Revista Exame

A grande batalha de Barack Obama

Para Robert Shiller, um dos economistas mais renomados da atualidade, o presidente americano precisa cobrar mais impostos dos ricos. Se não conseguir, o país entrará em outra recessão

Obama: ele levou a eleição, mas ainda precisa vencer a resistência republicana (Jewel Samad/AFP Photo)

Obama: ele levou a eleição, mas ainda precisa vencer a resistência republicana (Jewel Samad/AFP Photo)

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Da Redação

Publicado em 25 de setembro de 2013 às 19h55.

Nova York - Após a vitória sobre  o republicano Mitt Romney, o presidente Barack Obama iniciou outra disputa que pode mudar o país — e o mundo — em 2013. O embate agora gira em torno das saídas para a ameaça do chamado “abismo fiscal”, pacote de corte de custos e aumento de impostos que deve valer automaticamente a partir de janeiro para frear o déficit do governo americano, superior a 1 trilhão de dólares por ano.

Ninguém discorda de que as medidas podem levar o país à recessão. As divergências sobre como evitá-la, porém, parecem inconciliáveis. Obama defende o aumento de impostos para os que têm renda superior a 250 000 dólares por ano. Para os republicanos, a medida pode destruir empregos e mais atrapalhar do que ajudar.

Para Robert Shiller, professor da Universidade Yale e um dos melhores economistas de sua geração, aumentar a taxa de impostos dos mais ricos, que atualmente pagam uma alíquota menor do que a da maior parte da população, parece inevitável.

Na opinião do economista, que se tornou famoso ao prever o estouro da bolha imobiliária americana, as outras opções — a redução de gastos e o acréscimo de impostos para a classe média — são “insuficientes ou perigosas demais”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

EXAME - Diversos economistas indicam o risco de uma recessão nos Estados Unidos em 2013, decorrente do chamado “abismo fiscal”. Como evitar o pior? 

Robert Shiller - O pacote atual prevê cortes dramáticos em gastos do governo e aumento de impostos para todos. É preciso rever essas bases antes de janeiro. No fim de 2011, o presidente Barack Obama propôs reequilibrar as finanças públicas com o aumento de gastos em frentes como educação e treinamento para reduzir a taxa de desemprego e, ao mesmo tempo, com um acréscimo nos impostos da parcela mais rica da população.

No entanto, com a oposição republicana, a proposta não passou pelo crivo do Congresso. Para conseguir aprovar algo parecido desta vez, Obama terá de negociar num contexto político cada vez mais polarizado. Aumentar os impostos dos mais ricos é a solução mais viável para resolver o déficit público sem desacelerar demais o crescimento do país.

As duas outras opções, cobrar mais impostos da classe média ou reduzir drasticamente os gastos públicos, são insuficientes ou perigosas demais e podem de fato levar novamente o país à recessão no ano que vem. 

EXAME - Qual a chance de que desta vez o Congresso aprovará o aumento de impostos para os mais ricos?

Robert Shiller - Não vai ser fácil. A divisão que se vê na esfera política também se reflete na população. Há uma divisão radical na sociedade americana. Existe uma longa história nos Estados Unidos de apoio a empreendedores e ao acúmulo de riqueza. Muitos americanos se imaginam ricos no futuro mesmo que eles não sejam ricos agora.


Existe algo como um senso de que as pessoas devem poder manter a riqueza que conquistaram. Por outro lado, há muita gente desapontada com a desigualdade social, que chegou a um extremo inaceitável. Essa percepção levou a movimentos como o Ocupe Wall Street. Uma fração ínfima da população está ficando mais rica; e o restante, não. 

EXAME - Essa oposição cada vez mais incisiva contra os ricos não entra em choque com a tradição americana, que valoriza o acúmulo de riqueza?

Robert Shiller - De certa maneira, sim. A expressão “sonho americano” foi cunhada pelo historiador James Truslow Adams na década de 30. E se refere à ideia de que os Estados Unidos foram construí­dos por imigrantes em busca de uma vida melhor e que prosperaram com base em suas conquistas individuais.

