O futuro das democracias
Eis aqui um questionamento genuíno sobre o futuro das democracias: qual é o exato momento em que, em meio à crescente polarização política, elas deixam de existir? E o que acontece quando, longe das autoridades, elas morrem, de fato? São essas as perguntas, somadas a tantas outras igualmente filosóficas, que o mais novo filme da A24, "Guerra Civil", deixa para o público no momento em que sobem os créditos.
Estrelado por Wagner Moura, Kirsten Dunst, Cailee Spaeny e Stephen McKinley Henderson, sob direção de Alex Garland ("Ex Machina"), o longa é distribuído pela Diamond Films e estreia nesta quinta-feira, 18. Aborda os registros de quatro jornalistas sobre uma guerra civil fictícia nos Estados Unidos, polarizada, da qual pouco se sabe sobre motivações, contexto e nomes, mas que é tão palpável que poderia ser a realidade — e o futuro — de vários países.
Cidadãos têm a obrigação de resistir às ditaduras, diz Wagner Moura"Esse é um filme que fala sobre a ameaça nefasta da polarização política, que de fato é o maior problema, hoje, para democracias modernas", diz Wagner Moura em entrevista exclusiva à EXAME. O ator viajou para o Brasil, acompanhado de Cailee Spaeny, para promoção da pré-estreia do filme. "O Alex Garland foi muito inteligente em fazer um filme que é político, mas que não insufla nem um lado, nem o outro, pelo contrário. Ele tenta construir pontes e diálogos".
O ator brasileiro, no papel do jornalista Joel, protagoniza a maior parte das cenas do filme, mesclando adrenalina pela caça às notícias ao desespero de quando as encontra. Contracena ao lado de Lee (Kirsten Dunst), fotógrafa de guerra já veterana e anestesiada dos próprios eventos que registra, de Jessie (Cailee Spaney), jovem de 23 anos que quer se tornar jornalista de guerra, e de Sammy (Stephen McKinley Henderson), o mais velho entre os quatro e o mais experiente jornalista da cobertura. Os quatro partem de Nova York rumo a Washington D.C., para a Casa Branca, com o intuito de entrevistar o presidente. No trajeto, feito num furgão de imprensa, entrevistam e fotografam o resultado devastador da guerra civil.
Nos Estados Unidos, com a estreia adiantada para 12 de abril, o longa passou os U$ 25,7 milhões em bilheteria antes mesmo do primeiro final de semana em cartaz.
O filme, que teve orçamento de U$ 50 milhões, já é o maior lançamento da A24 no país.
Ousado para 2024
Em um ano tão emblemático para a política, sobretudo nos Estados Unidos, em ritmo de eleições presidenciais, "Guerra Civil" pincela possibilidades perturbadoras do cenário político atual. Não só dos Estados Unidos, na disputa entre Donald Trump e Joe Biden, mas também da ascensão da polarização no resto do mundo, que levou Milei ao poder, assegurou Putin e Maduro no cargo, e ficou tão evidente nas eleições do Brasil entre Lula e Bolsonaro. É uma mensagem clara de que quando a democracia morre, o resultado é devastador.
Biden x Trump: como os temas que afligem as pessoas podem decidir o rumo da eleição nos EUA?Apesar de não detalhar as motivações da guerra, em um dado momento, o filme deixa evidente que uma das discussões é sobre quem é americano, de fato. Quais estados seriam o mais nacionalistas, quais serão os menos. O assunto é constante tanto no discurso de Biden quanto de Trump, e fica latente nas pesquisas eleitorais e nas primárias recentes, muito embora cada um deles tenha uma visão diferente sobre o tema. A trama mostra uma união da democrata Califórnia com o Texas, republicano, para ajudar a bagunçar as convicções da vida real.
O objetivo de Garland ali era causar impacto, talvez o suficiente para chacoalhar as urnas em 2024, ainda que o filme não tenha sido produzido com a intenção de ser lançado neste ano. Quando questionada pela EXAME, Cailee Spaney disse que a divulgação de "Guerra Civil" pode sim mudar intenção de voto do eleitor americano. "As conversas do filme são as que realmente importam, contra a polarização, e vem sim em um bom momento. É algo que precisamos falar mais sobre, especialmente neste ano", disse a atriz.
