Quando o tema é transparência, empresas brasileiras fazem só o mínimo
Estudo da Transparência Internacional mostra pontos em que o Brasil precisa avançar para combater a corrupção nas empresas. Leia entrevista com especialista
Mariana Desidério
Publicado em 13 de agosto de 2018 às 12h00.
Última atualização em 13 de agosto de 2018 às 13h56.
São Paulo – Chacoalhado pela Operação Lava Jato , o setor empresarial tem mudado suas práticas no Brasil. Empresas grandes como a Odebrecht trabalham para ter um programa de compliance efetivo e evitar que desvios do passado se repitam e comprometam o futuro da organização.
Mas ainda é pouco.
Em relatório divulgado hoje, a Transparência Internacional avalia que o Brasil ainda tem lacunas importantes quando o tema é combater a corrupção nas empresas. Para se ter uma ideia, ainda não existe no país a figura da corrupção privada – quando uma organização privada pratica atos ilícitos envolvendo outra organização privada, sem envolver dinheiro público.
“O Brasil evoluiu no combate à corrupção no setor empresarial, mas ainda temos um longo caminho a percorrer quando nos comparamos às melhores práticas internacionais”, afirma Guilherme Donega, consultor da Transparência Internacional e um dos autores do relatório “Integridade e Empresas no Brasil”.
Parte do caminho que precisamos percorrer depende do legislativo. No entanto, as empresas também podem evoluir, em especial no que diz respeito à transparência. “As empresas ainda têm o costume de divulgar só o mínimo determinado por lei”, aponta Donega.
Em entrevista a EXAME, Donega falou sobre as principais conclusões do estudo e sobre pontos importantes a serem observados pelo setor privado no Brasil. A composição dos Conselhos de Administração é um deles – por aqui, metade das companhias listadas na B3 afirma haver relações familiares no Conselho de Administração, o que pode levar à prevalência de interesses particulares nesses colegiados, em detrimento do melhor interesse da empresa e da sociedade.
Outro tema relevante é a divulgação das remunerações de altos executivos das empresas. Em, junho, uma decisão judicial permitiu a divulgação de valores pagos à cúpula de algumas empresas. Os executivos não gostaram. Mas, para Donega, a prática condiz com uma concepção mais ampla do papel de uma empresa na sociedade. Veja os principais trechos da entrevista.
Qual a conclusão mais importante do relatório que a Transparência Internacional lança hoje?
A conclusão mais importante é que o Brasil evoluiu com relação ao combate à corrupção no setor empresarial, mas existe um caminho grande quando comparamos o cenário brasileiro com melhores práticas internacionais.
O Brasil ainda é silente em pontos relevantes como a corrupção privada, que ainda não é considerada crime por aqui. Também não temos uma regulamentação do lobby. Outro ponto é que a proteção de quem dá informação ainda não foi adotada.
Mas vemos um movimento das empresas para elaborar programas de compliance, não?
Muitas empresas começaram a estruturar seus programas de compliance, escreveram políticas, adotaram códigos. Mas ainda há dúvidas se de fato esse material vai mudar o comportamento do setor como um todo. Não basta escrever um pedaço de papel. É importante, mas não é suficiente. É preciso que a alta liderança da empresa se engaje nessa temática.
Quais as consequências de não se tipificar a corrupção privada para o ambiente de negócios no Brasil?
A corrupção é o abuso do poder confiado para obtenção de um poder privado. A corrupção não está só atrelada a agentes públicos, existe suborno no setor privado, numa negociação entre fornecedor e cliente, por exemplo. A consequência é que isso atrapalha a competitividade, deixa de ganhar a melhor proposta e passa a ganhar aquela que usou de meios escusos. A consequência é um mercado menos competitivo, menos inovador, que sem corrupção poderia prosperar muito mais.
O relatório de vocês destaca o baixo grau de transparência das empresas na hora de divulgar suas informações. Por que as empresas ainda resistem em ser mais transparentes?
As empresas brasileiras começaram a escrever códigos de ética, até como forma de promoção institucional. Ter um negócio íntegro passou a ser uma vantagem comercial. Mas as empresas ainda têm o costume de divulgar só o que é determinado pela legislação. Um dos pontos com menos transparência são as informações financeiras por país de atuação: a receita, tributação e gastos de capital em outros em países que não o Brasil. Nesse ponto, o desempenho das empresas brasileiras é medíocre.
Isso acontece porque elas estão atentas à legislação, mas não estão atentas com o quanto a sociedade demanda de transparência. Perante a sociedade. Muitas das divulgações são feitas mirando o público especializado, com linguagem técnica. As empresas não perceberam ainda que a transparência não é só para o investidor. Tem que ser um exercício cívico para a sociedade.
Os dados mostram que metade das companhias afirma haver relações familiares em seus Conselhos de Administração. O que isso evidencia?
O Conselho de Administração de uma empresa é o guardião dos princípios e dos valores das companhias. Nesse sentido é importante que haja uma política que evite conflitos de interesses entre o conselho e a equipe executiva da empresa, de forma que as decisões sejam isentas. Mas os dados mostram, que só 30% são independentes, o que abre caminho para o conflito de interesses e para a prevalência de interesses particulares ou de determinados grupos e famílias sobre o interesse da empresa e da sociedade.
Há uma discussão recente envolvendo a divulgação dos salários das cúpulas das empresas. Em maio, uma decisão da Justiça tornou públicos os salários máximo e mínimo nas empresas listadas na bolsa. Como esse ponto influencia a discussão sobre transparência e compliance nas empresas?
A transparência em relação aos salários permite um questionamento e um exercício de crítica da sociedade sobre determinadas práticas. É relevante para a sociedade entender como é a remuneração das empresas que estão inseridas nela. O executivo de uma empresa não é um agente público, mas está inserido numa sociedade, e as práticas corporativas impactam no dia a dia das pessoas.
Como vê a evolução do setor privado nesse ponto de entender seu papel na sociedade?
A verdade é que o mundo corporativo vem evoluindo se voltarmos décadas veremos que o que baseava a movimentação de uma corporação era só o lucro do acionista. Mas, com esse raciocínio muitas empresas não tiveram sucesso no mercado. Hoje as teorias mais avançadas falam a respeito da sustentabilidade do negócio e para isso é importante que o valor seja gerado em conjunto com a sociedade em que a empresa está inserida. A questão é como a empresa pode fazer parte de uma comunidade e ajudar aquela comunidade a crescer, de forma que a comunidade sustente também os inteewsses corporativos, num círculo virtuoso.
O estudo faz uma crítica aos meios de comunicação e fala que a corrupção nas empresas ainda pouco a abordada na imprensa. A que atribui falta?
Acreditamos que há um interesse social maior para a corrupção no setor público e isso tem sido importante para aperfeiçoar o controle da corrupção. Mas isso não significa que a mídia não tenha que fazer o escrutínio de empresas. A internet tem trazido novas visões para a sociedade e incentivado uma maior cobertura sobre as empresas, mas também é importante que grandes veículos mostrem os efeitos nefastos da corrupção corporativa.