Os próprios consumidores podem levar um produto ao fracasso
Novo estudo sugere que a avaliação de um subconjunto de clientes muito diferente e improvável pode ser de extrema importância na hora de inovar
Da Redação
Publicado em 24 de junho de 2015 às 12h08.
São Paulo - O lançamento de um novo produto no mercado é uma realidade dispendiosa: a pesquisa e a produção incorrem despesas, bem como um grande custo de oportunidade se o produto não vender.
Nem é preciso dizer que as empresas desejam ter todas as informações possíveis dos clientes potenciais antes de o produto chegar às prateleiras.
A maioria dos esforços de pesquisa de mercado, diz Eric Anderson, professor de marketing da Kellogg School of Management, foca nas interações dos clientes com produtos: será que eles gostam? De quais recursos eles gostam e de quais não gostam?
Mas é importante também prestar atenção em quem são esses clientes. A avaliação dos principais usuários, muitas vezes profissionais ou entusiastas com necessidades extremas e percepções especiais, resulta em produtos que os outros clientes gostam mais e que geram mais receita.
Um novo estudo sugere que a avaliação de um subconjunto de clientes muito diferente e improvável pode ser de muita validade. Quem? Anderson, que contou com a participação de seus colegas Song Lin, Duncan Simester e Catherine Tucker neste estudo, denomina-os de "arautos do fracasso."
Assim como a avaliação positiva dos principais usuários sinaliza que um novo produto provavelmente terá sucesso, a avaliação positiva dos arautos sinaliza que um novo produto provavelmente será um fracasso.
Maus presságios
Neste estudo, Anderson e seus colegas usaram dados do programa de cartões de fidelidade de um grande varejista para examinar os hábitos de compra de quase meio milhão de clientes ao longo de um período de dois anos.
Os pesquisadores estavam interessados especificamente na compra de novos produtos: quais ainda estariam nas prateleiras três anos depois, quais não estariam e quem estava comprando os produtos que eventualmente fracassaram?
"É importante lembrar o seguinte: os produtos que estamos analisando são os que avançaram consideravelmente pelo pipeline", afirma Anderson.
"São produtos sobre os quais os fabricantes estudaram, fizeram testes de conceito, conversaram com os clientes, trouxeram aos varejistas e estes os colocaram em exposição para venda experimental em suas lojas.Os varejistas disseram que sim, que eram produtos que desejariam lançar em toda a sua rede, mas não duraram muito tempo".
Apesar deste longo processo, os pesquisadores descobriram que apenas 40% dos novos produtos ainda se encontram nas lojas três anos depois, um número comparável a estimativas anteriores.
Porém, criticamente, a probabilidade de um produto ter sucesso depende não só da quantidade vendida, mas também de quem o compra.
A descoberta surpreendente foi que, quando as vendas aumentam em um segmento de clientes rotulados pelos autores como "arautos do fracasso", o novo produto tem maior probabilidade de fracasso.
Esta descoberta contradiz quase todas as métricas de êxito de novos produtos: como um aumento das vendas pode sinalizar que o produto está prestes a fracassar?
Mas sem dúvida há uma classe muito real de clientes estranhamente atraídos por produtos que nunca se tornarão populares. Tomemos, por exemplo, o Diet Crystal Pepsi, um produto de fracasso notório.
Os clientes que compram um produto como este também são mais propensos a comprar, por exemplo, a Frito Lay Lemonade, outro produto que acabou fracassando.
Qual é o pior dos arautos? Clientes recorrentes, aqueles com tendência a comprar um produto como o Diet Crystal Pepsi não apenas uma vez, mas várias vezes.
Estes clientes definitivamente gostam de produtos que acabam fracassando. Os arautos com histórico de quatro ou mais compras repetidas de um produto fracassado são quase duas vezes mais propensos do que outros clientes a comprar outro produto que se deparará com fracasso.
Clientes com gostos de nicho
O que está acontecendo? Quem são esses arautos que condenam produtos a uma vida útil curta? Estes clientes não parecem fazer compras em horários estranhos e não são também mais propensos a pagar o preço sem desconto dos produtos, o que pode indicar que são menos espertos ou experientes do que outros clientes.
Ao contrário, os arautos têm provavelmente apenas gostos muito originais.
"O que parece estar acontecendo é que estes clientes têm preferências fora do padrão ou, como gostamos de dizer, não representam a população geral", diz Anderson. "Sabemos que, quando eles realmente gostam de um produto, demonstram que este produto realmente agrada a um grupo restrito de clientes".
Na verdade, os pesquisadores acreditam que, mesmo entre os produtos que não fracassaram, os arautos são muito mais propensos a comprar itens que poucas pessoas compram. As empresas que abordam consistentemente um segmento de clientes com preferências de nicho durante todas as fases da pesquisa de mercado, afirma Anderson, consistentemente fracassarão.
A participação de arautos em estudos de pesquisa de mercado pode explicar porque tantos produtos fracassados acabam chegando às lojas.
"Vemos isso inúmeras vezes; os gerentes ou desenvolvedores de produtos acreditam que o seu produto é excelente pois podem encontrar clientes que os adoram", diz Anderson.
Continua: "Os clientes puderam se expressar logo no início do processo e dizer: “esta é uma cerveja fantástica ou este é um shampoo sensacional.” Seja qual for o produto, os clientes retornaram e disseram que adoraram. Mas, então, perguntamos que tipo de cliente disse que adorou?"
Sem dúvida, outros clientes podem até experimentar um novo produto e, de fato, as vendas iniciais de produtos fracassados muitas vezes são razoavelmente fortes. (Produtos fracassados tendem a "ficar atrás dos mais vendidos", diz Anderson, "mas não são péssimos").
Eventualmente, porém, a clientela diminui até que apenas um pequeno grupo de clientes com preferências de nicho permanece. "Isso não é o suficiente para sustentar o produto no longo prazo", diz Anderson.
Conheça vossos arautos
O estudo sugere algumas abordagens de mercado bastante simples que podem ser utilizadas pelos pesquisadores para descartar os produtos de nicho antes mesmo de aparecerem nas lojas.
Obviamente, as empresas devem perguntar aos clientes não apenas se comprariam o produto em questão, mas quais outros produtos eles compram regularmente.
Um cliente que compra regularmente vassouras Swiffer, por exemplo, provavelmente tem gostos bastante tradicionais e deve ser observado atentamente.
Mas e o cliente que ainda tem saudades daquela cerveja com sabor incomum que ficou nas lojas somente três semanas? Os pesquisadores de mercado devem definitivamente prestar atenção a eles. "É mais fácil saber se o produto irá fracassar do que saber se terá êxito", diz Anderson.
É difícil obter evidência de confirmação: "se alguém realmente gosta das vassouras Swiffer, isso realmente não garante que, se gostarem de um determinado produto, ele terá um sucesso de vendas".
No entanto, se o maior fã de um mais novo widget se apaixonou por aquela cerveja com sabor, "talvez o produto não deva ser lançado, pois ele provavelmente não terá o grande apelo comercial que mantém os produtos no longo prazo".
Publicado primeiramente no Kellogg Insight. Texto publicado com a permissão da Northwestern University (em representação da Kellogg School of Management).
São Paulo - O lançamento de um novo produto no mercado é uma realidade dispendiosa: a pesquisa e a produção incorrem despesas, bem como um grande custo de oportunidade se o produto não vender.
Nem é preciso dizer que as empresas desejam ter todas as informações possíveis dos clientes potenciais antes de o produto chegar às prateleiras.
A maioria dos esforços de pesquisa de mercado, diz Eric Anderson, professor de marketing da Kellogg School of Management, foca nas interações dos clientes com produtos: será que eles gostam? De quais recursos eles gostam e de quais não gostam?
Mas é importante também prestar atenção em quem são esses clientes. A avaliação dos principais usuários, muitas vezes profissionais ou entusiastas com necessidades extremas e percepções especiais, resulta em produtos que os outros clientes gostam mais e que geram mais receita.
Um novo estudo sugere que a avaliação de um subconjunto de clientes muito diferente e improvável pode ser de muita validade. Quem? Anderson, que contou com a participação de seus colegas Song Lin, Duncan Simester e Catherine Tucker neste estudo, denomina-os de "arautos do fracasso."
Assim como a avaliação positiva dos principais usuários sinaliza que um novo produto provavelmente terá sucesso, a avaliação positiva dos arautos sinaliza que um novo produto provavelmente será um fracasso.
Maus presságios
Neste estudo, Anderson e seus colegas usaram dados do programa de cartões de fidelidade de um grande varejista para examinar os hábitos de compra de quase meio milhão de clientes ao longo de um período de dois anos.
Os pesquisadores estavam interessados especificamente na compra de novos produtos: quais ainda estariam nas prateleiras três anos depois, quais não estariam e quem estava comprando os produtos que eventualmente fracassaram?
"É importante lembrar o seguinte: os produtos que estamos analisando são os que avançaram consideravelmente pelo pipeline", afirma Anderson.
"São produtos sobre os quais os fabricantes estudaram, fizeram testes de conceito, conversaram com os clientes, trouxeram aos varejistas e estes os colocaram em exposição para venda experimental em suas lojas.Os varejistas disseram que sim, que eram produtos que desejariam lançar em toda a sua rede, mas não duraram muito tempo".
