Revista Exame

A amarga volta de Bruno Caltabiano aos negócios

Bruno Caltabiano havia deixado o comando de sua empresa há sete anos e feito os dois filhos seus sucessores. Isso até uma tragédia obrigá-lo a retornar ao trabalho

Bruno Caltabiano: os filhos morreram no acidente com o Airbus da TAM (Germano Lüders/EXAME.com)

Bruno Caltabiano: os filhos morreram no acidente com o Airbus da TAM (Germano Lüders/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 29 de junho de 2012 às 16h31.

São Paulo - Até 17 de julho do ano passado, o empresário Bruno Caltabiano, de 64 anos, poderia ser considerado um homem realizado. Fundador de um dos principais grupos de revenda de automóveis do país, Bruno já havia feito o que muitos donos de impérios familiares jamais conseguiram: um processo tranqüilo de sucessão.

Desde 2000, o grupo era dirigido por seus dois filhos, João e Pedro, de 37 e 40 anos, respectivamente. Na mesma época, a Caltabiano passou a contar também com um novo parceiro estratégico, o grupo de revenda de automóveis americano MacLarthy, um dos maiores dos Estados Unidos, que comprou 51% de participação na empresa.

Nas mãos dos herdeiros e com o apoio dos americanos, a companhia ficou seis vezes maior e se preparava para abrir o capital na bolsa de valores. A Bruno cabia o papel de consultor informal da empresa, como ele mesmo gosta de definir. Isso até a família e o grupo Caltabiano serem colhidos por uma tragédia de proporções inimagináveis.

João e Pedro estavam a bordo do Airbus A320 que fazia o vôo TAM 3054, de Porto Alegre a São Paulo, e se espatifou em um prédio da companhia aérea ao lado da pista do Aeroporto de Congonhas. Os dois haviam viajado para a capital gaúcha para fechar a compra de uma revenda Volkswagen.

Bruno ficou sabendo do acidente por meio de um telefonema da agência de viagens que vendera as passagens aos filhos. "Eu estava assistindo a um filme e um homem no telefone me pediu para sintonizar em um canal de notícias.

Logo que vi um avião em chamas, o homem me disse que João e Pedro estavam naquele vôo." Sua reação, relembra, foi jogar o telefone longe. Em seguida, abraçou sua mulher, Susana, e disse: "Os meninos morreram".

Bruno Caltabiano tem ainda na memória cada segundo daquela noite terrível. Quase por obrigação, mas sem muita esperança, tentou ligar para os celulares dos filhos -- só ouvia a voz deles na mensagem da caixa postal. Passou então a buscar freneticamente informações, ao mesmo tempo que recebia ligações de apoio dos amigos mais próximos.

Não demorou muito para chegar a confirmação de que não havia nenhuma possibilidade de sobreviventes entre os passageiros do avião. Bruno recorda que, naquela noite, os piores pensamentos passaram por sua cabeça. "Há dez anos, um amigo perdeu um filho e eu disse para mim mesmo que se isso acontecesse comigo me suicidaria. Mas não podia fazer isso", afirma.


Por volta das 9 horas da manhã do dia 18 de julho, tomou a decisão que ele diz ter sido uma das mais acertadas de sua vida. "Peguei minha malinha e fui para o escritório continuar o trabalho que eles estavam fazendo", disse em um emocionado depoimento a EXAME.

"Meu papel agora é continuar o trabalho deles, cuidar dos meus netos, da minha filha, da minha mulher e das minhas noras." Não tem sido uma tarefa fácil. "Desde o acidente, me sinto como alguém que usa uma máscara. É como se eu estivesse em carne viva, ao mesmo tempo que tento parecer bem para os que estão ao meu redor."

Apesar de ter se afastado do comando da Caltabiano há quase oito anos, Bruno sempre se manteve a par do dia-a-dia dos negócios. "Os meninos eram brilhantes e estavam conduzindo de maneira perfeita os planos traçados junto com os sócios americanos", afirma. "Mas eles sempre fizeram questão de me deixar a par de tudo o que acontecia na empresa."

A decisão de voltar ao trabalho acabou funcionando como uma válvula de escape para o empresário, que passa cerca de 10 horas por dia no escritório, incluindo alguns fins de semana. "Quanto mais tempo me ocupo com as revendas, menos tempo tenho para pensar na falta que eles fazem."

Nos últimos sete meses, Bruno Caltabiano alinhavou negócios que devem fazer o grupo mais que dobrar de tamanho e fechar o ano com cerca de 30 lojas e faturamento de 2 bilhões de reais. No ano passado, a Caltabiano faturou 940 milhões de reais em suas 14 lojas.

