Revista Exame

A Ambev na versão "paz e amor"

A gestão agressiva, que estimula a competitividade entre os próprios funcionários, está sendo amenizada

Fábrica no Rio de Janeiro: o negócio agora é ser "verde" (--- [])

Fábrica no Rio de Janeiro: o negócio agora é ser "verde" (--- [])

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 12h26.

Durante muito tempo, os executivos da Ambev, a maior cervejaria brasileira, mostraram-se orgulhosos da imagem criada em torno da empresa: a de uma companhia que leva conceitos como competição e meritocracia ao limite. Desde que o trio de banqueiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira comprou a Brahma (que viria a dar origem à Ambev, em 1999), a empresa forjou uma das culturas corporativas mais particulares do país. No universo da Ambev, venciam os melhores -- e o preço praticamente não importava. Para ganhar bônus milionários, muitos funcionários sentiam-se obrigados a abdicar da família e até a encarar algumas brincadeiras que beiravam a humilhação. Vendedores que não cumprissem suas metas tinham de pagar castigos (fazendo flexões públicas, por exemplo). No curso de MBA interno da empresa, quem dissesse alguma bobagem rapidamente se tornava alvo dos colegas, que lhe atiravam tomates de tecido.

Nessa lógica darwinista, só os melhores sobreviveriam e quem não se encaixasse no sistema acabaria expurgado. (Alguns funcionários insatisfeitos chegaram a mover ações na Justiça acusando a empresa de assédio moral.) Era quase impossível dissociar esse agressivo modelo de gestão do estupendo resultado financeiro da empresa -- há anos sua taxa média de crescimento é de dois dígitos. De uns tempos para cá, porém, esse estilo vem sendo repensado. Não completamente, que fique bem claro. O fim -- obter lucros cada vez maiores no menor espaço de tempo -- continua valendo. "A cultura da meritocracia sem exceções e a crença de que os funcionários têm de se sentir donos do negócio estão no nosso DNA e não vão mudar", diz Claudia Elisa, gerente de desenvolvimento de gente, que começou a trabalhar na Brahma há 16 anos. O que a Ambev quer fazer é provar que os meios para chegar ao lucro não podem mais ser tão, digamos, polêmicos. Assuntos como a preocupação com o bem-estar dos funcionários, a responsabilidade social e o meio ambiente agora estão na pauta de todos os executivos da companhia. "A gente sempre teve de ouvir que a Ambev era eficiente, lucrativa e distribuía bônus milionários, mas que também tirava o sangue do pessoal e era um moedor de gente", afirma um executivo da empresa. "Cansamos de ter de escutar essas ressalvas."

O movimento que a Ambev está vivendo é parecido com o de outras empresas que também possuem modelos de gestão reverenciados -- e muitas vezes copiados -- pelo mercado. É o caso, por exemplo, da General Electric e do Wal-Mart. Na GE, a famosa classificação por desempenho -- cria da casa na época em que seu presidente era Jack Welch -- recentemente foi flexibilizada. O antigo sistema classificava os funcionários em três grupos, e os 10% que tivessem o pior desempenho eram acompanhados até a porta da rua. Apesar de trazer inegáveis benefícios, como evitar que pessoas incompetentes permaneçam na empresa, a rigidez da avaliação também ameaça valores fundamentais para o bom desempenho de uma companhia, como motivação e engajamento dos funcionários. O Wal-Mart, símbolo da pujança da economia americana e conhecido no mundo todo por sua política baseada em preços baixos e redução contínua de custos, admite hoje a necessidade de adaptar-se a uma nova realidade. Alvejada por críticos e açoitada por processos trabalhistas, a empresa tem buscado amenizar sua imagem de má empregadora e de inimiga do meio ambiente oferecendo melhores salários e benefícios e colocando um pé no mercado de produtos orgânicos. "Em algum momento, todas as empresas percebem que seu modelo está perto do esgotamento", diz um consultor especializado em gestão. "A Ambev já se deu conta isso."

