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Como a sala de aula pode transformar os negócios

Levar informação sobre empreendedorismo para alunos de qualquer idade pode ajudar novas empresas a gerar mais renda e empregos para o país

Iniciativa: empreender está além de criar uma empresa. É um comportamento que pode ser trabalhado desde a infância (Getty Images)
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Da Redação

Publicado em 17 de fevereiro de 2011 às 10h35.

Última atualização em 21 de novembro de 2016 às 09h41.

São Paulo – Quando decidiu abrir seu próprio negócio, a farmacêutica e bioquímica Vanessa Vilela só tinha a formação técnica para tirar a Kapeh, empresa de cosméticos a base de café, do papel. Depois de participar de um curso intensivo de empreendedorismo, o Empretec, Vanessa foi eleita uma das dez melhores empreendedoras do mundo, segundo a ONU. A educação potencializa os novos negócios e a Kapeh é prova disso. Hoje, exporta seus sabonetes e hidratantes, fatura mais de 1 milhão de reais e emprega, direta e indiretamente, 150 pessoas. “Estudar me deu mais experiência e confiança de que eu estava no caminho certo”, explica a empresária.

Assim como a Kapeh outras milhares de empresas poderiam usufruir os benefícios da sala de aula. Mas muito poucas o fazem hoje. De acordo com o Global Entrepreneurship Monitor (GEM), de 2010, só 9% da população adulta brasileira teve acesso ao ensino de empreendedorismo e 3% aprenderam a criar seus próprios negócios durante a universidade. “O Brasil é um dos países que tem o pior índice de educação empreendedora”, opina Juliano Seabra, diretor de educação da Endeavor, instituição que apoia projetos com alto potencial de crescimento.

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O começo
As primeiras iniciativas de aulas de empreendedorismo no Brasil aconteceram em 1981, na Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. Um dos pioneiros é Ronald Jean Degen. Para ele, a universidade é o momento de máxima criatividade e ideal para a criação de novas empresas. Mas não é só no Brasil que este potencial é subaproveitado. Um levantamento especifico sobre o tema, feito em 2008 pelo Global Entrepreneurship Monitor, mostra que ainda falta um esforço maior em educação empreendedora na maioria dos países. Nas 38 nações pesquisadas, 21% da população adulta que abriu um negócio recebeu algum tipo de treinamento. ”A educação empreendedora é um fenômeno novo no mundo inteiro”, justifica Tales Andreassi, professor e coordenador do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da FGV-EAESP.

O Ministério da Educação não tem dados sobre a disponibilidade e o alcance das aulas de empreendedorismo no Brasil. Apesar disso, os efeitos são sentidos por quem acompanha de perto os alunos. “A gente percebe que hoje os universitários estão mais dispostos a abrir uma empresa do que entrar em um programa de trainee, por exemplo. Isso não acontecia há cinco anos atrás”, explica Marcio de Oliveira Santos Filho, coordenador do Desafio Brasil, concurso de startups organizado pelo Centro de Estudos em Private Equity e Venture Capital da FGV-EAESP, e associado da gestora Inseed Investimentos.

Ensinar a empreender não garante que a empresa vai ser um sucesso ou faturar milhões. A diferença é deixar o empresário mais preparado para lidar com problemas. “Lançar um novo negócio pode ser um risco. As estatísticas sugerem que seis a cada dez novas empresas vão falir nos Estados Unidos. Neste caso, a educação empreendedora pode ajudar a evitar o fechamento precoce”, explica Andrew Zacharakis, diretor do Centro de Estudos de Empreendedorismo da Babson College, uma das principais instituições de ensino deste tipo no mundo.


Na universidade
Antes restritas aos cursos de administração, as aulas de empreendedorismo têm ganhado espaço em outras áreas, como engenharia. A Escola Politécnica (Poli) da USP, por exemplo, realiza competições para estimular o empreendedorismo entre os estudantes. Esse movimento é simultâneo a outra conquista. Em 2009, o país teve mais empresas criadas por oportunidade do que por necessidade. Segundo o GEM, a proporção de empreendedores por oportunidade é de 1,6 para cada um por necessidade. “Empreendedorismo é o tema do Brasil do século 21”, profetiza o novo presidente do Sebrae, Luiz Barretto. Para os especialistas, aprender a empreender não é útil só para quem pensa em abrir empresas. “Não é só montar um negócio, mas uma ferramenta que pode ser usada onde a pessoa trabalha. É um comportamento”, explica Cristiane Rebelato, gerente do Sebrae-SP.

