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A burocracia precisa morrer

O secretário de Comércio e Serviços, Humberto Luiz Ribeiro, diz que a burocracia pode impedir as pequenas e médias empresas de aproveitar as oportunidades que se abriram para o país

Ribeiro: "Eu também já vivi o problema da burocracia na pele ao registrar minha primeira empresa" (Cristiano Mariz)
DR

Da Redação

Publicado em 30 de abril de 2012 às 06h00.

São Paulo - O goiano Humberto Luiz Ribeiro, de 39 anos, ocupante da cadeira de secretário de Comércio e Serviços do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, não veio do meio político. Ao fundar uma empresa de comércio eletrônico, nos anos 90, ele passou pelo mesmo calvário enfrentado pelos empreendedores brasileiros para poder legalizá-la.

"Foram nove meses até conseguir o registro", diz Ribeiro. Agora, sua missão é ajudar a remover este enorme obstáculo para fazer negócios no Brasil — a burocracia. "A vida precisa ser mais simples para quem quer empreender", diz Ribeiro. "Senão, podemos perder as oportunidades que estão se abrindo no mercado global."

O público-alvo da secretaria são as empresas emergentes com faturamento anual de até 16 milhões de dólares. Também estão na sua alçada todas as juntas comerciais, responsáveis por registrar os momentos cruciais na expansão de um negócio. Nesta entrevista exclusiva a Exame PME, Ribeiro fala sobre como a burocracia rouba competitividade das pequenas e médias empresas.

EXAME PME - Como empreendedor, o  senhor já sofreu muito com a burocracia brasileira?

Ribeiro - Nem me fale! Vivi o problema na pele quando fui registrar minha primeira empresa. Era 1998, e eu tinha começado  um negócio de comércio eletrônico que deveria ser registrado na Junta Comercial do Distrito Federal.

Foi a primeira vez que alguém registrava uma empresa de comércio eletrônico em Brasília. Para a junta, minha empresa era coisa de outro planeta. O que era comércio eletrônico? O que era internet? Até  sair o registro, passaram-se nove meses. Foi um verdadeiro parto.

EXAME PME - Nossa! É mais do que o dobro do tempo que se leva, em média, segundo um estudo do Banco Mundial.  Por que demorou tanto?

Ribeiro - Porque eu tinha de dar as mesmas explicações em várias instâncias do mesmo processo. Esclarecia uma coisa num lugar, depois falava tudo de novo em outro e, quando parecia que tinha ficado resolvido, algo prescrevia e eu tinha de escrever tudo novamente e reenviar para a junta.


EXAME PME - Mas qual era o grande problema em ser uma empresa de comércio eletrônico?

Ribeiro - Os funcionários da junta entendiam que, se fosse comércio, deveria recolher ICMS, já que haveria deslocamento físico de mercadorias. Então eu tinha de ficar explicando que minha empresa não tinha caminhões e armazéns, e que comércio eletrônico é um serviço de informações, de inteligência. E que, se era serviço, o recolhimento seria de ISS.

Outro pesadelo estava na localização.  Minha empresa ficava no 1o andar de um edifício comercial, o que sempre causava   confusão na papelada que eu preenchia. Os funcionários achavam aquilo muito esquisito — se era comércio, então tinha de ser lá embaixo, no térreo.

EXAME PME - Uma mesma empresa que, no Brasil, demora quatro meses para ser legalizada, seria regularizada em cerca de um mês nos demais países do Bric. Por que aqui é mais lento?

Ribeiro - Um motivo é a necessidade de investimentos em tecnologia e processos, que permitiriam automatizar muita coisa hoje feita no papel, na mão. Outro é que cada parte da máquina burocrática pede um formulário diferente. Boa parte das informações é a mesma — mas os formulários não são padronizados. O do INSS tem um formato, o que vai para o Ministério do Trabalho tem outro, o FGTS, outro, e assim por diante.

EXAME PME - E não dá para simplificar?

Ribeiro - Dá. Na gestão do presidente Lula, foi criado o Portal do Empreendedor, que considero um grande avanço. O portal surgiu para atender uma nova pessoa jurídica, o mi­croempreendedor individual, que fatura até 60 000 reais por ano. Sua legalização é 100% feita pela  internet em meia hora.

EXAME PME - Por que, nesse caso, foi possível ter um processo mais ágil?

