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Quatro meses sem presidente na Michelin

Como a subsidiária brasileira da Michelin enfrentou uma das piores crises de sua história sem seu principal executivo, morto em um acidente aéreo menos de um mês após assumir o cargo

Ollier, o novo presidente: algumas decisões tiveram de ser adiadas até sua chegada (.)

Ollier, o novo presidente: algumas decisões tiveram de ser adiadas até sua chegada (.)

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Da Redação

Publicado em 3 de maio de 2010 às 10h31.

Em maio do ano passado, o carioca Luis Roberto Anastácio gravou um vídeo para se apresentar como novo presidente aos 4 000 funcionários da fabricante de pneus Michelin para a América do Sul. A apresentação filmada em sua sala na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, foi transmitida para as quatro fábricas da empresa no Brasil e também para os escritórios em oito países da região. A iniciativa era mais um protocolo do que uma necessidade. Aos 50 anos de idade, 27 deles dedicados à Michelin, Anastácio já era um rosto conhecido tanto entre os empregados de chão de fábrica quanto entre gerentes e diretores da companhia.

Ele seguiu um caminho trilhado por alguns antecessores - de técnico ao topo, uma posição para a qual vinha sendo preparado ao longo do ano em que ocupou o cargo de vicepresidente da subsidiária. Uma tragédia, porém, interrompeu bruscamente a previsibilidade desse roteiro: a morte de Anastácio no acidente com o avião da Air France em 31 de maio de 2009. Sob o choque da fatalidade, a matriz francesa precisou escolher um novo presidente para a terceira maior operação da companhia no mundo. Durante quatro meses, até que o francês Jean-Philippe Ollier, diretor da divisão global de pneus de avião, assumisse o cargo vago, a subsidiária brasileira da Michelin teve de lidar com uma realidade para a qual pouquíssimas empresas estão preparadas: a ausência de um líder.

O vácuo no poder amplificou a sensação de incerteza gerada pela crise global, que naquela época atingia em cheio os negócios. No primeiro semestre de 2009, a operação brasileira da Michelin teve queda de 40% nas vendas de pneus de carga (caminhões e ônibus), responsável por metade de seu faturamento - no ano as receitas alcançaram cerca de 2 bilhões de reais. A reação da matriz foi imediata. No dia seguinte ao acidente, o executivo da matriz responsável pelo acompanhamento da operação da Michelin na América do Sul, o francês Bernard Vasdeboncoeur, desembarcou no Brasil. Nessa visita, ele apresentou um modelo de decisões provisório. Numa reunião com sete executivos da subsidiária, Vasdeboncoeur anunciou uma medida de emergência - a criação de uma espécie de colegiado, batizado de "comitê de pilotagem de crise". Na prática, o grupo já estava formado desde abril. Composta de sete dos 14 diretores da companhia (das áreas comerciais, industrial, financeira, logística e de recursos humanos), a equipe até então se reunia às segundasfeiras para discutir apenas como reagir à queda na demanda decorrente da crise global. "Tivemos de lidar com uma segunda crise no pior momento de uma primeira, a econômica", afirma Benoit de la Bretèche, diretor de recursos humanos da Michelin América do Sul. "E não tínhamos um plano B."


Ao ser formalizado como o centro de decisão da companhia na ausência de um presidente, o comitê, batizado internamente de "G7", passou por adaptações. Cada um de seus integrantes ficou responsável por trazer para discussão as questões que surgiam entre os outros sete diretores da companhia, de áreas como informática e jurídica. Para tornar viável a decisão por consenso, a familiaridade de todos com as questões internas contou a favor e ajudou a evitar um dos maiores riscos de uma gestão compartilhada - a perda da agilidade. (A média de tempo de casa dos 14 diretores da operação sul-americana é 20 anos.) "Todo mundo sabia com quem deveria conversar para solucionar determinado problema", diz o diretor de comunicação e marcas da Michelin América do Sul, Carlos Eduardo Pinho.

Com essa formação foi possível manter o equilíbrio mesmo nas decisões difíceis, como diminuir em 10% a jornada de trabalho (e negociar com os sindicatos uma redução proporcional de salário) de todos os funcionários entre maio e julho - medida impopular que não poupou nem mesmo os executivos. Um mês depois foi preciso reduzir a apenas 50% a capacidade de produção de uma das fábricas, em Campo Grande, no Rio de Janeiro, o nível mais baixo atingido por uma das unidades industriais da empresa durante a crise. "Eram decisões duras, mas tínhamos de tomá-las", afirma o diretor de pneus de carga Feliciano Almeida, na época diretor da divisão de pneus de mineração e terraplenagem. "A complexidade da transição é muito menor quando existe algum grau de sintonia entre os executivos", afirma a consultora Betania Tanure, especialista em comportamento organizacional.

Durante esses quatro meses, a rotina de comunicação com a matriz também acontecia em grupo. Ao final de cada reunião do comitê, um relatório era enviado à sede da Michelin, em Clermont- Ferrand, na região central da França. Em vez dos habituais telefonemas semanais que mantinha com o presidente brasileiro, Vasdeboncoeur fazia reuniões semanais por videoconferência com os diretores do G7. Porém, mesmo com o comitê funcionando e o acompanhamento próximo, algumas decisões tiveram de esperar a chegada do novo presidente, Ollier. A elaboração do plano estratégico anual só começou em setembro, um mês depois do cronograma habitual. "Tivemos de acelerar os trabalhos para entregar tudo pronto no prazo, em novembro", afirma Ollier. A seleção do novo executivo considerou quatro ou cinco nomes. A favor de Ollier pesou o fato de ele ter trabalhado na subsidiária brasileira entre 1998 e 2005, como o diretor industrial de pneus de passeio e caminhonetes.

Com a chegada de Ollier, os membros do G7 puderam se desfazer de algumas atribuições. As reuniões das segundas-feiras, no entanto, permanecem na agenda. Mesmo com a recuperação do mercado (o nível de ocupação das fábricas já atingiu 80% da capacidade) e com a sala da presidência novamente ocupada, o comitê de pilotagem se manteve. Perdeu apenas a palavra "crise" do nome. Uma das vantagens do modelo, segundo os executivos da companhia, é a interação mais frequente entre os diretores de diferentes áreas, o que permite uma visão mais ampla da empresa. "Estamos conhecendo melhor outras áreas do negócio", diz Almeida, diretor de pneus de carga. "Isso facilita a troca de ideias entre os setores e oxigena a companhia." Uma herança positiva de um período que qualquer empresa gostaria apenas de esquecer.


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