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Qual o plano de uma gigante do agronegocio do Paraná para se recuperar de uma crise de R$ 1,3 bilhão

Empresa chegou a passar do 1 bilhão de reais em faturamento, mas crises e imbróglios jurídicos atrapalharam a operação

Boa Safra: Recursos serão usados para crescimento orgânico e inorgânico (GDM/Divulgação)

Boa Safra: Recursos serão usados para crescimento orgânico e inorgânico (GDM/Divulgação)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 23 de dezembro de 2023 às 08h03.

Última atualização em 17 de janeiro de 2024 às 14h45.

Mais de um ano depois de entrar em recuperação judicial, e com uma novela que envolveu até a troca do Estado onde o processo estava correndo, o Grupo Sperafico Agroindustrial teve seu plano de recuperação judicial aprovado pelos credores e homologado pela Justiça. A empresa é uma das pioneiras do agronegócio brasileiro e chegou a faturar mais de 1,2 bilhão de reais na segunda metade dos anos 2000. 

Dois enroscos judiciais, porém, além da perda de parte da safra da soja, alta instabilidade no país, volatilidade da taxa de juros e constantes variações cambiais ajudam a explicar a crise na companhia. As dívidas que correm no processo de recuperação judicial são de 1,3 bilhão de reais. 

Quem é o Sperafico Agroindustrial

A história da Sperafico começa com a migração da família de mesmo nome de Santa Rosa, no noroeste gaúcho, para o distrito de Toledo, no Paraná. Por ali, o pai Ismael e três irmãos, Dilso, Itacir e Levino, cuidavam de uma casa comercial de secos e molhados. 

Nos anos 1960, a família passou a comprar e vender também suínos, que eram comercializados para cidades como Ponta Grossa, São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Desse movimento, compraram os primeiros caminhões para realizar o transporte dos animais. No final da mesma década, começaram a plantar soja, trigo e milho.

Eram os primeiros passos para a consolidação do grupo, que foi crescendo também na comercialização de insumos e, posteriormente, na industrialização, refino e comercialização de óleos vegetais, moagem de trigo e soja, fabricação de derivados e de alimentos para animais.

As décadas seguintes foram de crescimento e criação de novas frentes de negócios, como condomínio agroindustriais, produção de rações e logística. Em 2007, bateu R$ 1,2 bilhão de faturamento, com 49 filiais, 34 armazéns de estocagem de grãos e cinco unidades de esmagamento de soja. Além do Paraná, a empresa chegou também ao Mato Grosso do Sul, ao Mato Grosso e ao Pará.

Como começou a crise na empresa

Os problemas na Sperafico começam em 2008, quando a alta no preço da soja se junta à crise econômico-financeira mundial e a empresa passa a ter dificuldade para pagar fornecedores e empréstimos bancários. Mas são dois casos em específico que intensificam as dificuldades da indústria e que culminam na recuperação judicial.

O primeiro deles é uma venda mal-sucedida de uma unidade de negócio para a multinacional suíça Glencore

Para enfrentar a situação econômica que estava vivenciando à época, o grupo negociou investimentos e a venda do controle acionário de duas de suas empresas para a Glencore, uma das maiores traders mundiais de commodities e matérias-primas para a indústria automotiva, de produção de energia, siderúrgica e processamento de alimentos. 

Para concluir a negociação, a empresa estrangeira fez uma série de exigências e condições ao grupo, que foram acatadas e resultaram numa assinatura de memorando de entendimento onde a suíça falou sobre adquirir 51% das ações das empresas vendidas por 128 milhões de reais, e liberar um financiamento de 240 milhões de reais para capital de giro. 

“Ocorre que, mesmo após a realização de todos os trâmites necessários para viabilizar a aquisição das empresas pela Glencore, a Glencore simplesmente desistiu do negócio e a seu exclusivo critério, unilateralmente, deu por rescindido o Memorando anteriormente firmado. A referida situação agravou ainda mais a situação financeira do Grupo, gerando um prejuízo financeiro de aproximadamente 30 milhões de reais”, diz parte da petição inicial do pedido de recuperação judicial do Grupo Sperafico.

