Revista Exame

No Reino Unido, a conta do Brexit já chegou

Enquanto o Reino Unido e a União Europeia não definem como se dará a saída dos britânicos do bloco, as empresas adiam investimentos

Manifestantes em frente ao Parlamento britânico: quase três anos sem uma solução para o Brexit | Henry Nicholls/Reuters

Manifestantes em frente ao Parlamento britânico: quase três anos sem uma solução para o Brexit | Henry Nicholls/Reuters

FS

Filipe Serrano

Publicado em 28 de março de 2019 às 05h34.

Última atualização em 25 de julho de 2019 às 15h56.

Os armazéns da Wepa, uma das maiores fabricantes de papel higiênico e papel-toalha da Europa, nunca estiveram tão cheios no Reino Unido. A companhia de origem alemã resolveu estocar produtos desde o início do ano, quando ficou claro que o Reino Unido e a União Europeia caminhavam para uma negociação caótica sobre a saída dos britânicos do bloco, o chamado Brexit. Temendo que os portos britânicos pudessem ficar congestionados de uma hora para a outra, causando atrasos em sua cadeia logística, os executivos da Wepa decidiram aumentar os estoques de papel higiênico, de papel-toalha e de rolos de papelão, usados na produção. Mais de 600 toneladas de material agora estão sendo guardadas pela empresa, volume suficiente para abastecer os supermercados britânicos durante seis semanas.

A situação da Wepa não é um caso isolado. O índice que mede os estoques da indústria britânica está em seu maior nível desde 1990, de acordo com a consultoria IHS Markit. Sem saber como ficarão as regras comerciais e de imigração entre o Reino Unido e os demais 27 países da União Europeia, as empresas que atuam no país têm sido as mais prejudicadas pela incerteza em torno do Brexit — uma incerteza, diga-se de passagem, que já dura quase três anos e continua sem solução. A data da saída foi adiada de 29 de março para o dia 22 de maio (ou 12 de abril, caso o Parlamento britânico rejeite o acordo pela terceira vez). Se nenhuma solução for alcançada até lá, a crise política que se instalou no Reino Unido tenderá a se ampliar, ameaçando a permanência da primeira-ministra Theresa May no cargo e o futuro da economia do país.

Enquanto isso, as indústrias têm dificuldade para planejar sua produção; o varejo não sabe se poderá contar com um fornecimento de produtos estável nos próximos meses; e companhias do setor de serviços temem uma queda brusca na demanda. Empresas de todos os tamanhos evitam fazer investimentos de médio e longo prazo. Um sinal disso é que a taxa de investimentos do Reino Unido vem caindo desde 2017, enquanto a taxa dos demais países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) só subiu. “O que chama a atenção no caso do Brexit é que, ao contrário de outros choques econômicos, como a crise financeira de 2008, ele é um processo prolongado de incertezas. Para as empresas, isso significa um longo adiamento de investimentos e de contratações, algo que deve durar até as coisas se acalmarem”, diz a economista Scarlet Chen, pesquisadora da Universidade Stanford, nos Estados Unidos.

A economista é uma das autoras de um amplo estudo que analisa os efeitos econômicos do Brexit até agora. Com base em uma pesquisa com 6 000 empresas que empregam 4,5 milhões de pessoas no Reino Unido, ela e colegas da Universidade de Nottingham, na Inglaterra, estimaram que o Brexit já teria provocado uma queda de 6 pontos percentuais na taxa de investimentos no país, além de uma redução de 1,5 ponto percentual na taxa de emprego.

Do ponto de vista da economia, existe ainda um problema mais profundo. As empresas que estão sendo mais prejudicadas pela incerteza do Brexit são justamente as maiores e mais produtivas. Essas empresas são estreitamente ligadas à economia global, porque exportam muito e dependem de importações baratas para ter um custo competitivo. Elas necessitam também de mão de obra estrangeira — especializada ou não — para ter um custo razoável e, ao mesmo tempo, ter acesso aos melhores profissionais.

Sem saber se poderão contratar trabalhadores nascidos em países da União Europeia ou se conseguirão importar produtos com a mesma facilidade, essas companhias temem perder espaço para concorrentes. O resultado é uma queda na produtividade do Reino Unido como um todo. O estudo da economista da Universidade Stanford estima uma redução de 0,5 ponto percentual no crescimento da produtividade no Reino Unido, que hoje é de cerca de 1% ao ano — um dos menores níveis entre as maiores economias mundiais.

Fábrica da Honda em Swindon, na Inglaterra: a incerteza do Brexit tem levado ao fechamento de indústrias e transferência de escritórios para outros países | Adrian Dennis/AFP Photo

Diante das incertezas, algumas companhias decidiram mudar as operações para outros países. As fabricantes japonesas de eletrônicos Sony e Panasonic transferiram suas sedes europeias de Londres para Amsterdã. Bancos já deslocaram cerca de 1 trilhão de dólares em ativos para outros países europeus, especialmente a Alemanha. Já a britânica Dyson, que produz eletrodomésticos, resolveu se mandar para Singapura. E a montadora japonesa Honda anunciou que, até 2021, pretende fechar sua fábrica em Swindon,  cidade a 80 quilômetros de Londres. A unidade emprega 3.500 pessoas e é a quarta maior do país.

Numa pesquisa recente com 1.200 empresas do Reino Unido, 18% disseram que consideram transferir as operações para outros países por causa do Brexit. Outras 11% afirmaram já ter feito a mudança. “Fiquei surpreso que esses efeitos negativos demoraram tanto tempo para se materializar”, diz Barry Eichengreen, economista e professor na Universidade da Califórnia em Berkeley. “No curto prazo, me parece que o Banco da Inglaterra [o banco central do país] conseguiu evitar uma piora. Mas a política monetária não pode neutralizar indefinidamente o impacto negativo do aumento da incerteza.”

É verdade que, apesar das dificuldades enfrentadas pelas empresas, o mercado de trabalho no Reino Unido está aquecido. A taxa de desemprego atingiu em janeiro o menor índice desde 1975. Mas os bons indicadores não querem dizer que a qualidade de vida das famílias britânicas tenha melhorado. A inflação acelerou nos últimos anos, principalmente por causa da desvalorização da libra esterlina em relação ao dólar, e isso elevou os preços dos produtos importados.

Num estudo recente, o instituto de pesquisas Resolution Foundation, um dos principais do Reino Unido, estimou que a renda média das famílias britânicas caiu de 36.500 libras para 35.000 libras ao ano, redundando em perda do poder de compra. “Quem tem perdido mais com o Brexit é o consumidor”, diz Ilaria Maselli, economista sênior da empresa de pesquisas Conference Board. “Já estamos vendo resultados mais fracos no mercado de imóveis e na confiança do consumidor, além de um aumento nos pedidos de seguro-desemprego. Isso tudo eleva o risco de uma recessão.” Na política, o Parlamento e o governo britânico já passaram um papelão dos grandes. Agora, as empresas têm de torcer para que o fiasco não contamine a economia ainda mais. 

Acompanhe tudo sobre:BrexitEuropaReino UnidoUnião Europeia

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda