Recomeço na Líbia ainda é incerto para empresas brasileiras
Companhias estão sem perspectiva de retorno. Não bastassem os problemas do pós-guerra, atuais governantes não têm mais tanta simpatia pelo Brasil
Da Redação
Publicado em 12 de novembro de 2011 às 10h26.
Neste outono na Líbia , não há mais a ditadura de Muamar Kadafi, nem estrondos de bombas horrorizando a população. A estação trouxe outra boa notícia: a eleição pelo Conselho Nacional de Transição (CNT) do empresário Abdel Raheem Elikib para dirigir o país enquanto uma nova Constituição é confeccionada e eleições para meados de 2012 são preparadas. O cenário político começa a desanuviar, mas o econômico segue incerto. Ainda não há a menor expectativa para que empresas estrangeiras voltem a operar normalmente no país.
Neste cenário, o Brasil conta com uma desvantagem em relação a outras nações: o passado recente permeado por relações cordiais entre o ex-ditador e o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e por um posicionamento contrário do Itamaraty às revoltas rebeldes e ataques da coalizão. Das quatro companhias brasileiras que operam na Líbia (Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Petrobras), nenhuma vislumbra qualquer possibilidade de voltar ao país árabe no curto prazo.
As razões que impedem o recomeço são várias – sobretudo burocráticas e diplomáticas. Em primeiro lugar, é preciso que a embaixada nacional volte a funcionar na capital líbia, Trípoli. Só depois disso, as empresas poderão se reestabelecer. Como elas não são donas dos ativos no país, mas sim apenas operadoras, é necessário autorização do governo para o recomeço. A etapa seguinte seria trazer de volta os funcionários – muitos deles vietnamitas, filipinos e tailandeses.
De acordo com o Itamaraty, isso só ocorrerá quando um governo, que não seja provisório, for reconhecido por organismos mundiais. No momento, vistos e outros despachos entre a Líbia e o país são feitos no consulado brasileiro de Túnis, na Tunísia. “É preciso ter segurança para que as empresas importem novamente essas pessoas”, afirma o embaixador Paulo Cordeiro, subsecretário-geral do Itamaraty para África e Oriente Médio.
Futuro incerto – Superada a questão burocrática, restam impasses preocupantes. O principal é a falta de garantias de que os contratos de empresas brasileiras com o estado líbio serão mantidos pelo novo governo. Isso ocorre não somente porque o ex-presidente Lula não tinha pudor em elogiar e tirar fotos ao lado do ex-ditador líbio, mas também porque o governo atual não apoiou a aliança de países e grupos rebeldes nos ataques às tropas fiéis à Kadafi. Na época, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) divulgou nota defendendo o fim dos ataques aéreos – ato que gerou desconforto entre os líderes rebeldes que hoje estão do comando do país.
Neste caso, a avaliação de economistas e cientistas políticos é que a lógica de alianças impere, o que significa que as nações que serão mais agraciadas com oportunidades de negócio na reconstrução líbia devem ser justamente as que apoiaram as revoltas. Entre elas estão França, Itália, Egito e Tunísia, além da Coreia do Sul – esta última por ter esperado pacientemente ao longo de décadas pelo cumprimento de promessas feitas pela ditadura Kadafi. Segundo o embaixador Cordeiro, que esteve em Trípoli conversando com autoridades no início de outubro, as atuais lideranças do CNT já afirmaram que estabelecerão prioridades na continuidade das obras, além de revisar todos os contratos detalhadamente, pois acreditam que tenha havido favorecimento de empresas e corrupção durante a gestão anterior – que, aliás, durou 42 anos.
Impasse – As empresas brasileiras, neste contexto, encontram-se de mãos atadas. Procuradas pelo site de VEJA, todas afirmaram que não sabem quando nem como irão restabelecer suas operações na Líbia. A incerteza é tamanha que, em um estudo publicado há poucos dias pela Economist Intelligence Unit (EIU), a Petrobras não é nem mesmo citada como possível nome na retomada da exploração de petróleo no país – ao contrário de empresas como a espanhola Repsol, a italiana Eni e a estatal Arabian Gulf Oil Company (Agoco), sediada em Bengazi.
