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Uma estudante de direito contra a Amazon

Em livro, americana denuncia monopólio da varejista e explica por que fazer os consumidores felizes não é o suficiente.

Lina Khan, a estudante de direito que denunciou monopólio da Amazon nos EUA (Brandon Thibodeaux/The New York Times)

Lina Khan, a estudante de direito que denunciou monopólio da Amazon nos EUA (Brandon Thibodeaux/The New York Times)

Mariana Desidério

Mariana Desidério

Publicado em 23 de setembro de 2018 às 07h00.

Última atualização em 23 de setembro de 2018 às 07h00.

Os velhos livros estão no último andar da biblioteca de Direito da Universidade Metodista do Sul.

"Dilema Antitruste", "O Impulso Antitruste", "Antitruste na Economia em Expansão", prateleiras e mais prateleiras de volumes ignorados há décadas. Há uma dúzia de livros grossos com transcrições de audiências do Congresso sobre o poder do monopólio em 1949, quando o mundo estava em ruínas e os soviéticos, em marcha. Os legisladores acreditavam que a concentração econômica tornaria os EUA mais vulneráveis.

No final da seção, há uma mesa ao lado da janela. "Este é o meu posto de comando", disse Lina Khan.

Na verdade, é um canto simples. Alguns livros estão amontoados aleatoriamente ao lado de uma garrafa com água e outra com chá. Khan passou um bom tempo em Dallas no ano passado, trabalhando em um argumento sobre o poder monopolista que tem como alvo uma das empresas mais admiradas, reservadas e temidas da nossa era: a Amazon.

Ela domina esmagadoramente o comércio on-line, emprega mais de meio milhão de pessoas e mantém funcionando grande parte da internet através de sua divisão de computação em nuvem. Por um breve período, tornou-se a segunda empresa a valer um trilhão de dólares.

Se os concorrentes tremem com as ambições da Amazon, os consumidores estão satisfeitos com sua rapidez de entrega e preços baixos. Eles assistem a seus filmes vencedores do Oscar e pedem que a empresa construa uma segunda sede em suas cidades. Pode-se dizer que poucos clientes acreditam precisar ser protegidos contra ela.

Só que, até recentemente, ninguém se preocupava com Facebook, Google ou Twitter; agora, os políticos, os meios de comunicação, acadêmicos e reguladores estão trabalhando em ideias que, metafórica ou literalmente, diminuiriam o tamanho dessas empresas. Os membros do Congresso interrogaram executivos de redes sociais em mais uma rodada de audiências no Congresso. Desde que o Departamento de Justiça enfrentou a Microsoft, em meados da década de 1990, os gigantes de tecnologia não eram esmiuçados como estão sendo agora.

A Amazon tem uma receita maior que a do Facebook, do Google e do Twitter juntas, mas, no geral, está livre de investigações. Só que isso está começando a mudar, e uma das maiores razões é Khan.

No início de 2017, quando era estudante de Direito, ela publicou "Amazon's Antitrust Paradox" (O paradoxo antitruste da Amazon) no jornal de Direito de Yale. Seu argumento foi contra um consenso em círculos antitruste que remonta aos anos 1970 – o momento em que a regulamentação foi redefinida para se concentrar no bem-estar do consumidor (basicamente em relação aos preços). Como a Amazon é conhecida por seus preços baixos, pareceria estar salva da intervenção federal.

Khan discordou. Em mais de 93 páginas, recheadas de notas de rodapé, ela defende a ideia de que a empresa não deve ser isenta do comportamento anticoncorrência só porque deixa os clientes felizes. "Uma vez que as leis monopolistas robustas foram marginalizadas, a Amazon, por consequência, está acumulando um poder estrutural que lhe permite exercer um controle cada vez maior sobre muitas partes da economia", escreveu Khan.

Como tem muitos dados sobre inúmeros clientes, está disposta a renunciar aos lucros; a empresa é tão agressiva e tem tantas vantagens por causa de sua infraestrutura de entregas e armazéns que exerce uma influência muito mais ampla que sua quota de mercado. Ela lembra as poderosas ferrovias da era progressiva, escreveu Khan: "Os milhares de varejistas e empresas independentes que precisam utilizar a Amazon para chegar ao mercado estão cada vez mais dependentes de seu maior concorrente".

Seu texto tem 146.255 acessos, um best-seller no mundo dos tratados legais. Essa popularidade abalou o establishment antitruste e está transformando Khan em uma celebridade nos corredores de Washington.

Ela tem seus próprios críticos agora: vários estudiosos encontraram falhas em suas propostas de reviver e expandir leis antitruste, e alguns tentaram diminuir seu trabalho com o rótulo zombeteiro "antitruste hipster". Sem vontade, ou talvez sem capacidade, de aceitar que uma mulher tenha escrito um texto legal inovador, eles continuam falando sobre homens barbados.

Khan nasceu em Londres, de pais paquistaneses que emigraram para os Estados Unidos quando tinha 11 anos. Aos 29, a crítica da Amazon, cuja conta está basicamente inativa, é recém-casada com um médico do Texas que usa seu Amazon Prime o tempo todo. Ela tinha planos de se mudar para Los Angeles em meados deste ano, onde trabalharia com Stephen Reinhardt, juiz do 9º Circuito Americano do Tribunal de Apelações e ícone liberal, mas ele morreu repentinamente, em março. Agora, Khan está pronta para assumir uma bolsa de estudos em Columbia, e também vem considerando outros projetos. Muita gente busca seus conselhos sobre como enfrentar grandes empresas de tecnologia.

"Como consumidores e usuários, amamos essas empresas de tecnologia, mas como cidadãos, trabalhadores e empresários, reconhecemos que seu poder é preocupante. Precisamos de um novo quadro, um novo vocabulário para avaliar e abordar seu domínio", disse ela.

Na biblioteca SMU, em Dallas, Khan buscava esse vocabulário. Esses livros antigos, muitos de uma época que antecedeu a era da lei do monopólio baseada no preço, foram uma influência e uma inspiração. Em junho, ela afirmou que estava planejando transformar seu ensaio em um livro.

Então, sua vida mudou e ela passou repentinamente de uma intrusa propondo reformas para uma iniciada formulando políticas. Rohit Chopra, novo integrante democrata na Comissão Federal de Comércio, convocou-a como conselheira temporária em julho, época em que foram subitamente levantadas questões urgentes sobre privacidade, dados, concorrência e antitruste. A comissão está conduzindo uma série de audiências agora, as primeiras desse tipo desde 1995, para discutir se uma economia em mudança exige um controle diferente.

As audiências vão começar em breve. Dois painéis vão debater se as leis antitruste devem manter seu foco restrito ou, como Khan propôs, expandir seu alcance.

"A ideia de que o questionamento seria uma heresia está sendo abertamente contestada hoje. Estamos finalmente começando a examinar como as leis antitruste, que se originaram da profunda suspeita da concentração de poder privado, agora muitas vezes o promovem", disse ela.

As vozes originais e genuínas são raras nos círculos políticos de Washington, e Chopra está feliz por ter Khan a seu lado. "É raro encontrar um prodígio legal como Lina Khan. Nada em sua carreira é típico. Você não vê muitos estudantes de Direito publicando pesquisas inovadoras ou que tenham um impacto tão profundo com tanta rapidez."

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