa.

Agora, é importante deixar claro que nada disso significa que a sua empresa deva mudar às pressas e no susto. Não tome a decisão de mudar absolutamente nada antes de analisar o estágio de maturidade de seu negócio e da área de gestão de pessoas, além de avaliar o comprometimento da liderança para realizar uma transformação dessa magnitude. Afinal, pior do que não estar preparado para um modelo skills-based é tentar implementá-lo de forma inadequada.

Que você tenha muito sucesso em 2024!

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