(Joby Aviation/Divulgação)
Leo Branco
Publicado em 15 de junho de 2021 às 07h06.
Última atualização em 15 de junho de 2021 às 10h37.
O protótipo de aeronave elétrica da Joby Aviation lembra menos um carro voador fantástico da ficção científica de antigamente e mais um inseto grande o suficiente para transportar alguns poucos passageiros humanos.
Em uma manhã de maio, a aeronave vazia de cinco lugares decolou de um campo de terra a uma altura de cerca de mil pés em linha reta, o para-brisa colorido refletindo o sol do meio-dia. Então, enquanto dois repórteres da Bloomberg News assistiam a cena, um a bordo de um helicóptero e o outro do solo, as seis hélices da aeronave se inclinaram para frente.
Ela disparou a súbitos 145 quilômetros por hora, emitindo um ronronar mecânico tão alto quanto um ar condicionado de telhado. O veículo, controlado por pilotos no solo, circulou por cima de uma base militar da Califórnia enquanto uma águia careca o seguia, olhando desconfiada.
A Joby, startup de 12 anos com sede em Santa Cruz, é uma das dezenas de empresas que correm para realizar a promessa de um um avião elétrico que decole e pouse verticalmente (na sigla em inglês, eVTOL, de electric vertical takeoff and landing).
Os competidores da empresa incluem gigantes aeroespaciais como a Boeing, Lockheed Martin e Airbus, além de startups como a Beta Technologies, com sede em Vermont, que recentemente ganhou apoio do Fundo de Compromisso Climático e Fidelidade da Amazon, e da alemã Volocopter, que nos últimos três anos tem testado suas aeronaves de dois assentos em Cingapura.
A empresa praticamente caseira tem como objetivo mudar o modo como as pessoas se deslocam todos os dias, prometendo transformar as cidades e reduzir as emissões de carbono no processo. Nos EUA, o chefe da Administração Federal de Aviação (Federal Aviation Administration, a FAA), Steve Dickson, disse recentemente em uma audiência do subcomitê de verbas da Câmara que espera que aeronaves urbanas avançadas deste tipo sejam aprovadas até 2023, com os primeiros voos sendo realizados no ano seguinte.
Muitos analistas esperam que uma indústria robusta se desenvolva, embora eles também digam que os investidores podem ter de esperar pacientemente por mais de uma década para vê-la florescer. Em maio, o Morgan Stanley previu que o mercado de eVTOL vá chegar a US$ 1 trilhão em 2040.
Enquanto a corrida ainda estiver em seus estágios iniciais, a Joby pode reivindicar a liderança do setor. Ela vem trabalhando com a FAA há três anos, mais tempo do que qualquer um de seus concorrentes, e recentemente recebeu um checklist que pode certificá-la para o transporte de passageiros.
A empresa também arrecadou mais dinheiro do que suas rivais, incluindo-se aí os US$ 400 milhões da Toyota, que vai ajudá-la na fabricação. Recentemente, a startup assumiu a divisão de carros voadores da Uber, por meio de um acordo em que a empresa de caronas também investiu US$ 75 milhões e se comprometeu a adicionar os táxis aéreos da Joby a seu app.
A empresa abrirá o capital neste verão ao se fundir com uma empresa de aquisição de propósito especial (SPAC, sigla original em inglês que designa as “empresas cheque em branco” em que os investidores confiam na expertise dos gestores para encontrar, adquirir e realizar o IPO de uma boa companhia) criada pelo co-fundador do LinkedIn, Reid Hoffman.
A transação levantará mais US$ 1,6 bilhão para ajudar a financiar as operações até 2024. Naquele ano, a Joby planeja dar início ao serviço comercial para passageiros em cidades como Los Angeles, Miami, Nova York e São Francisco. Isso presumindo que a startup consiga navegar pelos inevitáveis entraves regulatórios e oposição pública.
O compartilhamento de caronas tem trazido uma enxurrada de controvérsias quando seus motoristas usam as estradas existentes; é razoável presumir que haverá uma série totalmente nova de objeções quando as empresas começarem a soltar frotas de aeronaves recém-lançadas pelos céus urbanos.
Sem falar no risco de enfrentar tantos rivais de grande porte. "Eu não ficaria surpreso se alguns dos grandes nomes não vingarem, e vários dos outros dos quais ainda não ouvimos falar conseguirem", diz Robin Riedel, sócio da McKinsey & Co. que dirige sua própria prática aeroespacial.