Ribeiro - Houve uma parceria entre a nossa secretaria e a Receita Federal, por onde passa boa parte das informações. Sem o comprometimento do pessoal da Receita, esse portal não seria assim. Além disso, a figura do microempreen­dedor individual é recente e já nasceu mais desburocratizada, sem que dependa de tantos comprovantes quanto as outras pessoas jurídicas que existem há mais tempo.


EXAME PME - Mas o que impede fazer o mesmo com os outros tipos de empresa?

Ribeiro - Nessas tentativas de simplificar, chega um ponto em que não é possível fazer muito mais porque há algum empecilho de natureza legal. Se a lei exige determinado documento para fazer alguma coisa, é preciso cumpri-la.Não dá para arrumar um jeitinho.

Por isso, é de suma importância a discussão de um projeto de lei que está ocorrendo agora em Brasília, que tem o objetivo de revisar o código comercial — a votação deve acontecer num prazo de mais ou menos 90 dias. Nesse caso, o papel da nossa secretaria é subsidiar o Congresso e o Poder Executivo com informações que mostrem a importância de simplificar certas exigências e implantar instrumentos online.

Eles permitiriam ao empreendedor saber, em tempo real, em que pé está determinada solicitação e quanto tempo falta para resolver seu processo, da mesma forma que esses sistemas de courier permitem que o consumidor saiba em que ponto do trajeto está sua encomenda.

EXAME PME - O senhor parece otimista. O que o faz achar que algo vai melhorar logo?

Ribeiro - Sou empreendedor, e um empreendedor tem de ser otimista. Tenho confiança no discernimento das pessoas que compõem o Poder Legislativo de que um código comercial mais eficiente é fundamental. Os empreendedores brasileiros precisam muito que aspectos como os processos de exportação e importação sejam menos complicados e mais rápidos.

EXAME PME - E se os parlamentares não forem como o senhor acredita?

Ribeiro - Se a burocracia continuar como está, os negócios não vão evoluir tão rapidamente como poderiam. Isso significa perder a competitividade que nos permitiria ocupar terrenos que representam grandes oportunidades, sobretudo para as pequenas e médias empresas. O mundo demanda serviços eficientes e de baixo custo em muitos mercados nos quais nossos empreendedores são bons. Temos ótimos médicos.

Temos sistemas de ensino a distância de qualidade. O cinema nacional deslanchou. O turismo é outra enorme oportunidade. Pequenas e médias empresas podem exportar serviços em todas essas áreas. É um absurdo deixar que a burocracia continue atrapalhando tanto. Se não fizermos nada agora, o futuro vai nos cobrar.

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São Paulo - O goiano Humberto Luiz Ribeiro, de 39 anos, ocupante da cadeira de secretário de Comércio e Serviços do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, não veio do meio político. Ao fundar uma empresa de comércio eletrônico, nos anos 90, ele passou pelo mesmo calvário enfrentado pelos empreendedores brasileiros para poder legalizá-la.

"Foram nove meses até conseguir o registro", diz Ribeiro. Agora, sua missão é ajudar a remover este enorme obstáculo para fazer negócios no Brasil — a burocracia. "A vida precisa ser mais simples para quem quer empreender", diz Ribeiro. "Senão, podemos perder as oportunidades que estão se abrindo no mercado global."

O público-alvo da secretaria são as empresas emergentes com faturamento anual de até 16 milhões de dólares. Também estão na sua alçada todas as juntas comerciais, responsáveis por registrar os momentos cruciais na expansão de um negócio. Nesta entrevista exclusiva a Exame PME, Ribeiro fala sobre como a burocracia rouba competitividade das pequenas e médias empresas.

EXAME PME - Como empreendedor, o  senhor já sofreu muito com a burocracia brasileira?

Ribeiro - Nem me fale! Vivi o problema na pele quando fui registrar minha primeira empresa. Era 1998, e eu tinha começado  um negócio de comércio eletrônico que deveria ser registrado na Junta Comercial do Distrito Federal.

Foi a primeira vez que alguém registrava uma empresa de comércio eletrônico em Brasília. Para a junta, minha empresa era coisa de outro planeta. O que era comércio eletrônico? O que era internet? Até  sair o registro, passaram-se nove meses. Foi um verdadeiro parto.

EXAME PME - Nossa! É mais do que o dobro do tempo que se leva, em média, segundo um estudo do Banco Mundial.  Por que demorou tanto?

Ribeiro - Porque eu tinha de dar as mesmas explicações em várias instâncias do mesmo processo. Esclarecia uma coisa num lugar, depois falava tudo de novo em outro e, quando parecia que tinha ficado resolvido, algo prescrevia e eu tinha de escrever tudo novamente e reenviar para a junta.