O estado das instalações das companhias é outro desafio que atravanca o recomeço dos trabalhos. “O ritmo de recuperação do setor dependerá da situação das áreas de produção, dos efeitos da inatividade nos campos de extração e da capacidade dos novos líderes políticos em concordar sobre a administração”, informa o relatório da EIU. As exportações de petróleo da Líbia ficaram paralisadas durante a guerra, com apenas dois carregamentos deixando os portos do país até setembro deste ano, quando então os primeiros fluxos começaram a voltar ao mercado. Antes do conflito, eram 1,3 milhão de barris por dia enviados ao exterior.
À espera de uma contrapartida – No caso da construção civil, o cenário tampouco é animador. A Odebrecht – principal empresa brasileira no país – manteve mais de 700 funcionários líbios recebendo salários ao longo de oito meses de inatividade. Com isso, aguarda uma contrapartida do governo líbio na forma de manutenção dos contratos firmados durante a ditadura Kadafi. A empresa está presente na Líbia desde 2007 com dois grandes projetos de infraestrutura: um anel rodoviário e dois terminais do aeroporto internacional de Trípoli. A construtora teve de evacuar suas instalações em fevereiro, reenviando a seus respectivos países todos os 3.500 funcionários estrangeiros. Uma reportagem do jornal O Estado de São Paulo, publicada em setembro, informava que, desde o primeiro semestre, as instalações onde a Odebrecht operava vinham sendo saqueadas. A empresa negou o fato por meio de sua assessoria de imprensa.
Outra complicação se dá pelo fato de muitas das obras de infraestrutura terem sido atingidas pelos bombardeios. Assim, não bastassem a revisão dos contratos e a escolha das empresas que prosseguirão na Líbia, o novo governo terá de renegociar valores. Aí vem à tona um sentimento mais otimista por parte dos brasileiros. A expectativa das empresas é que, graças à flexibilidade de negociação dos executivos do país e aos preços competitivos que praticam no mercado internacional, haja chance de que consigam reverter o desconforto diplomático. Em 2010, o Produto Interno Bruto (PIB) da Líbia foi de 71,3 bilhões de dólares, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Para 2011, o órgão estima que o conflito custará aos habitantes cerca de 35 bilhões de dólares. Diante disso, ainda que tudo corra bem para as empresas brasileiras na continuidade de seus projetos, um futuro glorioso ainda se mostra distante.
Neste outono na Líbia , não há mais a ditadura de Muamar Kadafi, nem estrondos de bombas horrorizando a população. A estação trouxe outra boa notícia: a eleição pelo Conselho Nacional de Transição (CNT) do empresário Abdel Raheem Elikib para dirigir o país enquanto uma nova Constituição é confeccionada e eleições para meados de 2012 são preparadas. O cenário político começa a desanuviar, mas o econômico segue incerto. Ainda não há a menor expectativa para que empresas estrangeiras voltem a operar normalmente no país.
Neste cenário, o Brasil conta com uma desvantagem em relação a outras nações: o passado recente permeado por relações cordiais entre o ex-ditador e o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e por um posicionamento contrário do Itamaraty às revoltas rebeldes e ataques da coalizão. Das quatro companhias brasileiras que operam na Líbia (Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Petrobras), nenhuma vislumbra qualquer possibilidade de voltar ao país árabe no curto prazo.
As razões que impedem o recomeço são várias – sobretudo burocráticas e diplomáticas. Em primeiro lugar, é preciso que a embaixada nacional volte a funcionar na capital líbia, Trípoli. Só depois disso, as empresas poderão se reestabelecer. Como elas não são donas dos ativos no país, mas sim apenas operadoras, é necessário autorização do governo para o recomeço. A etapa seguinte seria trazer de volta os funcionários – muitos deles vietnamitas, filipinos e tailandeses.
De acordo com o Itamaraty, isso só ocorrerá quando um governo, que não seja provisório, for reconhecido por organismos mundiais. No momento, vistos e outros despachos entre a Líbia e o país são feitos no consulado brasileiro de Túnis, na Tunísia. “É preciso ter segurança para que as empresas importem novamente essas pessoas”, afirma o embaixador Paulo Cordeiro, subsecretário-geral do Itamaraty para África e Oriente Médio.