Neste mês, a Joby está anunciando alguns passos modestos à frente. Recentemente, a empresa fechou um acordo com a Reef Technology Inc. e o Neighborhood Property Group para negociar aluguéis de longo prazo para decolagens e pistas de pouso no topo de alguns dos 5 mil estacionamentos da Reef e em outras localizações na América do Norte e na Europa.
A startup também está planejando lançar um programa de treinamento de pilotos nos próximos anos. A Joby prevê um futuro em que seus veículos operem de forma autônoma, mas diz que haverá um período significativo de transição em que ainda será preciso que os pilotos estejam a bordo, nem que seja só para tranquilizar os passageiros que seguram com toda força seus apoios de braço até em voos convencionais.
JoeBen Bevirt, cofundador e diretor executivo da Joby, diz ver os pilotos como “nossos embaixadores, ajudando as pessoas a se acomodar a esse novo meio de transporte”.
Bevirt, que fundou a Joby em 2009 após vender duas empresas de tecnologia de sucesso, começou a sonhar com montar carros voadores quando era uma criança crescendo sob os paus-brasis de Santa Cruz, a oito quilômetros do ponto de ônibus escolar mais próximo. Ele lidera a engenharia; o presidente executivo Paul Sciarra, que também cofundou o Pinterest, cuida de operações de negócios e estratégia.
Foi Sciarra quem procurou Hoffman e seu parceiro de investimento, Mark Pincus, o cofundador da Zynga, para tratar do SPAC. Há um ceticismo crescente em relação a esses negócios, que os críticos veem como um modo de os investidores ganharem dinheiro com empresas não lucrativas que não conseguem suportar o exame minucioso que acompanha uma oferta pública inicial convencional.
Sciarra diz que o acordo da Joby é mais responsável, citando uma cláusula que impede os principais investidores de vender durante cinco anos e, até que a Joby quintuplique seu valor de mercado, acima de US$ 30 bilhões. “Não é uma saída para ninguém”, diz Sciarra.
Quando a Joby começar a negociar publicamente, ela terá pelo menos um cliente pagante. A Força Aérea dos Estados Unidos — que certificou os veículos da startup para uso no fim do ano passado antes de aprovar também os das concorrentes Beta e Lift Aircraft — quer até o ano que vem começar a testar pelo menos 10 naves da Joby.
Os principais benefícios do uso da aeronave, diz o coronel Nathan Diller, diretor da Afwerx, braço de capital de risco da Força Aérea, são financeiros: A Joby estima que seus veículos operem com cerca de um quarto do custo dos helicópteros convencionais.
Diller diz que a ausência de emissões e os robustos recursos de segurança também são pontos de venda. Os veículos da Joby têm seis hélices, e duas podem falhar sem comprometer o voo — uma melhora significativa em relação ao design do helicóptero de duas hélices que tem sido o padrão nos últimos 50 anos.
As aeronaves elétricas serão usadas principalmente para evacuações médicas, auxílio a desastres e crises humanitárias — mas não em batalha. Elas não foram projetadas para isso, e Sciarra e Bevirt dizem que se opõem à fabricação de veículos de combate por questões morais.
Mesmo agora, com a parceria com a Força Aérea e a empresa finalmente se aproximando de seu objetivo de aeronaves urbanas elétricas, Bevirt diz ter planos de trabalhar em aeronaves elétricas capazes de viajar entre cidades. Esse projeto apresenta desafios técnicos significativos, que exigirão avanços na densidade da bateria e materiais leves.
Por enquanto, os investidores de Bevirt querem que ele se concentre em manter os pés no chão. Hoffman diz que a estrela-guia da Joby é eventualmente passar a oferecer viagens intermunicipais pelo preço de um Uber X. Mas a própria Uber ainda está tentando decifrar esse valor com seus carros terrestres. Riedel, da McKinsey, se pergunta se os táxis aéreos estão fadados a ser vistos como “brinquedo de rico”.
Parte do desafio da Joby será entender operações semelhantes às de companhias aéreas, como minimizar o tempo de inatividade, preencher a maioria dos assentos e manter a simplicidade de agendar uma reserva pelo smartphone. Olhando agora, montar um protótipo e exibi-lo para jornalistas no deserto foi a parte fácil.
Tradução por Fabrício Calado Moreira
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