Revista Exame

Peru passa de coadjuvante a nova estrela dos Andes

Com uma economia aberta e estabilizada, o Peru emerge como um dos países mais dinâmicos do continente e se transforma em um polo de oportunidades para empresas brasileiras

O melhor da américa latina: o restaurante Astrid y Gastón, de Lima, foi apontado por especialistas como o melhor da região em 2013, demonstrando o potencial dos negócios ligados a gastronomia e turismo
 (Rnesto Benavides/AFP Photo)

O melhor da américa latina: o restaurante Astrid y Gastón, de Lima, foi apontado por especialistas como o melhor da região em 2013, demonstrando o potencial dos negócios ligados a gastronomia e turismo (Rnesto Benavides/AFP Photo)

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Da Redação

Publicado em 17 de julho de 2014 às 16h05.

São Paulo - Palco de guerra civil, ditadura, hiperinflação e pobreza, o Peru desempenhou, até o fim do século passado, o papel de mero coadjuvante entre as economias da América Latina.

Nos últimos anos, porém, a adoção de um modelo de livre mercado, com menos barreiras comerciais, mais proteção ao investidor estrangeiro e uma série de acordos bilaterais, permitiu ao país andino virar a página e entrar em um inédito período de prosperidade.

Com crescimento médio de 7% ao ano de 2003 a 2013, o Peru se transformou em um dos mercados mais dinâmicos do continente, atraindo a atenção de empresas brasileiras. Em dez anos, o número de companhias brasileiras no Peru subiu de seis para 70.

Primeiras a se aventurar por lá, nos anos 70 e 80, construtoras como Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Odebrecht ainda protagonizam os principais negócios em um país carente de infraestrutura, mas outros setores, como mineração, despontam entre as novas oportunidades oferecidas pelo Peru.

Por ironia, as mudanças que permitiram a emergência da economia peruana foram deflagradas por Alberto Fujimori, presidente do país de 1990 a 2000.

Apesar de romper com a Constituição para se manter no poder em uma ditadura que desmoronaria após diversos escândalos de corrupção, Fujimori conseguiu controlar a inflação, desmantelar grupos guerrilheiros que atuavam no campo, como o Sendero Luminoso, e reduzir a atuação do Estado na economia.

Com isso, o país atraiu grandes investimentos de grupos mineradores estrangeiros, como a anglo-suíça Glencore Xstrata — que se instalou no país no fim dos anos 90 para aproveitar os custos 40% mais baixos da mineração peruana em relação à média mundial. 

Um ponto que favorece os peruanos, além da abundância dos recursos minerais, é o custo da mão de obra. “O Peru é um dos países mais baratos do mundo na área do trabalho”, diz Lia Valls, economista da Fundação Getulio Vargas. Outro atrativo, em especial para empresas exportadoras, é um acordo bilateral que o Peru assinou com a China em 2009.

Pelo pacto de livre comércio, uma série de produtos que saem do território peruano pode entrar na China livre de impostos. Os peruanos firmaram acordos similares com o Japão, a Coreia do Sul e os Estados Unidos

Para o Brasil, o impulso inicial aos negócios com o vizinho ocorreu em 2003, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o então líder peruano Alejandro Toledo assinaram uma aliança estratégica. O acordo permitiu que empresas brasileiras com subsidiárias no Peru, e vice-versa, deixassem de sofrer dupla tributação.

Foi o sinal verde para que companhias como as mineradoras Vale e Votorantim Metais e a siderúrgica Gerdau investissem na aquisição de operações locais.

“Durante cinco séculos, os dois países estiveram de costas um para o outro, mas essa relação mudou radicalmente na última década”, diz Paulo Pantigoso, consultor da empresa Ernst & Young em Lima que acompanha o desenvolvimento da parceria.

De acordo com dados da ProInversión, agência peruana de promoção comercial, o volume de investimentos diretos dos brasileiros no Peru era de irrisórios 46 milhões de dólares em 2003. Dez anos depois, atingiu 1,2 bilhão — o Brasil é o quinto país que mais investe no Peru.

Esse valor tende a aumentar, já que o governo peruano começou a tirar do papel alguns grandes projetos de infraestrutura, como trechos da rodovia Transoceânica, que liga o Brasil ao Pacífico, a primeira linha do metrô de Lima e a usina hidrelétrica de Chaglla, na região central do país.

Segundo estimativas oficiais, o Peru precisa investir 88 bilhões de dólares nos próximos dez anos para superar o atraso em áreas como transporte, energia, comunicação e saneamento. Cerca de 19 bilhões de dólares em projetos de parceria público-privada estão na lista de licitações que devem ser lançadas até meados de 2016.

“O rol de oportunidades no Peru é praticamente o mesmo do Brasil, mas o ambiente ali é mais estável, sem as mudanças nas regras que são comuns no nosso país”, afirma Felipe Lima, presidente da Promon Engenharia, uma das mais recentes companhias brasileiras a cruzar a fronteira com o Peru.

Com um escritório inaugurado há dois meses em Lima, a Promon pretende disputar os bilhões de dólares que deverão ser destinados aos setores de construção civil e geração de energia.

Na área de consumo, empresas como Ambev (bebidas), Natura (cosméticos), H. Stern (joias) e Azaleia (calçados) investem na venda de seus produtos por lá de olho no crescimento da classe média peruana, que dobrou de tamanho em duas décadas — de 25% da população em 1990 para mais da metade dos 30 milhões de peruanos no fim do ano passado.

Atraídos por esse potencial, os bancos brasileiros de investimento Itaú BBA e BTG Pactual abriram escritórios em Lima nos dois últimos anos.

Mina da peruana Milpo: a empresa é controlada pelo grupo Votorantim (Divulgação)

Para manter o vigor da economia, um dos desafios do Peru é diversificar as atividades, hoje concentradas na extração de cobre, zinco e ouro.

Esse setor responde por 14% do PIB e 55% das exportações do país.

No ano passado, quando a China reduziu a produção industrial e importou menos metais, as receitas de exportações do Peru caíram 12%.

Segundo alguns especialistas, a busca por novos negócios passa pelo turismo.

Com um programa de incentivo que captou 2 bilhões de dólares para investimentos em infraestrutura e promoção do turismo, o setor atingiu no ano passado o recorde de 3,2 milhões de visitantes estrangeiros, que geraram 3,6 bilhões de dólares em divisas, três vezes a cifra de uma década atrás.

Um dos melhores símbolos do potencial do turismo, negócio que inclui hotelaria e gastronomia, foi a escolha, em 2013, do restaurante limenho Astrid y Gastón como vencedor do ranking dos 50 melhores restaurantes da América Latina, organizado pela revista inglesa Restaurant.

O Astrid y Gastón ficou à frente do brasileiro D.O.M., que era apontado como favorito ao título.

Outro desafio para os peruanos —talvez o maior de todos — é a redução da pobreza. Na zona rural e nas encostas dos Andes mais da metade da população ainda vive abaixo da linha de pobreza. Os 6 000 dólares de PIB per capita anual dos peruanos é um indicativo do longo caminho que ainda falta trilhar — esse valor é metade da média brasileira.

“A transformação social é algo que está claramente em curso no Peru, mas precisa continuar intensamente por mais duas ou três décadas”, diz Susan Segal, presidente da Americas Society and Council of the Americas, órgão sediado nos Estados Unidos que monitora a evolução social dos países latino-americanos.

“Investir em novas oportunidades de negócios é o melhor a fazer nessa direção.” Está aí uma recomendação que vale também para o Brasil.

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