Sempre houve uma admiração por pessoas que acumulam muito dinheiro. É um país orientado para os negócios e sempre foi formado por em­preen­dedores. Para muitos americanos, ainda hoje pode parecer uma ideia maluca aumentar os impostos sobre os ricos porque teoricamente isso acabaria com o motor do país, a razão pela qual os Estados Unidos se tornaram fortes economicamente.

Mas algo começa a mudar com um componente novo — o crescimento da desigualdade. As oportunidades não parecem mais iguais para todos.

EXAME - Até que ponto o aumento da desigualdade deve influenciar as próximas eleições e favorecer os democratas por um longo período?

Robert Shiller - É difícil dizer. Existe muita gente insatisfeita com a desigualdade. Por essa ra­zão, Obama, o homem que diz que quer aumentar o imposto sobre os ricos, foi reeleito. Mas ele não ganhou por uma margem muito grande. O candidato republi­cano era um homem de negócios e também teve muito apoio. 

O país está dividido e polarizado, mais do que nunca. Muita gente apoiou Romney e agora, com sua derrota, diz que tem vontade de abandonar o país. Da mesma forma, conheço muita gente que, se Obama tivesse perdido, diria a mesma coisa. Republicanos e democratas já foram bem mais parecidos do que hoje. As diferenças agora parecem inconciliá­veis.

EXAME - O fato de Mitt Romney, um homem de negócios, ter perdido as eleições diz alguma coisa sobre uma mudança no perfil e nas convicções dos eleitores americanos?

Robert Shiller - Embora os homens de negócios sempre tenham sido valorizados no país, poucos foram levados à Presidência. Nos Estados Unidos, eles só se elegem à Presidência quando a economia vai bem. Nos anos 20 do século passado, quando a economia estava boa e o mercado de capitais explodia, elegemos empresários. Mas, com o declínio da bolsa nos anos 30, eles não ganharam mais. Elegemos outro empresário nos anos 2000, George W. Bush, após anos de prosperidade.

EXAME - O senhor vê sinais de recuperação na economia americana?

Robert Shiller - Saímos da recessão em que estávamos mergulhados entre 2007 e 2009. A recuperação é fraca, mas pelo menos é contínua. A taxa de desemprego baixou aos poucos até chegar ao patamar de 7,9%. No mercado imobiliário, porém, não houve uma recuperação consistente.


Os preços não sobem além da inflação. O que precisamos é de estímulo do governo, mas isso não é possível neste momento. E, à medida que a recuperação se arrasta, as pessoas se sentem mais frustradas. 

EXAME - Até que ponto a recuperação dos Estados Unidos depende da volta do nível de confiança na economia?

Robert Shiller - Com o país paralisado politicamente e sem condições de dar estímulos, a confiança é um fator crítico. As pessoas têm de voltar a comprar e as empresas precisam contratar. Somos totalmente dependentes da confiança. 

EXAME - Após a última crise financeira, o mundo ficou mais precavido ou imune às bolhas?

Robert Shiller - O mundo, e não apenas os Estados Unidos, ficou mais fascinado pela especulação financeira nos últimos anos. As pessoas comuns mudaram a maneira como pensam a respeito da economia. Não existe mais o estado de bem-estar social, que toma conta de todo mundo como um pai benevolente. 

Cada um tem de confiar em si mesmo. Se o preço dos imóveis começa a aumentar, por exemplo, as pessoas pensam que têm de comprar enquanto é tempo. Isso as torna mais especulativas.

EXAME - Na história americana, qual momento é comparável ao atual?

Robert Shiller - O momento mais parecido foi a disputa entre Franklin Roosevelt e Alfred Landon para a Presidência em 1936. Landon era como Romney, um homem de negócios, republicano. Roosevelt, candidato à reeleição, quase perdeu, mas recuperou a popularidade no último minuto com ligeira melhora nos dados econômicos. Só espero que as coincidências acabem aí.

No caso do segundo mandato de Roosevelt, o país ainda estava fragilizado pela crise do início dos anos 30 e entrou em outra recessão em 1938. Se tudo correr como deve, teremos outro destino desta vez.

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