Revista Exame

A mão invisível também erra

Livro ataca a ideia de que os mercados são eficientes se deixados à própria sorte — mas, quase três anos após a crise, é a gastança estatal que está na berlinda

Bolsa de Nova York: as teses de “economistas utópicos” estão na origem da crise de 2008, escreve Cassidy (Chris McGrath/Getty Images)

Bolsa de Nova York: as teses de “economistas utópicos” estão na origem da crise de 2008, escreve Cassidy (Chris McGrath/Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 24 de junho de 2012 às 15h12.

A crise de 2008 fez vítimas de todos os tipos. Milhões de pessoas perderam o emprego, dezenas de banqueiros foram transformados em párias, governos caíram. Houve, também, uma vítima no mundo das ideias — a teoria dos mercados eficientes.

O estouro da bolha imobiliária colocou na berlinda a noção de que os mercados financeiros não precisam da regulação dos governos para funcionar harmoniosamente. A quebra do banco Lehman Brothers e a intervenção do governo para salvar grandes companhias americanas foram, na época, tidas como evidências de que todo aquele discurso liberalizante era essencialmente falho.

O ataque foi tão poderoso que até mesmo um dos maiores defensores da teoria dos mercados eficientes, o ex-presidente do Banco Central americano Alan Greenspan, fez uma espécie de mea-culpa. “Fiquei chocado, porque durante 40 anos tinha evidências consideráveis de que o mercado estava funcionando excepcionalmente bem.”

Em seu livro Como os Mercados Quebram, o jornalista britânico John Cassidy vai além — para ele, a culpa pela crise deve ser atribuída à tese de que os mercados são eficientes. Como disse o economista John Maynard Keynes num trecho famoso, “os homens práticos, que acreditam estar livres de qualquer influência intelectual, geralmente são escravos de algum economista morto”.

No caso em questão, os “homens práticos” eram intelectuais burocratas como Greenspan, legisladores, banqueiros e o resto da turma. E os economistas defuntos eram vários.

O ponto forte do livro é justamente o retrato da evolução das ideias que levaram à noção de que os mercados são racionais. O economista pioneiro nessa seara, como bem se sabe, foi o escocês Adam Smith.

Em sua antológica observação das atividades do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro no século 18, o autor de A Riqueza das Nações concluiu que o principal motor do mercado, chamado de a “mão invisível”, é a busca das pessoas pelos interesses próprios.

Uma extensa e brilhante corrente de economistas bebeu nessa fonte e propagou a ideia, entre eles o austríaco Friedrich von Hayek e o americano Milton Fried­man, da Universidade de Chicago. Cassidy apelida os herdeiros de Smith, com certa maldade, de “economistas utópicos”.


Para ele, escravos desses “economistas mortos”, como Greenspan, acabaram permitindo que bancos e empresas se endividassem numa dimensão maior do que o mercado podia comportar.

O resultado disso foi o estouro de duas bolhas, a da internet, em 2000, e a imobiliária, em 2008. Em sua fé no poder de autocorreção dos mercados, Greenspan nada fez para conter a bolha imobiliária que engolia a economia americana. Deu no que deu, escreve Cassidy.

No duelo entre os “economistas utópicos” e o resto, Cassidy não esconde de que lado está. Para ele, economistas como Keynes militam no campo da “economia com base na realidade”.

Recorrendo à psicologia econômica, o autor defende que o mercado é influenciado pelo humor, pelo instinto e pelas decisões equivocadas do Homo economicus, seres humanos que nem sempre seguem uma lógica compreen­sível.

Como resumiu o ex-secretário do Tesouro Larry Summers em sua crítica à noção de que somos todos agen­tes econômicos racionais: “Há idiotas. Olhe à sua volta”.

Escrito pouco mais de um ano depois do estouro da crise, Como os Mercados Quebram chega ao Brasil num momento curioso. Após terem nadado de bra­ça­da nos momentos imediatamente posteriores ao derretimento do mercado financeiro, os “economistas realistas” de Cassidy perderam força, porque os pacotes de estímulo econômico não proporcionaram os resultados esperados.

Os herdeiros de Friedman, claro, caíram em cima ao alegar que o Estado não deveria gastar mais um centavo sequer, mas cortar impostos e deixar que os consumidores escolhessem onde gastar. Na Europa e nos Estados Unidos, a gastança estatal está fora de moda. O último capítulo do embate ocorreu recente­mente com um vídeo intitulado A Luta do Século.

No curta-metragem de 10 mi­nutos que circulou na internet, os personagens de Keynes e Hayek discutem “o impacto dos gastos governamentais na economia” cantando rap durante uma audiência no Congresso americano. O filme termina com Keynes se sagrando campeão da luta. Na ficção, o gênio britânico levou a melhor. No mundo real, a briga não tem data para acabar.

Acompanhe tudo sobre:adam-smithEconomistasEdição 0992Livros

Mais de Revista Exame

Linho, leve e solto: confira itens essenciais para preparar a mala para o verão

Trump de volta: o que o mundo e o Brasil podem esperar do 2º mandato dele?

Ano novo, ciclo novo. Mesmo

Uma meta para 2025