As diretoras Liana Fecarotta e Carolina Mazziero, da Unilever: cargo compartilhado (Germano Lüders/Exame)
Uma brincadeira — com certo fundo de verdade — mudou radicalmente a rotina de duas executivas da subsidiária brasileira da Unilever. Numa visita de Liana Fecarotta à colega Carolina Mazziero, em licença-maternidade em novembro, as diretoras de recursos humanos enviaram uma foto do encontro a Luciana Paganato, vice-presidente da mesma área. Junto à imagem, uma provocação despretensiosa: e se as duas dividissem o mesmo cargo? Na ocasião, Carolina cuidava de seu recém-nascido e tinha demandas do filho mais velho. Liana, que também é mãe, desejava mais tempo para estudar alguns temas pelos quais se interessa.
A ideia foi bem recebida pela vice-presidente, mas não sem uma série de questionamentos. “Pesamos o lado pessoal delas, já que o salário também seria compartilhado, além dos impactos que isso teria na empresa”, diz Luciana. Entre os desafios estavam as formas de medir desempenho na função, a definição das atribuições de cada profissional e a gestão do cotidiano de uma equipe comandada por duas pessoas. Após conversas, a cúpula da Unilever decidiu testar a ideia a partir de abril. As duas uniram as diretorias de RH que ocupavam e fizeram uma redistribuição de tarefas dentro da nova configuração.
Por enquanto, Liana e Carolina trabalham 60% do tempo que dedicavam à empresa antes, com salário proporcional. Enquanto uma vai à empresa de segunda a quarta-feira, a outra está presente de terça a quinta-feira. Na sexta, nenhuma das duas trabalha. Entre julho e agosto, o piloto poderá sofrer ajustes, e no fim do ano a empresa decidirá se vai dar continuidade ao modelo de trabalho.
Apesar de inédita no país, a configuração já existe em outras operações da Unilever: no Reino Unido desde 2015, além de Holanda e Austrália. Trata-se do exemplo mais radical de uma tendência crescente de flexibilização do trabalho no Brasil e no mundo. Segundo uma pesquisa divulgada em abril pelo International Workplace Group, especializado em locação de escritórios, 85% dos executivos entrevistados em 16 países (entre eles o Brasil) afirmam ter percebido aumento da produtividade depois de oferecer jornadas flexíveis às equipes.
Em 2017, o mesmo levantamento mostrava que apenas 60% das empresas tinham essa percepção. De acordo com a pesquisa, 77% dos executivos também confirmam melhora nos índices de atração e retenção de profissionais. “As empresas cada vez mais buscam novas formas de flexibilização, porque perceberam que elas impactam diretamente na qualidade de vida e na produtividade dos funcionários”, diz Maria Elisa Moreira, professora de gestão e liderança da escola de negócios Insper.
Mais produtividade e atração e retenção de profissionais são alguns dos ganhos observados pelo Itaú Unibanco. O banco passou a adotar o home office em alguns setores há dois anos e deverá estender essa possibilidade para 10.000 funcionários nos próximos meses. O benefício vale para as áreas administrativas, concentradas na sede do Itaú, em São Paulo, e abarca todos os níveis hierárquicos. Para a implementação do benefício, alguns cuidados foram tomados, como pesquisas de opinião internas e avaliações elaboradas pelas áreas de risco e jurídica. O processo começou com um grupo pequeno, para testes iniciais. “É preciso fornecer tecnologia e, principalmente, reprogramar os gestores para a relação a distância com os funcionários e evitar casos de isolamento nas equipes”, afirma Valeria Marretto, diretora de recursos humanos do Itaú Unibanco.
À primeira vista, esses benefícios podem sugerir uma atitude condescendente com a dedicação dos empregados. Ao contrário. A lógica é priorizar o que as pessoas podem entregar, e não quanto tempo permanecem no escritório. Algumas das maiores empresas de tecnologia nos Estados Unidos tornaram-se ícones desse modelo. Seus funcionários são conhecidos pela intensa dedicação ao trabalho e, ao mesmo tempo, têm jornadas flexíveis, com direito até a férias ilimitadas, como no caso da empresa de serviço de streaming Netflix e da rede social para profissionais LinkedIn.
Uma das maneiras de não perder a conexão entre as equipes é ter clareza na definição e no acompanhamento de metas. O princípio rege o grupo Movile, dono de empresas como o aplicativo de entrega de comida iFood e o de vendas de ingressos Sympla. “Nascemos flexíveis”, diz Luciana Carvalho, diretora de gente da Movile. “Os horários e os locais de trabalho ficam a critério do funcionário.” A cultura da empresa incentiva no profissional o senso de dono do negócio, cobrado por metas coletivas e, em cargos de gestão, individuais.
Desenvolvedor há seis anos na Wavy, empresa de soluções de experiência do consumidor do grupo Movile, Esdras Barreto passou a trabalhar remotamente 100% do tempo em 2015. A ideia era acompanhar sua mulher, que recebeu uma oferta de emprego em Fortaleza, onde moram agora. “Tive receio ao fazer o pedido, mas o processo foi tranquilo e em dois dias estava liberado”, diz ele. Apesar de sentir falta da convivência com os colegas, Barreto afirma não ter tido problemas no trabalho em decorrência da distância. Além do home office permanente, ele tem flexibilidade para escolher seus horários. Segundo Luciana, essa autonomia tem aumentado a qualidade do trabalho e justifica parte do crescimento anual de 65% da Movile no Brasil.
Arranjos mais radicais, como trabalho 100% remoto, já começam a deixar de ser tabu em empresas como a americana Dell, de tecnologia. A empresa oferece a possibilidade de trabalhar fora do escritório em tempo integral ou de uma a quatro vezes por semana a 80% de seus 4.000 funcionários no Brasil. Um em cada cinco adotou alguma dessas alternativas. “Incentivamos o funcionário a trabalhar pelo menos um dia em outro lugar que não seja a sede da empresa”, diz Fernanda Kessler, diretora de recursos humanos da Dell. A empresa possui a meta global de, até 2020, ter 50% dos funcionários no mundo trabalhando fora do escritório em tempo integral ou em parte da semana.
Criar regras bem definidas é um jeito de fazer com que as práticas sejam aceitas em toda a companhia e não dependam do estilo do gestor de cada área. A fabricante de cosméticos Natura, por exemplo, passou neste ano a liberar os funcionários às 15 horas todas as sextas-feiras, com compensação de horas durante a semana. O benefício foi implementado em 2015, mas era restrito ao verão. Os funcionários também podem iniciar o expediente entre 6 e 10 horas. “Se há cinco anos os candidatos a vagas na empresa tinham receio de falar sobre flexibilidade nas entrevistas, hoje é corriqueiro exigir isso como ponto de partida”, diz Marcos Milazzo, diretor de remuneração, benefícios e relações trabalhistas da Natura. “Ou mudamos, ou não jogamos dentro da nova realidade do trabalho.”