Futuro incerto – Superada a questão burocrática, restam impasses preocupantes. O principal é a falta de garantias de que os contratos de empresas brasileiras com o estado líbio serão mantidos pelo novo governo. Isso ocorre não somente porque o ex-presidente Lula não tinha pudor em elogiar e tirar fotos ao lado do ex-ditador líbio, mas também porque o governo atual não apoiou a aliança de países e grupos rebeldes nos ataques às tropas fiéis à Kadafi. Na época, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) divulgou nota defendendo o fim dos ataques aéreos – ato que gerou desconforto entre os líderes rebeldes que hoje estão do comando do país.
Neste caso, a avaliação de economistas e cientistas políticos é que a lógica de alianças impere, o que significa que as nações que serão mais agraciadas com oportunidades de negócio na reconstrução líbia devem ser justamente as que apoiaram as revoltas. Entre elas estão França, Itália, Egito e Tunísia, além da Coreia do Sul – esta última por ter esperado pacientemente ao longo de décadas pelo cumprimento de promessas feitas pela ditadura Kadafi. Segundo o embaixador Cordeiro, que esteve em Trípoli conversando com autoridades no início de outubro, as atuais lideranças do CNT já afirmaram que estabelecerão prioridades na continuidade das obras, além de revisar todos os contratos detalhadamente, pois acreditam que tenha havido favorecimento de empresas e corrupção durante a gestão anterior – que, aliás, durou 42 anos.
Impasse – As empresas brasileiras, neste contexto, encontram-se de mãos atadas. Procuradas pelo site de VEJA, todas afirmaram que não sabem quando nem como irão restabelecer suas operações na Líbia. A incerteza é tamanha que, em um estudo publicado há poucos dias pela Economist Intelligence Unit (EIU), a Petrobras não é nem mesmo citada como possível nome na retomada da exploração de petróleo no país – ao contrário de empresas como a espanhola Repsol, a italiana Eni e a estatal Arabian Gulf Oil Company (Agoco), sediada em Bengazi.
O estado das instalações das companhias é outro desafio que atravanca o recomeço dos trabalhos. “O ritmo de recuperação do setor dependerá da situação das áreas de produção, dos efeitos da inatividade nos campos de extração e da capacidade dos novos líderes políticos em concordar sobre a administração”, informa o relatório da EIU. As exportações de petróleo da Líbia ficaram paralisadas durante a guerra, com apenas dois carregamentos deixando os portos do país até setembro deste ano, quando então os primeiros fluxos começaram a voltar ao mercado. Antes do conflito, eram 1,3 milhão de barris por dia enviados ao exterior.
À espera de uma contrapartida – No caso da construção civil, o cenário tampouco é animador. A Odebrecht – principal empresa brasileira no país – manteve mais de 700 funcionários líbios recebendo salários ao longo de oito meses de inatividade. Com isso, aguarda uma contrapartida do governo líbio na forma de manutenção dos contratos firmados durante a ditadura Kadafi. A empresa está presente na Líbia desde 2007 com dois grandes projetos de infraestrutura: um anel rodoviário e dois terminais do aeroporto internacional de Trípoli. A construtora teve de evacuar suas instalações em fevereiro, reenviando a seus respectivos países todos os 3.500 funcionários estrangeiros. Uma reportagem do jornal O Estado de São Paulo, publicada em setembro, informava que, desde o primeiro semestre, as instalações onde a Odebrecht operava vinham sendo saqueadas. A empresa negou o fato por meio de sua assessoria de imprensa.
Outra complicação se dá pelo fato de muitas das obras de infraestrutura terem sido atingidas pelos bombardeios. Assim, não bastassem a revisão dos contratos e a escolha das empresas que prosseguirão na Líbia, o novo governo terá de renegociar valores. Aí vem à tona um sentimento mais otimista por parte dos brasileiros. A expectativa das empresas é que, graças à flexibilidade de negociação dos executivos do país e aos preços competitivos que praticam no mercado internacional, haja chance de que consigam reverter o desconforto diplomático. Em 2010, o Produto Interno Bruto (PIB) da Líbia foi de 71,3 bilhões de dólares, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Para 2011, o órgão estima que o conflito custará aos habitantes cerca de 35 bilhões de dólares. Diante disso, ainda que tudo corra bem para as empresas brasileiras na continuidade de seus projetos, um futuro glorioso ainda se mostra distante.