Revista Exame

Entenda a relação entre a justiça ambiental e a inteligência artificial

A comunidade tecnológica global está numa posição única para fornecer soluções inovadoras e acessíveis para enfrentar os efeitos do aquecimento global

Encontro da ONU, em Nova York: 30 delegações participaram do evento, realizado em setembro . (Leandro Fonseca/Exame)

Encontro da ONU, em Nova York: 30 delegações participaram do evento, realizado em setembro . (Leandro Fonseca/Exame)

Publicado em 5 de outubro de 2023 às 06h00.

Última atualização em 23 de outubro de 2023 às 17h59.

NOVA YORK — As alterações climáticas são, sem dúvida, o desafio que define o nosso tempo, mas seus efeitos não são distribuídos igualmente. Tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento, a degradação ambiental afeta desproporcionalmente as comunidades marginalizadas devido a raça, etnia, religião e pobreza. Na maioria das vezes, essas comunidades já enfrentam desigualdades sistêmicas, como escassez de água e uma maior exposição à poluição e a fenômenos meteorológicos extremos — todos eles exacerbados pela crise climática.

É uma realidade com a qual estou intimamente familiarizada. Quando eu era criança, minha família tinha uma fazenda em Dominica, um pequeno estado insular do Caribe, que enfrenta a ameaça de furacões todos os anos. Uma tempestade tropical poderia derrubar redes elétricas e destruir colheitas inteiras, destruindo os meios de subsistência das regiões.

De acordo com o Banco Mundial, os desastres relacionados com o clima empurram anual­mente 26 milhões de pessoas para a pobreza. Isso porque, para se sustentarem, as pessoas mais pobres do mundo dependem muitas vezes da agricultura — um setor que implica condições climáticas favoráveis. Assim, elas precisam urgentemente de acesso a recursos técnicos, financeiros e institucionais para se prepararem e responderem a eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes e intensos.

Dada a sua capacidade de inovar em soluções climáticas, o setor tecnológico poderia fornecer as ferramentas de que necessitamos para compreender, mitigar e até reverter os efeitos prejudiciais do aquecimento global. Na verdade, resolver injustiças ambientais de longa data exige que essas empresas coloquem as tecnologias mais recentes e eficazes nas mãos daqueles que estão na linha da frente da crise climática.

Ferramentas que aproveitem o poder da inteligência artificial, em particular, podem oferecer um acesso sem precedentes a precisas informações e previsões, permitindo que as comunidades aprendam e se adaptem aos desafios climáticos em tempo real. O Acelerador de Sustentabilidade da IBM, que lançamos em 2022, está na vanguarda desse esforço, apoiando o desenvolvimento e a expansão de projetos como o Deltares Aquality App, uma ferramenta alimentada por IA que ajuda agricultores a avaliar e melhorar a qualidade da água. Como resultado, esses trabalhadores rurais podem plantar culturas de forma mais sustentável, evitar a poluição por escoamento superficial e proteger a biodiversidade.

Consideremos também os desafios que os pequenos agricultores enfrentam, tais como o aumento dos custos, a dificuldade de competir com produtores maiores que possuem melhores ferramentas e tecnologia e, claro, os devastadores efeitos das alterações climáticas na biodiversidade e nos padrões do clima. Informações precisas, especialmente sobre as condições do solo e a disponibilidade de água, podem ajudá-los a resolver essas questões, mas têm sido historicamente difíceis de ser obtidas.

Poder-se-ia imaginar responsáveis regionais num país em desenvolvimento implementando um algoritmo de aprendizagem automática para prever o futuro crescimento da população e a correspondente mudança na procura por energia, utilizando dados temporais e espaciais. Com esse modelo de previsão, os legisladores poderiam otimizar a rede energética do país, redirecionando o fornecimento para onde fosse mais necessário. Isso também é algo que apoiamos hoje.

O desenvolvimento de aplicações móveis e assistentes virtuais alimentados por IA, somado à sua ampla disponibilidade, promove o acesso equitativo a dados e conhecimentos técnicos. Com previsões meteorológicas altamente precisas, técnicas agronômicas avançadas e cálculos da pegada de carbono, bem como outras previsões geradas pela IA, os pequenos agricultores poderão construir uma resiliência climática maior e aumentar a produção e o rendimento, adaptando-se mais rapidamente às condições em mudança e gerindo as culturas de forma mais sustentável.

Ao mesmo tempo, simplesmente entregar essas ferramentas a comunidades desfavorecidas não resolverá o problema — as aplicações por si sós não são um antídoto para a injustiça climática. Para implementar com sucesso a tecnologia basea­da em IA, empresas tecnológicas precisam estar dispostas a compartilhar conhecimento com os usuários, incluindo instruções sobre como fazer medições que produzirão dados. Precisam desenvolver a capacidade dos usuários de colaborarem de forma independente entre si e solicitar feedback aos agricultores e a outros usuários. Para esse fim, um chatbot de IA que automatize a troca de perguntas e respostas poderia ajudar a minimizar os desafios de formação dos usuários, ao mesmo tempo que democratizaria o acesso à informação. À medida que empresas desenvolvem soluções de IA, também precisamos apoiar empresas de tecnologia e criadores de aplicações locais, uma vez que esses estão mais bem posicionados para colocar tais ferramentas em uso.

Para além de aumentar o acesso a novas ferramentas alimentadas pela IA, a comunidade tecnológica, juntamente com ONGs, governos e agências internacionais, pode ajudar a construir um futuro equitativo e resiliente para comunidades desfavorecidas, proporcionando formação nas competências técnicas e conhecimentos necessários para empregos verdes. À medida que a transição para uma economia global de baixo carbono se acelera, prevê-se que a procura pelas chamadas “competências verdes” sejam projetadas para ultrapassar o abastecimento. A preparação dos trabalhadores para os empregos do futuro, em combinação com a adoção generalizada de novas tecnologias, reforçará a resiliência climática, especialmente nas economias em desenvolvimento.

Todos nós — indivíduos, empresas, organizações e governos — partilhamos da responsabilidade de enfrentar as crescentes ameaças ambientais. As empresas tecnológicas, em particular, precisam canalizar mais recursos para combater o aquecimento global. Isso significa investir no desenvolvimento e implementação de ferramentas de IA e garantir que aqueles que mais necessitam possam acessá-las. Encontrar soluções climáticas — e alcançar a justiça ambiental — depende da mobilização do setor privado e de seus conhecimentos especializados para um bem maior.

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