EXAME PME - Mas qual era o grande problema em ser uma empresa de comércio eletrônico?

Ribeiro - Os funcionários da junta entendiam que, se fosse comércio, deveria recolher ICMS, já que haveria deslocamento físico de mercadorias. Então eu tinha de ficar explicando que minha empresa não tinha caminhões e armazéns, e que comércio eletrônico é um serviço de informações, de inteligência. E que, se era serviço, o recolhimento seria de ISS.

Outro pesadelo estava na localização.  Minha empresa ficava no 1o andar de um edifício comercial, o que sempre causava   confusão na papelada que eu preenchia. Os funcionários achavam aquilo muito esquisito — se era comércio, então tinha de ser lá embaixo, no térreo.

EXAME PME - Uma mesma empresa que, no Brasil, demora quatro meses para ser legalizada, seria regularizada em cerca de um mês nos demais países do Bric. Por que aqui é mais lento?

Ribeiro - Um motivo é a necessidade de investimentos em tecnologia e processos, que permitiriam automatizar muita coisa hoje feita no papel, na mão. Outro é que cada parte da máquina burocrática pede um formulário diferente. Boa parte das informações é a mesma — mas os formulários não são padronizados. O do INSS tem um formato, o que vai para o Ministério do Trabalho tem outro, o FGTS, outro, e assim por diante.

EXAME PME - E não dá para simplificar?

Ribeiro - Dá. Na gestão do presidente Lula, foi criado o Portal do Empreendedor, que considero um grande avanço. O portal surgiu para atender uma nova pessoa jurídica, o mi­croempreendedor individual, que fatura até 60 000 reais por ano. Sua legalização é 100% feita pela  internet em meia hora.

EXAME PME - Por que, nesse caso, foi possível ter um processo mais ágil?

Ribeiro - Houve uma parceria entre a nossa secretaria e a Receita Federal, por onde passa boa parte das informações. Sem o comprometimento do pessoal da Receita, esse portal não seria assim. Além disso, a figura do microempreen­dedor individual é recente e já nasceu mais desburocratizada, sem que dependa de tantos comprovantes quanto as outras pessoas jurídicas que existem há mais tempo.


EXAME PME - Mas o que impede fazer o mesmo com os outros tipos de empresa?

Ribeiro - Nessas tentativas de simplificar, chega um ponto em que não é possível fazer muito mais porque há algum empecilho de natureza legal. Se a lei exige determinado documento para fazer alguma coisa, é preciso cumpri-la.Não dá para arrumar um jeitinho.

Por isso, é de suma importância a discussão de um projeto de lei que está ocorrendo agora em Brasília, que tem o objetivo de revisar o código comercial — a votação deve acontecer num prazo de mais ou menos 90 dias. Nesse caso, o papel da nossa secretaria é subsidiar o Congresso e o Poder Executivo com informações que mostrem a importância de simplificar certas exigências e implantar instrumentos online.

Eles permitiriam ao empreendedor saber, em tempo real, em que pé está determinada solicitação e quanto tempo falta para resolver seu processo, da mesma forma que esses sistemas de courier permitem que o consumidor saiba em que ponto do trajeto está sua encomenda.

EXAME PME - O senhor parece otimista. O que o faz achar que algo vai melhorar logo?

Ribeiro - Sou empreendedor, e um empreendedor tem de ser otimista. Tenho confiança no discernimento das pessoas que compõem o Poder Legislativo de que um código comercial mais eficiente é fundamental. Os empreendedores brasileiros precisam muito que aspectos como os processos de exportação e importação sejam menos complicados e mais rápidos.

EXAME PME - E se os parlamentares não forem como o senhor acredita?

Ribeiro - Se a burocracia continuar como está, os negócios não vão evoluir tão rapidamente como poderiam. Isso significa perder a competitividade que nos permitiria ocupar terrenos que representam grandes oportunidades, sobretudo para as pequenas e médias empresas. O mundo demanda serviços eficientes e de baixo custo em muitos mercados nos quais nossos empreendedores são bons. Temos ótimos médicos.

Temos sistemas de ensino a distância de qualidade. O cinema nacional deslanchou. O turismo é outra enorme oportunidade. Pequenas e médias empresas podem exportar serviços em todas essas áreas. É um absurdo deixar que a burocracia continue atrapalhando tanto. Se não fizermos nada agora, o futuro vai nos cobrar.

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