Fernando Costa, da Uniesp: táticas para conquistar alunos incluem vestibular em igrejas (Alexandre Battibugli/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 19 de setembro de 2012 às 18h13.
iSão Paulo - A oferta é tão boa que é difícil de acreditar. Desde novembro, o grupo educacional Uniesp, de São Paulo, se compromete a pagar as mensalidades de seus novos alunos e ainda oferece um tablet de lambuja. Batizada de “Uniesp Paga”, a campanha atraiu aos bancos da instituição mais de 5 700 estudantes em dez meses.
É, de longe, a promoção mais agressiva do mercado de educação no Brasil, e os números comprovam sua popularidade. Olhada ao microscópio, porém, a generosidade fica, digamos, menos generosa — o que, somado a um histórico que já tinha um tanto de polêmica, acabou colocando a Uniesp e seu controlador na mira do Ministério da Educação e da Polícia Federal.
Isso porque, para participar da promoção, os estudantes devem procurar um banco e contrair — em seu nome — o financiamento estudantil do governo federal, o Fies. Feito isso, recebem da escola um documento em que a instituição diz que se compromete a quitar a dívida.
O problema é que, para os órgãos de defesa do consumidor, o documento não tem valor legal. Ou seja, caso a Uniesp não pague as parcelas do financiamento, é o aluno que ficará com o nome sujo na praça. Só o Procon de Campinas, cidade em que a Uniesp tem uma unidade, recebeu 64 queixas de alunos que não sentiram firmeza na garantia oferecida.
A entidade apura o caso — ao final do processo, pode suspender novas matrículas e multar a Uniesp em até 6 milhões de reais. Em julho, o Ministério da Educação pediu à Polícia Federal que investigue o grupo por fraude — é a primeira vez que isso acontece com uma instituição de ensino superior.
Fundada em 2001 por Fernando Costa, engenheiro aposentado pela Companhia Energética de São Paulo, a Uniesp se transformou, em pouco mais de uma década, em uma das dez maiores instituições de ensino superior do Brasil. São 80 000 estudantes em 56 cidades de sete estados: São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro, Tocantins, Minas Gerais, Santa Catarina e Paraná.
O crescimento tem sido tão acelerado que o próprio Costa diz perder a conta de quantas unidades tem (são 69). Não há um ranking atualizado dos maiores grupos de ensino superior do país. Mas estimativas apontam que a Uniesp oscila entre a sétima e a décima posição no ranking de maiores redes de ensino superior do país.
“O placar muda toda semana”, diz Costa. Sua estratégia é comprar faculdades pequenas (com 1 000 alunos, em média) e deficitárias, que não entram no radar dos grandes grupos em suas aquisições. Sua margem de lucro é das mais apertadas do setor. Em 2011, a rentabilidade da Iesp, maior mantenedora da Uniesp, ficou em 0,75%, ante 7% da Kroton, 6% da Estácio e 3% da Anhanguera — as três líderes do mercado.
Mas Costa tinha um plano — heterodoxo, no mínimo, mas mesmo assim um plano. Para pagar pelas aquisições e quitar as dívidas das escolas, ele precisava atrair muitos alunos em pouco tempo. Com o aumento nas receitas de mensalidades, ele pagaria os empréstimos, melhoraria a saúde financeira das escolas e, com isso, ganharia mais dinheiro.
A parte heterodoxa do plano era a forma com que Costa pretendia atrair novos alunos. Ele acertou convênios com 87 instituições, como igrejas e ONGs, para ajudar a divulgar a Uniesp em São Paulo. Como contrapartida, as igrejas receberiam 10% do valor das mensalidades.
A ideia era, sempre, conseguir alunos que financiassem seus estudos no Fies: para as faculdades, esse tipo de estudante vale ouro. Quem paga a mensalidade é o governo federal, e a inadimplência, portanto, é zero. Um diretor do grupo, Rosival Molina, chamado por Costa de “o Pastor da Educação”, viaja pelo Brasil recrutando fiéis para o rebanho da Uniesp.
Em março de 2011, a rede chegou a realizar um vestibular exclusivo para 1 350 membros de uma igreja evangélica paulistana, no próprio templo. A estratégia vem dando certo: dos 80 000 alunos da Uniesp, 45 000 utilizam o Fies. O problema é que o Ministério da Educação proíbe a intermediação de terceiros na concessão do financiamento.
E, desde o ano passado, apertou o cerco contra a Uniesp. Até o fechamento desta edição, 33 faculdades do grupo estavam suspensas de oferecer o financiamento a novos alunos. Costa, em vez de recuar, dobrou a aposta: cerca de 10 000 alunos que entraram nessas 33 faculdades desde abril de 2011 não estão pagando mensalidades, ou seja, estão estudando de graça.
Sua esperança é que as escolas sejam desbloqueadas e esses novos alunos possam recorrer ao Fies. Sem receber dos estudantes, o empresário contraiu três empréstimos no Banco Paulista, que somam 92 milhões de reais e vencem em cinco anos.
Em sua trajetória fulminante, Costa acumulou uma lista de inimigos. Os maiores são quatro antigos proprietários de faculdades adquiridas pela Uniesp. Eles entraram com processos acusando Costa de dar calote e não quitar dívidas assumidas quando adquiriu as escolas (os supostos calotes foram investigados por uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Assembleia Legislativa de São Paulo, no ano passado).
Num processo recente, a Justiça paulista reconheceu que Costa comprou uma faculdade em Diadema com cheques sem fundos. Ele nega qualquer problema do gênero.
Para completar o enredo, em 2010 a Justiça do Trabalho obrigou a Uniesp a pagar 49 milhões de reais de multa por atrasos no pagamento de salários, rescisões e férias de funcionários. De acordo com o Ministério Público do Trabalho de Presidente Prudente, no interior de São Paulo, hoje a dívida chega a 51 milhões de reais.
Costa garante que a questão foi resolvida. Aliás, todas elas. “Os problemas aconteceram porque deparei com situações mais graves do que imaginei quando comprei as instituições”, diz. Para bancar a promoção “Uniesp Paga”, ele afirma que vai utilizar recursos de um fundo de investimento registrado em julho na Comissão de Valores Mobiliários.
A ideia é aplicar neste fundo o dinheiro que a escola recebe do governo pelas mensalidades dos alunos que contrataram o Fies. Como os primeiros alunos entraram neste ano, e o financiamento com o governo só começa a ser quitado em 2017, Costa tem cinco anos para resolver o problema — de lá em diante, diz ele, a Uniesp paga.