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A 3 Corações parte para a disputa, xícara a xícara

Líder no Brasil, a 3 Corações passou anos focada no café torrado e moído. Mas o consumo mudou e a empresa briga para tentar se manter à frente

Pedro Lima, presidente da 3 Corações: duas aquisições já feitas em 2020  (Germano Lüders/Exame)

Pedro Lima, presidente da 3 Corações: duas aquisições já feitas em 2020 (Germano Lüders/Exame)

Mariana Desidério

Mariana Desidério

Publicado em 9 de maio de 2019 às 05h38.

Última atualização em 24 de julho de 2019 às 16h36.

potiguar Pedro Lima acorda às 4 horas da manhã e toma um café coado. Ao longo do dia são pelo menos mais seis expressos, todos feitos na máquina da 3 Corações. As xícaras ajudam o empresário de 54 anos a manter o ritmo de trabalho. Comandada por ele, a 3 Corações transformou-se na maior empresa do setor no Brasil, enquanto o café ficou pop e produzi-lo se tornou mais complexo. Antes, um fabricante vendia basicamente pacotes de café torrado e moído de qualidade média. Hoje, a variedade nas prateleiras dos supermercados mostra que o setor anda criando mais. “Somos especialistas em café. Se eu não fizer bem-feito, fico desmoralizado perante o consumidor”, afirma o empresário, que atua há 34 anos no negócio iniciado pelo pai.

Dez anos atrás, ​a ​3 Corações praticamente só produzia o café tradicional em pó e os solúveis. Hoje tem no portfólio máquinas de café expresso, mais de 20 tipos de cápsula e dezenas de cafés especiais, que exigem mais cuidado no cultivo e na produção. Com origem no final dos anos 50, ​a companhia é uma sociedade entre a holding São Miguel, da família Lima, e o grupo israelense Strauss.

A 3 Corações dobrou nominalmente o faturamento nos últimos cinco anos, para 4,8 bilhões de reais em 2018, com perto de 300 milhões de lucro líquido. No total, tem 20 marcas de café no portfólio. A 3 Corações, principal delas, tem 10% do mercado de café do país, seguida por Pilão, do grupo holandês Jacobs Douwe Egberts​, com 8,5%, e Nespresso, da suíça Nestlé, que tem 7,5%. Hoje, a 3  Corações tem uma operação verticalizada e o controle sobre toda a produção, com cinco fábricas e 26 centros de distribuição próprios.

Para se manter na dianteira, a 3 Corações tem investido mais. O segmento das cápsulas é um dos que mais crescem para a empresa, que calcula ter 25% do mercado no país, ainda dominado pela pioneira Nestlé, com as marcas Nespresso e Dolce Gusto. A 3 Corações passou a vender uma solução própria em 2013, em parceria com a italiana Caffitaly. “Seria mais fácil fazer a cápsula genérica para a máquina deles. Mas nós optamos pelo mais difícil”, ​diz Lima.

No início, as cápsulas da 3 Corações eram importadas. Em 2017, a empresa abriu uma fábrica do produto em Montes Claros, Minas Gerais, e no ano seguinte dobrou a capacidade produtiva para 200 milhões de unidades ao ano. Até o fim de 2019, a capacidade será expandida ainda mais, para produzir 300 milhões de cápsulas por ano. Previstas para terminar em 2020, as ampliações foram antecipadas devido à demanda. O investimento para aumentar a produção é de 150 milhões de reais. A companhia já vendeu 1,4 milhão de unidades da máquina, que, além do café expresso, faz café coado, chás e chocolate, num total de mais de 20 opções de sabor.

A venda de cápsula é um negócio que tem valido a pena. Com preço médio de 1,50 real por unidade de 7 gramas de café, as embalagens individuais fazem com que o quilo do pó saia por mais de 200 reais, dez vezes o preço do quilo tradicional. E o melhor: o consumidor está disposto a pagar por essa diferença. No Brasil, de 2013 a 2018 o consumo de café cresceu 15% em volume. Já o gasto com a bebida saltou 81%, para quase 24 bilhões de reais, segundo a empresa de pesquisa Euromonitor.

O consumo também tem crescido lá fora, principalmente na Ásia, com destaque para a China, que registrou alta de quase 10% no volume de café consumido de 2013 a 2018. Porém, para pagar mais caro, o consumidor quer levar mais qualidade. “O cliente está interessado em ter uma boa experiência e quer produtos mais elaborados. No caso do café, há procura maior pelos cafés especiais, cuja composição é 100% do tipo arábica, mais nobre. Além do grão, a forma de preparar e o ambiente de consumo das cafeterias fazem toda a diferença”, afirma Rafaela Natal, especialista em food service na consultoria AGR.

