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Um talibã paulistano

Como Rogério Bezerra fez a marca Baby Roger se destacar no concorrido mercado de fraldas populares

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

NOME: Rogério Nogueira Bezerra

IDADE: 32 anos

ESTADO CIVIL: casado há dez anos

FILHOS: dois (Roger, de 6 anos, e Bárbara, de 9)

ESCOLARIDADE: 2o grau completo

RELIGIÃO: católica. "Rezo pelo menos três vezes ao dia e ajudo entidades assistenciais."

LIVRO PREFERIDO: Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, de Dale Carnegie. "É excelente, ensina a lidar com os outros. Mostra que o relacionamento é mais importante que o conhecimento."

HOBBY: assistir a filmes sobre mafiosos."Adoro O Poderoso Chefão."

JOIAS: um colar de ouro com o logotipo da Baby Roger pendurado e um anel, também de ouro, ilustrado com um cifrão. "Mandei fazer os dois em 1998. E não tiro de jeito nenhum."

LEMA: "Continuar fazendo a mesma coisa e esperar resultados diferentes é insanidade mental".

Quando se instalou no Brasil, no fim de 1997, a mexicana Mabesa, terceira maior fabricante de fraldas

descartáveis da Amé- rica Latina, decidiu apostar em produtos para as classes populares. Com essa estratégia, em menos de cinco anos tornou-se uma das líderes do mercado brasileiro, desbancando gigantes como a Johnson & Johnson. Na mesma época em que a Mabesa chegava ao Brasil, o empresário paulistano Rogério Nogueira Bezerra tomava uma decisão arriscada: fechava sua loja de confecções para investir na produção de fraldas descartáveis. Bezerra tinha três pequenas máquinas caseiras, um punhado de funcionários e um monte de dívidas. Pela natureza amadora da produção, o público-alvo só podia ser as classes C e D, disputando o mesmo mercado que a Mabesa tinha avaliado como o mais promissor. Deu certo?

Bezerra é hoje dono de uma bem-sucedida marca talibã -- marca popular que, com agilidade, operações enxutas e espírito guerrilheiro, consegue causar estragos nos produtos líderes. O nome é o mesmo desde o início, Baby Roger -- Roger é como se chama o filho caçula de Bezerra. Com 80 funcionários e três máquinas automáticas, produz de 8 milhões a 10 milhões de unidades por mês numa fábrica de 9 000 metros quadrados no município de Várzea Paulista, a 49 quilômetros de São Paulo. Se Bezerra teve a sorte de escolher o nicho certo na hora certa, teve também habilidade para sobreviver num setor muito concorrido. Segundo o instituto de pesquisas ACNielsen, em 2001 as marcas baratas detinham 43% de participação no total de vendas -- contra 25% em 1998. "Boa parte das pequenas empresas que surgiram na esteira do crescimento do mercado já fechou", diz o executivo Sammy Roger Ewald, diretor-presidente da Mabesa.

A entrada de Bezerra no mercado de fraldas foi casual. Em dezembro de 1992, aos 22 anos, montou uma loja de confecções com a mulher no bairro paulistano do Brás. O negócio foi bem até 1995, quando a inadimplência o obrigou a fechar as portas. Para continuar como comerciante, Bezerra assumiu o controle -- e as dívidas -- da loja de roupas do sogro. Ali havia, abandonada, uma máquina caseira de fazer fraldas. A pedido da mulher, Bezerra começou a fabricar algumas peças para atrair clientes. A demanda foi aumentando, e Bezerra decidiu investir numa segunda máquina caseira. "As fraldas vendiam bem, mas não davam lucro. O negócio era muito pequeno." Surpreendendo amigos e parentes, Bezerra resolveu fechar a loja e abraçar de vez a atividade industrial. Comprou a terceira máquina e, no final de 1997, transferiu a produção para um galpão na Vila Maria. Ele precisava de uma máquina maior e mais eficiente -- as suas não faziam mais do que dez fraldas por minuto. Lembrou-se então do empresário italiano Volnero Freddo, conhecido por sua habilidade em consertar, adaptar e construir equipamentos. Na época, Freddo começava a fazer máquinas de fraldas descartáveis (veja quadro na página seguinte).

Módicas prestações

A máquina encomendada pela Baby Roger tinha capacidade para fabricar 45 fraldas por minuto, sem acabamento. Custava 7 000 reais, valor que Bezerra não tinha para pagar à vista. Freddo aceitou dividir o preço em três parcelas iguais. "Pouco antes de cair o primeiro cheque, Rogério me pediu para não depositá-lo", diz Freddo. "Em vez de três, foram umas 17 parcelas." Apesar do atraso no pagamento, Freddo e Bezerra tornaram-se amigos. Obcecado por produzir mais, Bezerra pedia adaptações constantes no equipamento. Não era raro Freddo ser tirado da cama para ir à fábrica da Baby Roger no meio da noite. Com os ajustes feitos na máquina, a capacidade de produção aumentou para 80 fraldas por minuto. "De todos os meus clientes, Rogério é o que sabe tirar mais das máquinas e dos funcionários", diz Freddo. Graças ao sistema modular criado pelo italiano, Bezerra conseguiu substituir cada processo manual por um automático. Hoje, a mesma máquina ainda é utilizada na Baby Roger, produzindo 150 fraldas completas por minuto.

