Tembici: empresa de compartilhamento de bicicletas havia levantado 15 milhões de dólares no começo de 2019 (Tembici/Divulgação)
Carolina Ingizza
Publicado em 3 de junho de 2020 às 06h00.
Última atualização em 3 de junho de 2020 às 14h20.
A startup de compartilhamento de bicicletas Tembici anuncia que recebeu, em plena pandemia, um investimento de 244 milhões de reais, ou 47 milhões de dólares, liderado pelos fundos Valor Capital Group (Loft, Buser) e Redpoint eventures (Gympass e Creditas). Participaram da rodada também o fundo Joá Investimentos, de Luciano Huck, e o International Finance Corporation (IFC), braço financeiro do Banco Mundial.
“Foi muito legal ter o apoio do IFC, somos a primeira empresa de micromobilidade em que eles aportaram no mundo”, diz Tomás Martins, fundador e presidente da startup. Com o investimento, a empresa irá ampliar sua atuação nas cidades em que atua e planeja introduzir um novo produto: a bicicleta elétrica compartilhada.
“Queremos trazer esse novo modal para a América Latina”, afirma Martins. Além dos projetos em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre e Salvador, a empresa também atua em Santiago, no Chile, e em Buenos Aires, na Argentina. Ao todo, são mais de 800 funcionários na startup e a previsão é contratar mais pessoas ao longo do ano para fortalecer as equipes de tecnologia, produtos e dados.
A empresa foi fundada em 2010 por Tomás Martins e Mauricio Villar com o propósito de inserir a bicicleta no dia a dia das pessoas. O negócio ganhou escala em 2017, quando comprou a operação da Samba Transportes Sustentáveis nas principais capitais brasileiras, assumindo os projetos Bike Rio e Bike Sampa, patrocinados pelo Itaú.
Antes dessa rodada, a empresa havia captado 15 milhões de dólares em sua série A, liderada pela Joá, no começo de 2019. Em setembro do ano passado, com os novos planos de expansão, a startup decidiu buscar um novo investimento. Segundo Martins, a crise causada pelo novo coronavírus não afetou a negociação e o valor da empresa foi mantido durante o processo, que foi finalizado em março.
O investimento na empresa de micromobilidade acontece em um momento em que outras empresas do setor passam por uma crise no Brasil. A startup Grow, nascida da fusão entre a brasileira Yellow e a mexicana Grin, encerrou suas operações em 14 cidades do país no começo do ano e paralisou o aluguel de patinetes elétricos mesmo antes da pandemia do novo coronavírus. Na última terça-feira, 2, a empresa confirmou a demissão de “grande parte da equipe operacional e corporativa no Brasil”.
Para Scott Sobel, sócio-diretor do Valor Capital, a principal vantagem que o modelo da Tembici tem em relação aos concorrentes é o uso das estações fixas para retirar e deixar as bicicletas. O fundo acredita que esse modelo prevaleceu em relação ao utilizado pela Grow, que permite deixar bicicletas e patinetes em um perímetro maior da cidade. Nesse tipo de operação, as empresas precisam gastar mais com manutenção dos equipamentos e com a logística para carregá-los durante a noite e depois recolocá-los em pontos estratégicos da cidade.
Romero Rodrigues, sócio da Redpoint eventures, concorda que as estações trazem benefícios. Como cliente da Tembici, ele diz ter percebido que a previsibilidade do modelo da startup era uma de suas principais vantagens. “Se eu uso a bicicleta todos os dias, não posso não encontrar a bicicleta quando preciso. Não funciona para quem precisa disso como locomoção diária”, diz.
Em contrapartida, para que o serviço de compartilhamento faça sentido para mais pessoas, é necessário que existam várias estações espalhadas pela cidade. “Quanto maior fica, mais útil será para todo mundo”, afirma o investidor.
Os sócios da Tembici acreditam que as estações também serão a chave do sucesso de uma nova aposta: as bicicletas elétricas. Parte do dinheiro recebido no aporte será usado para dar escala ao serviço de compartilhamento de e-bikes, que foi testado pela empresa em São Paulo no começo de 2019.
O carregamento, que é um custo alto para empresas de patinete elétrico, por exemplo, é resolvido pela Tembici com o uso das estações existentes. Martins afirma que elas já são preparadas para receber energia elétrica e podem carregar as bicicletas automaticamente durante o dia, o que facilita a logística para a empresa. “Nosso diferencial é já ter as estações espalhadas pela cidade”, diz o fundador.
A empresa planeja colocar as e-bikes nas ruas das cidades brasileiras em que atua no segundo semestre deste ano. Para o presidente da startup, a bicicleta elétrica traz vantagens para o usuário. O pedal assistido, que dá cerca de dez pedaladas a cada impulso do ciclista, permite percorrer distâncias maiores, de até sete ou oito quilômetros, e transitar com maior facilidade por diferentes relevos urbanos. A companhia estima que os clientes estarão propensos a usar a bicicleta elétrica até 50% mais que a tradicional.
Antes do novo coronavírus chegar ao Brasil, a Tembici realizava por mês mais de 2 milhões de viagens. No primeiro trimestre de 2020, a empresa cresceu 32% em relação ao mesmo período do ano anterior. Com a chegada da pandemia de coronavírus no Brasil, no começo de março, a startup notou uma utilização maior do serviço, provavelmente porque as pessoas estavam tentando evitar aglomerações no transporte público.
Depois, com o estímulo ao distanciamento social, a companhia passou a ter um número menor de deslocamentos diários relacionados ao trabalho e ao lazer. Em contrapartida, a startup viu o nicho de uso da bicicleta para delivery aumentar consideravelmente. Além dos entregadores, profissionais de hospitais, supermercados e farmácias passaram a usar mais o serviço.
Apesar da queda no faturamento nos últimos meses, a empresa está otimista quanto ao futuro. Uma pesquisa interna mostra que 90% dos mais de 3 milhões de clientes cadastrados pretendem voltar a usar os serviços da startup quando o período de isolamento social chegar ao fim. A empresa acredita também que novos usuários, em busca de meios de transportes mais seguros e saudáveis, vão começar a usar as bicicletas. “Vemos as pessoas mais propensas a mudar hábitos do dia a dia”, diz Martins.
A tese da Tembici começa a ganhar força no exterior. Em países que já começaram a reabrir a economia, a bicicleta ganhou protagonismo. No Reino Unido, o secretário de transporte destinou 2 bilhões de libras para estimular os trabalhadores a caminhar e pedalar para ir ao trabalho. Em Paris, na França, a prefeitura liberou 22 milhões de euros durante a pandemia para construção de ciclovias. Em Seattle, nos Estados Unidos, cerca de 30 quilômetros de ruas foram fechados para liberar espaço para pedestres e ciclistas.
Martins acredita que o poder público brasileiro está acompanhando as tendências globais e está cada vez mais aberto à bicicleta como estratégia de mobilidade urbana. “Quando São Paulo foi colocar as primeiras ciclovias de pé houve uma grande discussão, mas hoje muitas pessoas que criticavam usam o espaço diariamente”, afirma.
Para o fundador, as bicicletas terão, sem dúvidas, um papel importante no cenário pós-pandemia. "Os investimentos que faremos nos nossos sistemas vão de encontro às novas necessidades das cidades e da população”, afirma Martins.