Outra situação que intensificou a crise foi a falência das Fazendas Boi Gordo no início dos anos 2000, com dívidas de 2 bilhões de reais.

Entre a concordata (antiga recuperação judicial) do negócio, em 2001, e a falência, decretada em 2004, o grupo Sperafico firmou um contrato arrendando da Boi Gordo duas fazendas no Mato Grosso. Além disso, uma das empresas da Sperafico chegou a comprar parte de uma empresa da Boi Gordo com nome semelhante, o que fez o juiz entender que ela tinha responsabilidade pela fazenda. Acontece que a Sperafico saiu do negócio um mês após a aquisição, mantendo-se só com a parte arrendada. 

A Justiça entendeu, porém, em determinado momento, que o Grupo Sperafico também tinha responsabilidade pela Boi Gordo, e determinou o bloqueio de bens da empresa. “Ainda que de forma liminar, isso gerou um ruído gigantesco no mercado, o que acabou engessando a empresa”, diz o advogado Daniel Amaral, da DASA Advogados, escritório que representa o grupo Sperafico no processo de recuperação judicial. 

Além disso, a empresa investiu nas áreas que arrendou, mas depois o terreno foi vendido para outras empresas, o que, segundo os advogados, gerou prejuízos para a Sperafico. 

Esses dois casos, somados à quebra de safra em 2021 e 2022, criaram o imbróglio e a dívida bilionária que a empresa tem hoje. 

Qual o plano da Sperafico para sair da crise

A empresa entrou em recuperação judicial no início do ano passado pela Justiça de Mato Grosso do Sul, onde o grupo tem sua maior fazenda. Credores, porém, questionaram o local escolhido, porque a sede da empresa fica no Paraná. A confusão gerou uma mudança de competência, e a recuperação judicial ficou sob responsabilidade da justiça paranaense. 

Agora, quase dois anos depois, o plano de recuperação foi aprovado pelos credores e homologado pela justiça paranaense. 

Os principais credores são bancos, fornecedores e outras empresas que entram na categoria de crédito quirografário, sem preferência de pagamento. Por lá, há mais de 1 bilhão do total das dívidas. Depois, há também alguns passivos trabalhistas, de crédito especial e para pequenas e médias empresas (que entram numa categoria específica).

O plano de reestruturação entrega o que será feito para pagar cada uma dessas classes de credores. Nesse sentido, ficou definido que:

  • Credores trabalhistas: será aplicado um deságio de 73,5%. Para 15% dos credores, o pagamento será feito em um ano. Para o restante, em 20 anos.
  • Credores com garantia real: será aplicado um deságio de 78,2% sobre o valor da dívida. O saldo restante será pago em até 20 anos.
  • Credores quirografários: será aplicado um deságio de 78,7% sobre o valor da dívida. O saldo restante será pago em até 20 anos.
  • Credores microempresas: será aplicado um deságio de 80% sobre o valor da dívida. O saldo restante será pago em até 20 anos.

Além disso, a empresa entende que pode fazer algumas unidades produtivas isoladas (UPIs) que poderão ser vendidas para reduzir ativos e entrar caixa. 

“Se a gente fala de 1,3 bilhão de reais reduzir para 280 milhões de reais, é uma redução extraordinária, até porque vamos pagar esse plano em média em 20 anos”, avalia o advogado Daniel Amaral. “Isso foi de fato um grande case para uma recuperação judicial”.

“E a empresa entende que com a reestruturação pode voltar a continuar com sua fase de crescimento, para ser uma das maiores empresas do agronegócio”, afirma. “Talvez se não tivesse ocorrido todos esses problemas no passado, hoje ela poderia estar numa das cinco maiores empresas do agronegócio do Brasil. A ideia é que ela volte a ter esse crescimento. Agora a empresa tem uma perspectiva bem real de retomada da sua atividade”.

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