Suspensão de reajuste dos planos de saúde pode virar bomba em 2021
ANS afirma que valores não adicionados esse ano serão aplicados no ano que vem; para advogado, consumidor corre risco de ter mega reajuste no ano que vem
Mariana Desidério
Publicado em 26 de agosto de 2020 às 14h02.
Última atualização em 26 de agosto de 2020 às 14h51.
A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) publicou nesta quarta-feira novas definições sobre os reajustes dos planos de saúde . A agência havia definido na última sexta-feira que estão suspensos os reajustes de planos de saúde pelos próximos 120 dias. Mas alguns pontos ficaram sem definição e foram esclarecidos pela agência.
Dentre as dúvidas estava como ficam os reajustes após o fim do prazo. Pelo esclarecimento da ANS, as cobranças de reajuste e de mudança de faixa etária voltam a ser feitas a partir de janeiro de 2021. A agência diz ainda que a recomposição de valores não aplicados este ano será realizada no ano que vem.
Para o advogado Marcos Patullo, sócio do escritório Vilhena Silva Advogados, que é especializado em direito à saúde, a expectativa é que os reajustes em 2021 sejam muito maiores, o pode gerar problemas sérios aos consumidores no ano que vem. “A agência deixou claro que vai haver cobrança retroativa no ano que vem. O que preocupa é saber se essa diferença que será cobrada depois será fiscalizada, para que não haja cobrança indevida. Vejo como um cavalo de troia, o consumidor não será cobrado agora, mas vai ser surpreendido lá na frente”, afirma.
Outra dúvida era sobre como ficam os planos que já tiveram reajuste esse ano. A agência definiu que, nesses casos, a mensalidade deverá ser cobrada sem o reajuste pelos próximos 120 dias. A exceção é para os planos coletivos empresariais com 30 vidas. Nesses casos, se o reajuste já tiver sido definido, as mensalidades serão mantidas da forma acordada entre as partes e não haverá suspensão do reajuste. Para os casos em que os percentuais não tiverem sido definidos, o reajuste não poderá ser aplicado entre setembro e dezembro. Nesses casos, a empresa contratante também pode optar por não ter o reajuste suspenso.
A ANS destaca que para os planos coletivos com 30 vidas ou mais com aniversário contratual a partir de setembro de 2020 as negociações devem ser mantidas para a definição dos percentuais de reajuste, sendo que a cobrança das mensalidades reajustadas ocorrerá a partir de janeiro de 2021.
Entenda a suspensão do reajuste
A suspensão dos reajustes dos planos de saúde veio após manifestação do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), que criticou o aumento nas mensalidades e disse que, se a ANS não tomasse providências, a Câmara votaria um projeto sobre o tema.
Dentre as justificativas para a suspensão estão os altos lucros conquistados pelas grandes operadoras de planos de saúde nos últimos meses. Com procedimentos eletivos adiados e a população com medo de sair de casa, a procura por serviços médicos caiu, reduzindo os custos dessas companhias.
A operadora de planos de saúde Hapvida teve lucro de 278,6 milhões de reais no segundo trimestre, um aumento de 25% em relação ao mesmo período do ano anterior. A Notredame Intermédica teve lucro de 223,6 milhões no período, mais que o dobro do registrado no mesmo período de 2019. Na SulAmérica , o lucro no período foi de 498,3 milhões de reais, alta de 91% em relação a 2019.
Ainda assim, beneficiários começaram a receber informes de reajustes bem acima da inflação (como é praxe nesse mercado). No Vilhena Silva Advogados, o maior reajuste registrado em 2020 foi de 16%. O presidente da Câmara citou reajustes de 25%. O IPCA acumulado nos 12 meses até julho de 2020 foi de 2,31%.
Esses reajustes valem apenas para os contratos empresariais ou coletivos por adesão. Nos contratos individuais ou familiares o percentual máximo de reajuste é definido pela ANS. Neste ano, por conta da pandemia, a agência não estabeleceu percentual, suspendendo o reajuste do ano. Com a decisão da última sexta-feira, a ANS criou uma barreira também para os reajustes de planos coletivos e empresariais, até dezembro de 2020.
A medida levanta a questão sobre a definição do reajuste desses planos, que historicamente ficam muito acima da inflação geral ou mesmo reajuste permitido pels ANS aos planos individuais.
A avaliação de quem acompanha o setor é de que a ANS demorou para agir. Entidades do setor, como a Anab (Associação Nacional das Administradoras de Benefícios), já haviam solicitado a suspensão dos reajustes dos planos coletivos por adesão em abril.
Em nota, a Fenasaúde, entidade que representa 16 das maiores operadoras de planos, afirma que vai tomar as providências para cumprir as determinações a respeito da suspensão de reajustes por 120 dias e que suas operadoras já haviam suspendido os reajustes entre maio e julho.
A entidade afirma ainda que os reajustes recém-aplicados a alguns contratos “refletiam a variação de custos verificada ao longo de 2019” e não tinham “qualquer relação com o comportamento da oferta e da demanda por procedimentos médicos verificado nos últimos meses”.