Bruno gosta de atribuir o bom momento da empresa ao trabalho feito previamente por João e Pedro. Mas mesmo toda essa exuberância na performance do grupo não o fascina. "Faço isso porque preciso", diz. Rico, com uma bela casa na praia, barco, carro de luxo e um confortável sítio no interior de São Paulo, o empresário conta que adorava viajar e passar os fins de semana com a família. "Agora não viajo mais, principalmente de avião. Mas não é medo. É raiva."

O setor de concessionárias vive um momento particularmente agitado -- o que torna a presença de Bruno à frente dos negócios fundamental para a empresa. As vendas de automóveis e veículos comerciais leves crescem no país há quatro anos e, em 2007, chegaram ao recorde histórico de 2,3 milhões de unidades, número que, segundo estimativas do setor, deve ser superado neste ano. 

Embaladas pelo bom momento da economia, as grandes redes de concessionárias têm demonstrado uma agressividade fora do comum na abertura de novas lojas e, eventualmente, na aquisição de concorrentes. O grupo Itavema -- o maior do país, com 57 concessionárias e faturamento de 4 bilhões de reais -- negocia a aquisição de nove revendas ainda no primeiro semestre deste ano. 

Recentemente, o ex-piloto de Fórmula Indy André Ribeiro, dono de uma rede de concessionárias Toyota e Honda, ofereceu 250 milhões de reais por uma rede de revendas Fiat -- o negócio não foi adiante, mas mostra o apetite das empresas do setor. 


Outro empresário disposto a expandir seu grupo de revendas é Sérgio Habib, presidente da Citroën no país e dono de concessionárias das marcas Jaguar, Ford, Volkswagen e da própria Citroën.

"Os grandes grupos estão cada vez mais fortes e, sem um executivo experiente à frente da Caltabiano, a empresa pode se tornar uma séria candidata a ter problemas ou mesmo ser engolida por um concorrente", diz um empresário do setor. Bruno não confirma, mas a própria Caltabiano já teria sido alvo de propostas de compra de empresários concorrentes logo após a morte de Pedro e João.

Além de manter os planos dos filhos e dos sócios americanos, o empresário se dedica a outra tarefa: preparar um novo sucessor. A escolha nesse caso recaiu sobre o genro, Marcelo Castro, responsável pela área de tecnologia da informação da companhia. "Para mim, é difícil fazer tudo sozinho, mas tento suprir a falta de energia com a experiência de vida", diz Bruno.

O grupo Caltabiano tem concessionárias de automóveis das marcas Toyota, GM, Chrysler, Mercedes-Benz, Nissan, Hyundai, Subaru e Land Rover. As duas revendas Toyota receberam recentemente um certificado de excelência de qualidade em serviços concedido a apenas outras quatro revendas da marca no mundo.

A meta de Bruno é expandir o grupo com a abertura de concessionárias de marcas que ainda não fazem parte de seu portfólio -- comenta-se no mercado que o empresário planeja montar concessionárias Fiat e Volkswagen, além de uma rede de revendas de caminhões Volvo. "Queremos marcas fortes e estamos buscando bons negócios", diz ele.

A abertura de capital tão sonhada pelos filhos não foi descartada. "Eles queriam fazer o primeiro IPO de uma rede de concessionárias no Brasil. Eu não concordava, porque acionistas não trazem experiência, só dinheiro. Mas, no final das contas, acho que será um caminho inevitável para o nosso mercado."

Bruno Caltabiano faz parte de uma família que há décadas se dedica a esse negócio. Seu avô, Rosário, foi um dos maiores negociantes de automóveis do país na década de 20 -- em 1927, vendeu um Cadillac ao então presidente Washington Luiz. Seu pai, Francisco, fundou a primeira loja Caltabiano e iniciou o filho na carreira de vendedor de carros.

A participação do sócio americano, que tem mais de 100 revendas nos Estados Unidos e outras 280 na China, pode ajudar a convencer o mercado de capitais de que apostar em um grupo de concessionárias é um bom negócio. Mas a abertura de capital não deve representar a aposentadoria de Bruno. "Não posso mais parar de trabalhar. Hoje nada me faz feliz, mas o trabalho faz a infelicidade ser um pouco menor."

Acompanhe tudo sobre:Concessionáriasgestao-de-negocios

Mais de Revista Exame

Aprenda a receber convidados com muito estilo

"Conseguimos equilibrar sustentabilidade e preço", diz CEO da Riachuelo

Direto do forno: as novidades na cena gastronômica

A festa antes da festa: escolha os looks certos para o Réveillon