ESSA PERCEPÇÃO ACELEROU-SE depois que a Ambev foi comprada pela belga Interbrew, em 2004, originando a Inbev. O choque de cultura entre as duas empresas era gritante. De um lado, brasileiros motivados, afeitos ao risco e dispostos a quase tudo para se tornar sócios da companhia. De outro, um negócio controlado por famílias de tradição secular, que costumavam fazer as reuniões de conselho em hotéis de luxo. O resultado dessa mistura pode ser sentido tanto na Bélgica como no Brasil. Na sede da Inbev, em Leuven, o ritmo é hoje muito mais acelerado. Presidida pelo brasileiro Carlos Brito, a empresa cortou vários benefícios dos executivos e instaurou uma agressiva política de metas -- medidas que, obviamente, não foram muito populares.

A Interbrew, por sua vez, exportou para o Brasil sua preocupação com a qualidade de vida dos funcionários. Desde junho do ano passado, os empregados que trabalham na sede da Ambev, em São Paulo, contam com benefícios como massagem e ginástica laboral. "Não cultuamos mais o excesso, e é comum hoje ver diretores deixando a empresa às 19 horas", afirma Claudia Elisa. A transformação chegou também ao nível operacional. A companhia implementou um sistema de banco de horas para controlar a carga de trabalho dos funcionários -- algo que até então nunca fora gerenciado -- e também adotou o cartão de ponto, em meados de 2005. Segundo a empresa, as lideranças foram exaustivamente instruídas para não ridicularizar publicamente os funcionários. "A Ambev nunca corroborou com qualquer prática que possa ter conseqüências negativas para a saúde mental e o bem-estar de seus funcionários", afirmou a EXAME, por e-mail, Luiz Fernando Edmond, presidente da Ambev. No entanto, Edmond admite que hoje a empresa tem um modelo de acompanhamento que permite identificar possíveis "distorções" com mais agilidade. Essas iniciativas não apenas ajudaram a melhorar a qualidade de vida dos funcionários como também minimizaram os gastos com ações trabalhistas. "Nosso provisionamento de despesas com essas ações caiu 14% de 2005 para 2006", afirma William Motti, gerente jurídico da empresa.

Além das mudanças na área de recursos humanos, a Ambev transformou-se recentemente numa aguerrida entusiasta do discurso pelo desenvolvimento sustentável. Uma de suas bandeiras mais sólidas nesse sentido é a da ecoeficiência, conceito cada vez mais em voga no mundo dos negócios. Na prática, isso significa que as empresas devem se esforçar para produzir cada vez mais com menos -- e esse é um preceito seguido pela Ambev em suas fábricas. Em 2005, por exemplo, a companhia obteve receita de 51 milhões de reais com a venda de subprodutos -- resíduos da fabricação de cervejas e refrigerantes que, em vez de ser encaminhados a aterros sanitários e gerar custos, são transformados em matéria-prima para outras indústrias. A fábrica de Curitiba, no Paraná, utiliza hoje 3,4 litros de água para cada litro de cerveja produzido -- valor abaixo da referência mundial do setor, que é 3,7 litros. A empresa também adota fontes alternativas de energia, como a biomassa, e entre 2004 e 2005 reduziu de 48% para 31% a participação de óleo combustível em sua matriz energética. "O investimento e o foco em responsabilidade social têm como objetivo garantir que a Ambev possa continuar se expandindo de forma sustentada por mais centenas de anos", diz Edmond. De preferência, claro, ganhando muito dinheiro.

A nova receita
O que a Ambev está fazendo para mostrar ao mercado que também se importa com as pessoas e o planeta - e não só com os resultados
1 - Práticas "agressivas",c omo obrigar vendedores que não cumpriram suas metas a "pagar castigos" (flexões,por exemplo),e stão sendo repreendidas pelos chefes.No MBAinterno para os executivos,o antigo hábito de atirar tomates de pano em quem dizia tolices foi abolido
2 - Para evitar jornadas de trabalho abusivas no nível operacional,a empresa montou um banco de horas e passou a controlar as férias.O cronograma anual de trabalho também é feito com mais cuidado para que os funcionários possam programar melhor seu tempo livre
3 - Adotou com entusiasmo o discurso da sustentabilidade e vem aperfeiçoando não só seus indicadores ambientais como suas ações sociais voltadas,por exemplo,p ara o consumo responsável de bebidas
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