Nas universidades, é comum que o curso seja focado em ferramentas, como o plano de negócios, e não no aspecto comportamental. “É melhor que sejam aulas assim do que nada”, defende Andreassi. O fato é que o jogo de cintura e o habilidade de lidar com problemas são fatores o que realmente afetam o andamento do negócio. “O importante no empreendedorismo é ser intolerante à incerteza, assumindo riscos, sonhando. Quem muda o mundo, faz o que ama”, opina o professor e consultor da Fundação Dom Cabral e criador de metodologias de educação empreendedora, Fernando Dolabela.

Não é unânime, porém, a ideia de que é possível transformar quase todo mundo em empreendedor só com a ajuda da sala de aula. Muitos novos negócios se garantem pela vocação e pelo comportamento do empreendedor. Para Yuri Gitahy, investidor-anjo e fundador da Aceleradora, que apoia empresas iniciantes inovadoras, é ousado querer “criar empreendedores” na faculdade. “Características típicas dos empresários de alto impacto, como persistência, foco e pensamento rápido, são impossíveis de serem ensinadas e difíceis de serem treinadas”, explica. Mesmo assim, ele concorda que a sala de aula, da faculdade ou não, pode despertar o empreendedorismo em algumas pessoas.

É o caso de Leonardo Rossi. Com 36 anos, o engenheiro elétrico buscou no Empretec a oportunidade de colocar as ideias no lugar. “Você entende quais competências o empreendedor de sucesso aplica para ser bem sucedido. Comecei a ter uma visão mais comercial e aprendi como transformar isso em dinheiro”, conta. Rossi é sócio da Oddo, empresa de software para pequenos negócios que está incubada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), uma das principais incubadoras do país, e já recebeu um financiamento da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). “O brasileiro é um empreendedor nato, sabe criar oportunidades. Mas é preciso desenvolver, planejar e trabalhar”, afirma Barretto.

Quase 15 mil pessoas já participaram do Empretec. Uma pesquisa do Sebrae feita com o Instituto Ver mostra que os participantes passaram a faturar até 60% mais e aumentaram em 20% o quadro de funcionário. “O Empretec é um treinamento para trabalhar o comportamento empreendedor, que pode ser desenvolvido em qualquer um”, explica Rebelato. O candidato faz uma entrevista com um empresário e recebe um gráfico do que pode melhorar. “O principal ponto a trabalhar normalmente é planejamento, o que inclui definição de metas”, conta a gerente do Sebrae-SP. O curso dura seis dias. “A minha visão de empreendedorismo mudou. Agora sei que 5% é inovação e 95% é suor para fazer acontecer”, diz Rossi.

Empreendedor aos 4
Não é preciso chegar à universidade para ter contato com o tema. Já existem algumas iniciativas no país que disseminam o empreendedorismo para crianças e jovens. Ainda pouco comum entre os brasileiros, os empreendedores mirins faturam milhões em outros países desenvolvendo empresas muitas vezes só com a ajuda do computador.


A cena de crianças vendendo limonada em filmes americanos é quase clichê. Para os especialistas, isso diz muito sobre a cultura empreendedora do país. “Temos que trabalhar o empreendedorismo desde a infância e isso não é comum para os brasileiros. No Estados Unidos, por exemplo, as crianças aprendem desde muito cedo. É uma forma de desenvolver o espírito empreendedor”, explica Rebelato.

Em algumas cidades já existem projetos para aulas de empreendedorismo desde o jardim da infância. É o caso de São José dos Campos, interior de São Paulo. O município usa a metodologia do professor Fernando Dolabela, que ensina aos pequenos que empreender é ir atrás de um sonho. Assim como a cidade, mais de 120 municípios e quase 500 mil alunos têm aulas com a mesma metodologia.