A sete meses das eleições americanas, as cenas inicial e final do filme são um recado mais direto para o momento atual dos Estados Unidos. O longa não toma lados na maior parte de suas quase duas horas de duração. Na trama, o presidente Nick Offerman , é verdade, tem alguns dos trejeitos de Donald Trump, que ocupava a presidência quando o roteiro foi escrito, em 2020. O filme traz, por exemplo, uma menção sobre a destituição do FBI pelo presidente, uma alfinetada às frequentes declarações de Trump sobre a instituição.
Sobre jornalismo, sobre fotografia
Também porque é um filme político, "Guerra Civil" transporta o público para o caos fictício nos Estados Unidos por meio das lentes dos fotojornalistas da trama, grandes protagonistas do longa. São eles que ditam o tom do longa, tanto em suas reações quanto em suas escolhas fotográficas.
Pelas lentes de Lee, que fotografa com filme colorido em câmera digital, fica o registro de uma repórter já veterana na cobertura da guerra, que aparenta estar anestesiada por aquilo que ela mesma escolhe captar. Em contrapartida, as fotos de Jessie, de 23 anos e novata na profissão, vem em câmera analógica, com filme em preto e branco. Não à toa, são delas os registros mais impactantes.
"A fotografia é uma linguagem forte, o filme mostra isso. Depois de gravar, ando para todo lugar com uma câmera", diz Cailee. "Acho que isso torna tudo mais especial, um lembrete constante de estar no presente, captar aquele momento, seja ele bonito ou não"
Feito do conjunto de registros, "Guerra Civil" é, antes de tudo, um retrato da profissão do jornalista em seu ápice e, ao mesmo tempo, em sua maior dificuldade. "Tenho muito orgulho do filme ser, de certa forma, uma carta de amor à profissão", ressalta Moura.
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Realidade que assusta — e hipnotiza
Envolto por todo o contexto político, "Guerra Civil" ganha ainda mais fôlego com as cenas de ação e de violência, que proporcionam dinamismo ao enredo — afinal, temos aqui um filme de ação. A escolha de Garland é certeira: o choque vem em conjunto uma fotografia colorida, que consegue enquadrar tanto as cenas perturbadoras quanto a beleza dos pequenos detalhes da paisagem dos Estados Unidos.
A insensibilidade das cenas de guerra, já tão amortecidas pelo olhar da fotógrafa veterana Lee, ao longo do filme colocam o público para uma espécie de transe. Há certos momentos em que a fotografia embrulha o estômago, há outros em que fica difícil segura o choro, mas em geral, é quase impossível desprender os olhos da tela.
Vale observar os momentos que misturam aquilo que é bonito por conceito com aquilo que choca por desespero. O filme de Garland tem dois pesos em uma única medida: coloca sutilezas como os sorrisos de refugiados na mesma cena em que estão dispostos os cadáveres da guerra.
Quando estreia 'Guerra Civil' nos cinemas?
O filme estreia nesta quinta-feira, 18 de abril, nos cinemas brasileiros. Nos Estados Unidos, a estreia foi antecipada para o dia 12 de abril.
Qual é a classificação indicativa de 'Guerra Civil'?
O filme é recomendado para maiores de 18 anos por conter cenas de violência explícita.
Qual o papel de Wagner Moura em 'Guerra Civil'?
O ator interpreta Joel, um jornalista da Reuters que viaja de Nova York à Washington D.C. para cobrir os eventos de uma guerra civil fictícia nos Estados Unidos.
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Créditos
Luiza Vilela
Repórter de POP
Formada em jornalismo pela PUC-SP e cursa pós-graduação em Gestão da Indústria Cinematográfica pela FAAP. Trabalhou para Record TV, Revista Consumidor Moderno e outros veículos de cultura brasileiros. Escreve sobre cinema e streaming.