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Qual é o seu sonho?

Uma pequena história de fome e de empreendedorismo

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

Entre nós, a cultura do emprego provoca delírios. Sem emprego, a sensação é de que falta ar, mesmo com abundância de trabalho. A grande mudança não é percebida: indivíduos (e também cidades) estão agora diante da necessidade de identificar oportunidades e transformá-las em atividades econômicas sustentáveis. No entanto, com poucas e recentes exceções, o estudo das oportunidades não faz parte dos currículos escolares -- da educação infantil ao doutorado. Esse descompasso não é só da escola. Também os "currículos" de aprendizagem na família e na "rua" não tocam no tema. Por esse e outros motivos, preparar indivíduos para o emprego, hoje, é deseducar. É não desenvolver neles o protagonismo, a autoria, inibindo sua capacidade de inserção autônoma no trabalho. Essa tese, até por estar contra a corrente, suscita dúvidas do seguinte tipo: como fazer com que comunidades pobres, distantes dos eixos da economia, possam se desenvolver? Como um indivíduo com baixa ou nenhuma escolaridade, sem experiência relevante no trabalho, sem dinheiro e possibilidade de obtê-lo, pode gerar o próprio sustento? Isso é possível?

Há uma história que está acontecendo em Belo Horizonte. Mais precisamente, na classe da professora Adriana Moura, na Escola Municipal Israel Pinheiro, na favela Alto Vera Cruz. Lá os alunos estudam empreendedorismo. A metodologia baseia-se em duas perguntas: "Qual é o seu sonho?" e "O que você vai fazer para realizá-lo?" Ora, essa pergunta, por mais óbvia que seja, não é feita nas escolas do Brasil nem tampouco em casa, pelos pais. De fato, ninguém faz essa pergunta. No máximo ouve-se: "O que você quer ser quando crescer?", o que desqualifica a criança enquanto tal, pois considera somente o seu potencial de tornar-se adulta. Ao ouvir a pergunta, um aluno de 15 anos respondeu à professora: "Eu quero traficar drogas porque minha mãe passa fome". Ele queria empregar-se como "avião", aquela pessoa que entrega a mercadoria ao cliente. E que leva o primeiro tiro. Era a única forma de ganhar dinheiro que julgava estar a seu alcance. Se fosse uma aula convencional poder-se-ia imaginar reações da professora balizadas por dois extremos: num, ela consideraria aquilo uma simples delinqüência; noutro, talvez dissesse "vou à sua casa para ajudá-los". E continuaria a aula, explicando como se extrai uma raiz quadrada. Mas aquela era a "aula dos sonhos", como foi apelidada pelos alunos. E traficar drogas era o sonho de um deles. Não havia como fugir.

Pois bem, os colegas "entraram" no sonho do menino. Se o problema era um prato de comida, haveria de ter outra forma de consegui-lo. E eles a encontraram. Decidiram criar uma empresa de material de limpeza. Nasceu a Tá Limpo, com logomarca, folder e seis produtos. Criaram uma pequena fábrica reciclando garrafas PET de 2 litros. A professora de ciências deu a fórmula dos produtos. Isso começou em agosto de 2002. O adolescente não entrou no tráfico e a partir de então sua mãe teve três pratos de comida por dia.

Ao saber da iniciativa dos alunos, a prefeitura de Belo Horizonte dispôs-se a encontrar caminhos para comprar produtos da Tá Limpo, para uso nas escolas. Notem que o estímulo não foi: "Abram uma empresa". Foi algo diferente, dirigido à emoção daqueles meninos dependentes, e os transformou em cidadãos: "Qual é o seu sonho?" Com isso, eles se sentiram autores, a auto-estima renasceu. Esse é um das centenas de casos que tenho visto. São todos diferentes, não é possível estabelecer uma regra. Mas fica evidente que o caminho está em devolver a dignidade às pessoas. E derrubar o mito de que empreendedorismo é coisa de rico.

Fernando Dolabela é educador na área de empreendedorismo, autor do livro O Segredo de Luísa. Homepage: http://www.dolabela.com.br

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