A tendência é semelhante à encontrada no mundo das cervejas, com a proliferação de cervejarias artesanais e de novos rótulos nas prateleiras. No universo do café​,​ duas grandes marcas estrangeiras tiveram atuação decisiva na mudança de comportamento do consumidor em escala global. A primeira foi a Nespresso, com suas máquinas de café expresso instantâneas. A segunda foi a rede de cafeterias Starbucks, que deu escala à proposta de um ambiente aconchegante e moderno para o consumo da bebida. As duas agora se uniram para tornar a vida das marcas brasileiras um pouco mais difícil. Desde o mês passado, a Nestlé vende café da marca Starbucks em supermercados do país, com opções de cápsulas e pó.

Os cafés especiais vêm ganhando terreno nos supermercados. Em 2016, ocupavam 9% das prateleiras de café. Hoje​ ​já ficam com 19%. Boa parte desse espaço é ocupada por marcas pequenas, como a premiada Baggio, do interior de São Paulo. Para tentar se manter à altura na briga pela qualidade, a 3 Corações também tem investido no segmento especial. No final de 2017, montou uma fábrica específica para esses produtos em Belo Horizonte.

No início daquele ano, a 3 Corações ​nem​ participava desse mercado. ​Agora, tem 20 variedades de produtos, boa parte deles na linha 3 Corações Rituais, com lotes de regiões como sul de Minas e mogiana paulista, conhecidas por produzir café de melhor qualidade. Tem ainda programas de compra dos lotes especiais produzidos por mulheres cafeicultoras e por indígenas do estado de Rondônia.  A ​3 Corações ​vende atualmente 80 toneladas de café especial por mês.

Cafeteria na China: o consumo do café tem crescido na Ásia, em especial entre os chineses | Jason Lee/Reuters

Aquisições

Apesar de incipiente, o segmento tem  potencial de aumentar a rentabilidade de um mercado que trabalha com margens apertadas no Brasil. A situação é agravada pelo baixo preço do café no mercado internacional. No início de abril, o mercado recebeu a notícia de que o produtor paulista João Faria da Silva, apelidado de Rei do Café, havia pedido recuperação judicial depois de acumular uma dívida de 1 bilhão de reais. O empresário se endividou imaginando que o valor da saca do café ​estaria em 550 reais, mas hoje o preço está perto dos 380.

A desvalorização do real em relação ao dólar ajudou a complicar a situação. O Brasil é o maior produtor do mundo — foram mais de 60 milhões de sacas em 2018 —, o que significa que a concorrência aqui é acirrada, puxando o preço final para baixo. “No Brasil, o custo da matéria-prima representa 65% do preço final. Todos os outros custos e a margem de lucro ficam espremidos nos demais 35%. Nos Estados Unidos, a fatia da matéria-prima é de cerca de 15%”, diz Nathan Herszkowicz, diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café. Assim como as cápsulas, os cafés especiais são mais caros de produzir, mas contam com uma disposição maior do consumidor em pagar mais por eles, dando um respiro à indústria. O preço do especial chega a ser o triplo do tradicional.

O desafio da 3 Corações é manter-se atualizada com as novidades, sem perder a mão no segmento que sempre foi seu ganha-pão: o tradicional café torrado e moído, que ainda domina o mercado. Nesse setor, a principal estratégia da companhia está nas aquisições. Ao longo dos anos, a 3 Corações comprou diversas marcas de café regionais, entre elas Pimpinela, Iguaçu e Kimimo. A companhia também é dona da marca Santa Clara. A aquisição mais recente foi a do Café Manaus. A estratégia da empresa é comprar a marca e mantê-la no mercado, aproveitando a ligação que o consumidor já tem com o nome. A companhia se mantém aberta a novas oportunidades de aquisição, segundo o ​presidente.

Já o segmento de cafeterias próprias, uma tendência do setor, não é prioridade da 3 Corações por ora. O foco é trabalhar em parceria com cafeterias e padarias já existentes. “As pessoas não precisam usar aquele paletó do George Clooney para tomar um café de qualidade. Você pode ficar de shorts mesmo, à vontade”, provoca Lima, citando o garoto-propaganda mundial da Nespresso, marca que tem investido em butiques sofisticadas para o consumo de café. Por via das dúvidas, porém, Lima providenciou o próprio garoto-propaganda: o chef de cozinha Alex Atala, que comanda a cozinha do D.O.M, considerado um dos melhores (e mais caros) restaurantes do país. O melhor é prevenir.

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