Donos de "Uber dos ônibus" protestam em SP contra restrições ao setor
O protesto é contra uma decisão do governo paulista de obrigar a venda de tíquetes de ida e volta aos passageiros, e não apenas de trechos separados
Leo Branco
Publicado em 28 de outubro de 2020 às 06h21.
Última atualização em 28 de outubro de 2020 às 09h42.
Os donos de ônibus que trabalham para aplicativos para viagens compartilhadas, como Buser e 4Bus, além de representantes dos próprios apps, vão fazer uma manifestação pelas ruas de São Paulo nesta quarta-feira, 28, a partir das 11h. O protesto deve terminar em frente ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista.
O motivo do protesto é uma decisão recente da Artesp , a agência reguladora dos transportes entre cidades paulistas, de aplicar a regra de que os aplicativos só podem vender tíquetes de ida e volta aos passageiros, e não apenas trechos separados, numa modalidade chamada pelo mercado de "circuito fechado".
Para as empresas de aplicativos, a lógica inviabiliza o setor, cujos atrativos são justamente a facilidade de montar itinerários flexíveis e de acordo com as necessidades de cada cliente. Tudo isso, na ponta, costuma resultar em passagens mais em conta. Uma viagem entre Rio e São Paulo, por exemplo, pode sair a 69 reais na Buser, bem mais em conta que numa viação tradicional, em que os preços começam em 100 reais.
O temor dos representantes dos aplicativos é de perder vendas por causa da nova regra. “Todos estão indignados com a iniciativa da Artesp porque as medidas tratam as empresas como se fossem clandestinas, o que não é verdade. Além disso, a venda do circuito fechado causa uma ociosidade de cerca de 30% dentro dos ônibus, o que é uma perda de receita que inviabiliza a operação”, dis Marcelo Abritta, presidente da Buser, a principal empresa deste mercado.
Para a Artesp, os aplicativos configuram um serviço de fretamento de viagens e, pela legislação do setor, deveriam trabalhar com a lógica de levar passageiros para um destino e trazer os mesmos de volta ao ponto de origem. Além disso, a agência diz que o "circuito fechado" está sendo alvo de uma discussão pública aberta até 9 de novembro.
Até lá, nenhuma fiscalização adicional sobre o setor será aplicada. "Portanto, este é o momento de apresentar propostas e soluções", afirma a agência, em nota. "O principal objetivo da Artesp é oferecer condições de segurança, higiene e infraestrutura a seus passageiros."
Além da manifestação prevista para esta quarta-feira, os empresários organizam uma carreata até Brasília para os próximos dias. A intenção é pressionar a Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) , reguladora do setor em nível nacional, para modernizar a regulação do setor e deixar as regras mais claras sobre a atuação dos aplicativos em viagens intermunicipais.
Desde a estreia do serviço, em meados de 2018, os aplicativos para viagens compartilhadas de ônibus têm ganhado clientes país afora na esteira dos preços mais baixos que os oferecidos pelas viações tradicionais . A nova concorrência provocou uma reação feroz das viações tradicionais na Justiça. Em pelo menos sete estados liminares tentaram restringir o funcionamento dos apps nos últimos meses.
A alegação é que as novas tecnologias descumprem a legislação brasileira, para quem o transporte de passageiros entre cidades é um serviço público a ser autorizado à iniciativa privada pela Antt. Por ora, os aplicativos seguem vendendo passagens mediante recursos obtidos pelas empresas de aplicativos.
Ao mesmo tempo, as novas tecnologias vêm modernizando o serviço nas viações tradicionais, que estão tentando imitar algumas das facilidades oferecidas pelos aplicativos, como o embarque sem impressão da passagem. A disrupção do setor no Brasil repete uma realidade comum na Europa, onde empresas como a alemã FlixBus foram pioneiras em oferecer passagens de ônibus em aplicativos - e a derrubar os preços no setor.
Como resposta à nova concorrência, empresas do próprio setor tradicional já adotaram seus próprios aplicativos para atuar no mercado. Entre os exemplos está o WeMobi, do Grupo JCA, dono de empresas tradicionais de viação como Auto Viação 1001, Viação Cometa, Viação Catarinense e Rápido Ribeirão. Resta saber se as mudanças no serviço de transporte rodoviário vão continuar -- e se os consumidores vão sair ganhando ao fim dessa jornada.