Apesar deste longo processo, os pesquisadores descobriram que apenas 40% dos novos produtos ainda se encontram nas lojas três anos depois, um número comparável a estimativas anteriores.
Porém, criticamente, a probabilidade de um produto ter sucesso depende não só da quantidade vendida, mas também de quem o compra.
A descoberta surpreendente foi que, quando as vendas aumentam em um segmento de clientes rotulados pelos autores como "arautos do fracasso", o novo produto tem maior probabilidade de fracasso.
Esta descoberta contradiz quase todas as métricas de êxito de novos produtos: como um aumento das vendas pode sinalizar que o produto está prestes a fracassar?
Mas sem dúvida há uma classe muito real de clientes estranhamente atraídos por produtos que nunca se tornarão populares. Tomemos, por exemplo, o Diet Crystal Pepsi, um produto de fracasso notório.
Os clientes que compram um produto como este também são mais propensos a comprar, por exemplo, a Frito Lay Lemonade, outro produto que acabou fracassando.
Qual é o pior dos arautos? Clientes recorrentes, aqueles com tendência a comprar um produto como o Diet Crystal Pepsi não apenas uma vez, mas várias vezes.
Estes clientes definitivamente gostam de produtos que acabam fracassando. Os arautos com histórico de quatro ou mais compras repetidas de um produto fracassado são quase duas vezes mais propensos do que outros clientes a comprar outro produto que se deparará com fracasso.
Clientes com gostos de nicho
O que está acontecendo? Quem são esses arautos que condenam produtos a uma vida útil curta? Estes clientes não parecem fazer compras em horários estranhos e não são também mais propensos a pagar o preço sem desconto dos produtos, o que pode indicar que são menos espertos ou experientes do que outros clientes.
Ao contrário, os arautos têm provavelmente apenas gostos muito originais.
"O que parece estar acontecendo é que estes clientes têm preferências fora do padrão ou, como gostamos de dizer, não representam a população geral", diz Anderson. "Sabemos que, quando eles realmente gostam de um produto, demonstram que este produto realmente agrada a um grupo restrito de clientes".
Na verdade, os pesquisadores acreditam que, mesmo entre os produtos que não fracassaram, os arautos são muito mais propensos a comprar itens que poucas pessoas compram. As empresas que abordam consistentemente um segmento de clientes com preferências de nicho durante todas as fases da pesquisa de mercado, afirma Anderson, consistentemente fracassarão.
A participação de arautos em estudos de pesquisa de mercado pode explicar porque tantos produtos fracassados acabam chegando às lojas.
"Vemos isso inúmeras vezes; os gerentes ou desenvolvedores de produtos acreditam que o seu produto é excelente pois podem encontrar clientes que os adoram", diz Anderson.
Continua: "Os clientes puderam se expressar logo no início do processo e dizer: “esta é uma cerveja fantástica ou este é um shampoo sensacional.” Seja qual for o produto, os clientes retornaram e disseram que adoraram. Mas, então, perguntamos que tipo de cliente disse que adorou?"
Sem dúvida, outros clientes podem até experimentar um novo produto e, de fato, as vendas iniciais de produtos fracassados muitas vezes são razoavelmente fortes. (Produtos fracassados tendem a "ficar atrás dos mais vendidos", diz Anderson, "mas não são péssimos").
Eventualmente, porém, a clientela diminui até que apenas um pequeno grupo de clientes com preferências de nicho permanece. "Isso não é o suficiente para sustentar o produto no longo prazo", diz Anderson.
Conheça vossos arautos
O estudo sugere algumas abordagens de mercado bastante simples que podem ser utilizadas pelos pesquisadores para descartar os produtos de nicho antes mesmo de aparecerem nas lojas.
Obviamente, as empresas devem perguntar aos clientes não apenas se comprariam o produto em questão, mas quais outros produtos eles compram regularmente.
Um cliente que compra regularmente vassouras Swiffer, por exemplo, provavelmente tem gostos bastante tradicionais e deve ser observado atentamente.
Mas e o cliente que ainda tem saudades daquela cerveja com sabor incomum que ficou nas lojas somente três semanas? Os pesquisadores de mercado devem definitivamente prestar atenção a eles. "É mais fácil saber se o produto irá fracassar do que saber se terá êxito", diz Anderson.
É difícil obter evidência de confirmação: "se alguém realmente gosta das vassouras Swiffer, isso realmente não garante que, se gostarem de um determinado produto, ele terá um sucesso de vendas".
No entanto, se o maior fã de um mais novo widget se apaixonou por aquela cerveja com sabor, "talvez o produto não deva ser lançado, pois ele provavelmente não terá o grande apelo comercial que mantém os produtos no longo prazo".
Publicado primeiramente no Kellogg Insight. Texto publicado com a permissão da Northwestern University (em representação da Kellogg School of Management).