TORCEDORAS NO FUTEBOL FEMININO: a audiência das mulheres chegou a quadruplicar durante os Jogos / Pilar Olivares/ Reuters
Carolina Riveira
Publicado em 25 de agosto de 2016 às 17h23.
Última atualização em 8 de junho de 2020 às 15h32.
Antes das Olimpíadas do Rio, a única vez que Vandresa Machado tinha pisado em uma arena esportiva foi há cinco anos, quando assistiu com o marido a uma partida entre Flamengo e Corinthians, no Engenhão, no Rio.
Mesmo não acompanhando nenhum esporte, a administradora de 35 anos decidiu aproveitar a possibilidade de ver os maiores atletas olímpicos reunidos em casa, e foi à Barra da Tijuca assistir a confrontos de esgrima. Além disso, acompanhou pela TV modalidades como vôlei, basquete, handebol, atletismo, salto com vara, ciclismo e nado sincronizado. “Passei a conhecer esportes que antes desconhecia, e talvez eu continue acompanhando mesmo depois do fim das Olimpíadas”, diz.
A Olimpíada teve o maior número de atletas femininas da história – cerca de 45% dos quase 11.000 inscritos. Nas arquibancadas e na sala de casa, os Jogos Olímpicos também foram uma oportunidade para que muitas brasileiras começassem a acompanhar esportes. Só no canal Sportv, a audiência feminina durante os 17 dias de jogos foi quatro vezes maior que o normal.
Foi uma injeção de frescor num mercado ainda predominantemente masculino. E uma amostra, para as emissoras, de que há um enorme público a ser conquistado. Seria um ótimo negócio. No Brasil, as mulheres representam 51% da população, sustentam 37% das famílias e respondem por 57% do total de estudantes universitários – tendo também mais anos de escolaridade do que os homens, segundo dados de 2013 do IBGE.
Em três das principais emissoras esportivas de TV paga no Brasil – ESPN, Esporte Interativo e Globosat, que responde pelos canais SporTV, Combate e Premiere -, a audiência feminina representa cerca de um terço do total. Na transmissão da última temporada da NFL, liga de futebol americano, a ESPN afirma que as mulheres foram 44% dos espectadores.
Esporte mais popular do país, o futebol é o maior dos exemplos da baixa participação feminina na torcida. Uma pesquisa da Pluri Consultoria ouviu 1.122 mulheres em seis capitais brasileiras e mostrou que apenas 6% delas foi a um estádio de futebol entre 2012 e 2014. Dentre os quase 800.000 sócio-torcedores dos 12 clubes de futebol mais populares do Brasil, apenas 17% são mulheres. No Barcelona, a participação feminina é de 26%.
A pouca participação das mulheres na audiência esportiva não é culpa da falta de interesse. Um estudo de 2014 da agência de pesquisas Repucom, feito em 24 países, mostrou que 46% das mulheres se diz interessada em esportes, ante 69% dos homens. O mesmo levantamento aponta que, no Brasil, 34% das mulheres se interessam em ir a eventos esportivos e 47% se interessam por assisti-los na TV. Na final da Copa do Mundo de 2014, metade da audiência nas televisões brasileiras era feminina. Nestas Olimpíadas, o futebol foi uma das modalidades mais assistidas pelas mulheres no SporTV – assim como vôlei, ginástica, basquete e judô.
Para ampliar o público, linguagem importa. Um estudo da Universidade Cambridge, no Reino Unido, usou uma base de 160 milhões de palavras coletadas na imprensa mundial em língua inglesa para verificar como as mulheres eram mencionadas na cobertura de esportes. Os resultados mostraram que as expressões usadas para se referir às mulheres elas giram em torno de aparência, roupas e vida pessoal – enquanto atletas masculinos são acompanhados por palavras como “grande”, “ótimo” e “forte”, mulheres atletas levam “casada” e “grávida” como adjetivos.
Uma das explicações para esse tipo de associação é o fato de a maioria dos jornalistas e comentaristas serem homens. Por isso, a ordem da vez nas emissoras é: menos mulheres cumprindo apenas o papel da apresentadora bonita, mais repórteres e comentaristas. O Esporte Interativo, por exemplo, tem em seus quadros a jornalista Clara Albuquerque, única comentarista de partidas de futebol masculino em atividade no Brasil.
Para Fabio Medeiros, diretor de conteúdo do canal, ter uma equipe com mais mulheres não é determinante para os números de audiência feminina. Mas pode ajudar. “Nossa crença é que mulheres e homens querem ver jogos bem narrados e bem comentados e é isso o que buscamos”, diz. “Agora, é claro que a identificação é importante.”
Conteúdo especial?
Dona dos canais Combate, SporTV e Premiere Futebol Clube, a Globosat aponta que sua audiência feminina quase dobrou de 2009 para cá – as campeãs na preferência feminina são as lutas do Combate, que tem 36% da audiência, ante 32% do total. Em 2015, o SporTV também foi o canal adulto da TV paga mais assistido entre as mulheres com mais de 35 anos.
Contudo, não está nos planos da Globosat fazer nenhum tipo de ação específica para o público feminino. “Claro, preciso me preocupar se estou agradando às mulheres, porque elas também são relevante no nosso universo. Mas por que eu vou tratar a mulher diferente se ela gosta do mesmo conteúdo?”, diz Bianca Maksud, diretora de Marketing & Produto dos canais esportivos da Globosat.
A estratégia muda um pouco na ESPN. Na comemoração do Dia da Mulher, em 8 de março deste ano, a emissora lançou no Brasil a versão nacional do site espnW, com conteúdo de esporte feminino e temas como saúde e prática esportiva. Nos Estados Unidos, onde um portal do tipo existe desde 2010, os números chegam a 10 milhões de visitantes únicos todos os meses.
“Acreditamos ser interessante não só para o público, mas para o mercado também, um veículo focado no esporte feminino, com conteúdo produzido especialmente para as mulheres”, afirma German Hartenstein, diretor geral da ESPN Brasil. A ESPN Brasil deverá lançar, em breve, um horário e um programa dedicados exclusivamente para o público feminino em sua grade.
Para Maíra Liguori, do Olga Esporte Clube – projeto da ONG Think Olga com conteúdo esportivo voltado para o público feminino -, é importante que as emissoras passem a levar em conta as mulheres na criação de seu conteúdo, mas não de forma estereotipada. “Ter o chamado ‘olhar feminino’ significa ampliar a cobertura, abordar aspectos humanos, dar um novo viés para as mesmas histórias”, diz.
A grande dúvida é se as mulheres que chegaram para os jogos continuarão a assistir canais de esporte depois que a poeira baixar. O fim das barreiras é um fenômeno visto em cada vez mais mercados. Um exemplo é o ramo dos cosméticos: historicamente visto como feminino, o setor cresceu exponencialmente entre os homens nesta década. Só no Brasil, as vendas de produtos de beleza masculinos aumentaram 150% entre 2010 e 2015, – e a expectativa é que essa alta chegue a 190% até 2020, de acordo com a consultoria Euromonitor.
“Os limites de gênero nunca foram tão frágeis”, diz Cecília Russo, diretora da consultoria Troiano Branding e especialista em hábitos de consumo. “Assim como acontece em outros segmentos, o público feminino tinha sido esquecido na programação esportiva. Há um olhar masculino, fazendo programas masculinos e que querem se comunicar com homens. Mas agora, a mulher está em todos os lugares. Por que não pode estar também no esporte?”, diz.