Em São José dos Campos, o projeto começou em 2002 em cinco escolas. Hoje, está em todas as unidades de ensino infantil e básico e atinge 56 mil crianças. “Na educação infantil, participam crianças a partir de 4 anos, que respondem à pergunta: qual o seu sonho?”, conta Ana Lúcia Rodrigues da Silva Ferreira, coordenadora do projeto de pedagogia empreendedora da divisão de educação infantil. As primeiras respostas costumam envolver super-heróis, contos infantis e personagens imaginários. Com o tempo, as crianças – mesmo as mais pequeninas – passam a entender a diferença entre sonhos possíveis e impossíveis.

Entre as realizações, um voo panorâmico, a limpeza do rio que passa perto da escola, o passeio à piscina de um clube, a construção de um castelo e a ida ao cinema com direito a sanduíche em uma rede de fast-food. Apesar de parecerem modestos, os desejos criam o senso de empreender, correr atrás e realizar, características comuns aos empreendedores de sucesso. “O empreendedor é alguém que sonha e busca transformar em realidade. Esse modelo não vincula o sucesso do empreendedor à realização, mas à busca. Ela aprende que se não fizer nada, o sonho não gera efeitos”, diz Dolabela. Entre as características trabalhadas estão liderança, autocontrole, networking, senso de oportunidade, conhecer o campo de atuação e criatividade.

A cidade desenvolve o projeto também com os alunos mais velhos. No nono ano, além das aulas sobre o tema, os estudantes recebem a missão de criar uma solução para uma necessidade da população. “Os melhores projetos são selecionados e participam da Feira do Jovem Empreendedor”, conta Carmen Lúcia de Paula Ferreira, coordenadora do programa de empreendedorismo de São José dos Campos.


O evento acontece em outubro, desde 2001. Entre os projetos, um celular recarregado à energia solar, um varal com rodas e um carrinho de supermercado com divisórias, para evitar o contato de produtos de limpeza com alimentos. Há dois anos, a prefeitura criou o Laboratório do Jovem Empreendedor, uma pré-incubação para ideias como essas. “A gente quer que eles não desistam do projeto e até ganhem dinheiro com isso”, diz Carmen.

O Sebrae também tem iniciativas para levar o empreendedorismo ao ensino básico, oferecendo capacitação gratuita aos professores, mas reconhece que não é fácil levar o modelo ao sistema público. “Isso chega às crianças desde a primeira série. Os professores levam de forma mais lúdica, ensinam como planejar e montar um pequeno negócio, que pode ser uma lojinha de gibis, por exemplo. A ideia é levar como uma brincadeira”, explica Rebelato.

Crianças empreendedoras
A educação neste nível ainda é pouco difundida no mundo inteiro. Nos Estados Unidos, por exemplo, apesar de um investimento forte nas universidades, as crianças não são o foco. “É raro ter ensino de empreendedorismo nas escolas primárias, mas a preocupação com isso tem crescido e começamos a ver algumas iniciativas desse tipo”, diz Zacharakis, da Babson College.

O que as leva então a ter negócios milionários antes dos 15 anos? "Elas são influenciadas por modelos de empreendedores, como Mark Zuckerberg, criador do Facebook, e [Sergey] Brin e [Larry] Page, do Google. As crianças veem esses modelos e pensam que se eles conseguiram, por que elas não conseguiriam”, explica Zacharakis. Os pais também têm um papel fundamental para aflorar o espírito empreendedor nos filhos. “As crianças que crescem em famílias de empresários têm os próprios pais como modelos de sucesso e ainda possuem uma boa propensão para o empreendedorismo”, afirma Candida Brush, professora de empreendedorismo da Babson College.

O importante é que as crianças enxerguem o tema como o resultado de um esforço coletivo. Os empreendedores não chegam longe sozinhos. “Empreendedorismo não é um tema cognitivo, diz respeito à vida e às relações que a gente estabelece com o mundo”, diz Dolabela. Mais do que aprender, a criança é um agente multiplicador e tem a capacidade de mudar todo um pensamento. “A criança quando recebe uma informação leva para casa e isso é disseminado. Não muda só o aluno, começa a mudar a sociedade. É um círculo virtuoso”, opina a gerente do Sebrae-SP.

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