Em dezembro de 2000, Bezerra investiu 350 000 reais em outra máquina de Freddo, totalmente automatizada. Em janeiro de 2001, com financiamento do BNDES, adquiriu uma máquina para fazer fraldas geriátricas. Também no ano passado, a Baby Roger lançou sua segunda marca infantil, a Ba-bi Baby. Ela atendeu a duas necessidades: uma mercadológica, outra familiar. Bezerra estava sofrendo com a concorrência de fabricantes caseiros e resolveu criar um produto ainda mais barato. E aproveitou para corrigir uma injustiça: sua filha Bárbara, que reclamava do privilégio do irmão, Roger, foi homenageada no nome do produto.

O passo decisivo da Baby Roger para abandonar o amadorismo foi a inauguração, no início deste ano, de uma fábrica em Várzea Paulista (o galpão da Vila Maria foi transformado num depósito). Hoje a empresa conta com um laboratório de controle de qualidade, com um serviço 0800 de atendimento ao consumidor e até com um pediatra para responder às dúvidas das consumidoras. Na hora de contratar, Bezerra tenta suprir deficiências na área produtiva com ex-funcionários de multinacionais. Mas nem todos se encaixam no espírito do que Bezerra chama de "família Baby Roger". "Já demiti funcionários que tinham um ótimo currículo, mas tratavam mal os outros", afirma.

Para ajudá-lo no processo de profissionalização, Bezerra contratou o diretor Paulo Pancracio, que tem anos de experiência como representante comercial e é pós-graduado em marketing. "A Baby Roger vai muito bem na periferia, mas precisa chegar ao grande varejo", diz Pancracio. A empresa já vende para a rede Sendas no Rio de Janeiro -- no passado, chegou a fabricar as fraldas que serviam como primeiro preço (marca mais barata) no Pão de Açúcar. Pancracio acompanhou Bezerra numa viagem à Suíça este ano para visitar uma das maiores feiras de descartáveis do mundo. De lá saíram idéias para criar produtos mais sofisticados, para consumidores das classes A e B. Para esse mercado, a Baby Roger já faz lenços umedecidos. "Os pequenos fabricantes estão cada vez mais distantes de nós", diz Bezerra.

Entre seus concorrentes está a Diguinho, que produz fraldas e calças plásticas. Seu proprietário, Carlos Antonio de Andrade Alves, conhece Bezerra desde a época de comerciante. "Ele é um lutador. A cada venda que fazia, ia descontar uma duplicata", diz Alves, que já esteve entre os credores de Bezerra e chegou a ser seu fiador. Embora a Diguinho e a Baby Roger disputem o mesmo mercado, seus proprietários trocam gentilezas. "Quando lançou seu pacote com mais unidades por embalagem, Rogério me sugeriu que fizesse o mesmo porque estava vendendo bem", afirma Alves.

A Baby Roger vive hoje um momento de decisão: com a busca de novos mercados, terá de aumentar a produção. Isso exigirá novos investimentos -- justo agora que Bezerra acabou de pagar suas dívidas da época de comerciante. "Em pouco tempo, pretendo adquirir uma máquina igual à dos grandes fabricantes." Se a Baby Roger continuar crescendo, Bezerra acredita que surgirão propostas para vender a empresa. Ele aceitaria? "Sim. Eles vêm com muito dinheiro, e isso mexe com qualquer um."

Sob medida para os nanicos

Quando os pequenos fabricantes de fraldas decidem aumentar a produção, esbarram no mesmo problema: entre as ineficientes e baratas máquinas caseiras e os milionários equipamentos industriais, não existe quase nenhuma opção. O "quase" fica por conta do italiano Volnero Freddo, de 60 anos. Sua empresa, a Maqmantas, no município de Jundiaí, especializou-se em fabricar máquinas semi-automáticas, que custam cerca de 13 000 reais e atendem às necessidades de quem precisa produzir mais, mas tem pouco dinheiro para investir. Freddo também produz máquinas totalmente automáticas, que custam em torno de 280 000 reais. Ciente de que os pequenos fabricantes dificilmente conseguem juntar tanto capital, o italiano criou um engenhoso sistema de produção. "Em todas as máquinas que fabrico, dá para adquirir módulos separados", diz Freddo. "Quem não pode pagar por uma toda automática vai comprando aos poucos e aperfeiçoando o que tem." Foi o que fez o empresário Rogério Bezerra, da Baby Roger.

Freddo trabalha com o filho, a nora e mais 13 funcionários. Atende a pedidos de várias regiões do país, do Paraná a Sergipe. O italiano se orgulha da rusticidade de seus equipamentos, que requerem pouca manutenção. "Faço peças com sobras, o que aumenta sua durabilidade", afirma. "Não sou engenheiro, não fico fazendo cálculos para saber milimetricamente o tamanho mínimo que a peça precisa ter para agüentar o uso."

Freddo chegou da Itália em 1953. No ano seguinte, durante a 4a série do primário, brigou com a professora e nunca mais voltou a estudar. Seu primeiro emprego foi em 1966, na Krupp, onde aprendeu muito sobre mecânica. Passou por empresas como General Motors e Bosch. "Nos cursos de hidráulica, eu tirava notas mais altas que as dos engenheiros." Freddo atribui sua habilidade em projetar máquinas à experiência que teve como supervisor de uma fábrica de absorventes e às suas visitas a eventos do setor de descartáveis. "O que vejo, guardo na cabeça. Depois, tento fazer parecido na minha empresa", diz Freddo. "Nas feiras que visito, o pessoal que me conhece brinca: Escondam a máquina que o Freddo vai copiar tudo! "

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