Líder: Fiat Strada foi o veículo mais vendido do mercado brasileiro no último ano (Stellantis/Divulgação)
Gabriel Aguiar
Publicado em 26 de janeiro de 2022 às 10h37.
Última atualização em 28 de janeiro de 2022 às 09h49.
O Grupo Stellantis completou o primeiro aniversário, depois de juntar FCA (de Fiat e Jeep) à PSA (de Citroën e Peugeot) sob um mesmo guarda-chuva. E bastaram doze meses para se tornarem um dos maiores fabricantes de veículos do mundo: a empresa concentrou praticamente 1/3 das vendas no Brasil e na Argentina, além de liderar o mercado na América do Sul, com 811,6 mil unidades e 22,9% de participação no ano passado.
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“Esse crescimento vertiginoso aconteceu enquanto outros fabricantes sofreram com ineficiência. No caso de General Motors e Volkswagen, ambas ficaram muito tempo sem produzir devido à falta de componentes durante a pandemia. Ninguém desafiou a Stellantis, que também trouxe novidades muito relevantes em termos de produto [como Fiat Pulse e Jeep Commander]”, diz Cássio Pagliarini, da consultoria Bright Consulting.
Enquanto o mercado brasileiro aumentou 3% no último ano – puxado pelos caminhões, que tiveram volume 42,8% maior quando comparado a 2020 –, a Fiat teve crescimento de 34% e ainda garantiu a liderança da Strada. E outras marcas da Stellantis também tiveram sucesso: a Jeep expandiu 35,1% e liderou entre SUVs; a Ram teve recorde de vendas e cresceu 87%; a Citroën subiu 73,2%; e a Peugeot mais que duplicou, com 118,9%.
“É verdade que a PSA mudou da água para o vinho. Isso porque as empresas francesas costumam ter operações mais burocráticas, mas isso mudou com a Stellantis. Quando colocaram fim aos entraves burocráticos de Citroën e Peugeot, o negócio passou a fluir e a dinâmica ficou diferente. Como parte de um grupo, também aumenta o budget para marketing e publicidade”, afirma Raphael Galante, da consultoria automotiva Oikonomia.
Outros problemas também foram resolvidos para ambos os lados com a formação da Stellantis: para a antiga FCA, faltavam modelos elétricos e híbridos para alcançar as metas de emissões no mercado europeu, enquanto a finada PSA conseguiu entrar no mercado norte-americano, principalmente nos Estados Unidos (ao qual ainda não tinha acesso). E existe participação da Dongfeng como acionista, que facilita a atuação na China.
“Existe uma tendência para que a Stellantis se torne ainda mais gigante do que já é. E a próxima bola da vez poderá ser a aliança Renault-Nissan-Mitsubishi, que enfrenta um enrosco [desde as acusações contra o ex-presidente Carlos Ghosn, o mercado especula uma tentativa de ‘divórcio’ pelo lado dos japoneses] e eu aposto como possível aquisição. Mesmo porque o governo francês já tem ações da PSA e da Renault”, diz Galante.
Se eletrificação era uma questão a ser resolvida na época da FCA, o grupo já confirmou investimento de 30 bilhões de euros – equivalente a mais de 184,23 bilhões de reais – para colocar em prática os planos para redução das emissões nos próximos três anos. E essas metas são ambiciosas: conquistar 40% do mercado de veículos com baixa emissão de poluentes nos Estados Unidos e 70% na Europa com os próximos lançamentos.
Parte do valor também será destinado à criação de softwares para conectar 34 milhões de veículos à internet até o fim desta década, praticamente três vezes mais que a frota atual, que tem 12 milhões de veículos conectados. Essa tecnologia deverá render 20 bilhões de euros (122,9 bilhões de reais) em receita anual graças à venda de serviços e assinaturas; recursos sob demanda; e até com seguros baseados nos dados recebidos.
De acordo com a estratégia antecipada pela própria Stellantis, a empresa se tornará uma plataforma de mobilidade sustentável, baseada em “ecossistema inovador e parcerias estratégicas”. De fato, o grupo já tem aliança com Automotive Cells Company; Factorial Energy; LG Energy Solution; Samsung SDI; e Vulcan Energy para desenvolvimento de tecnologias. Nos próximos 18 meses, estão previstos oito novos veículos elétricos.
Também há parceria com a Foxconn, fabricante de componentes eletrônicos de Taiwan responsável pela fabricação do iPhone para a Apple em diferentes partes do mundo, para fornecimento de chips exclusivos. Os primeiros modelos equipados com esses sistemas só deverão chegar às ruas em 2024, mas a previsão é de que a companhia se torne responsável por fabricar 80% de semicondutores que serão utilizados na Stellantis.
Por fim, será criada uma nova arquitetura eletrônica nos próximos três anos para conectar unidades de controle dos veículos a supercomputadores, o que facilita atualizações de software e permite que novas funções sejam incorporadas, como é o caso de entretenimento com aplicativos baseados em inteligência artificial (que atuará desde o GPS até serviços de pagamento) e sistemas autônomos que dispensam a ação do motorista.
Com a junção de FCA e PSA, a Stellantis tem 14 marcas no portfólio atualmente: Abarth; Alfa Romeo; Chrysler; Citroën; Dodge; DS; Fiat; Jeep; Lancia; Maserati; Opel; Peugeot; Ram; e Vauxhall. E, por ora, não há intenção de descontinuar nenhuma delas, de acordo com declarações de Carlos Tavares, CEO do grupo – e até receberam investimentos para desenvolvimento de novos veículos. Mas todas têm dez anos para provar resultados.
Bem diferente do sucesso no mercado brasileiro, o fabricante enfrente crise de longa data com duas “bandeiras”, já que a Chrysler está prestes a oferecer somente a minivan Pacifica (praticamente um setor de nicho), enquanto a Lancia vende apenas o compacto Ypsilon e está restrita à Itália. Também há dúvidas em relação a Alfa Romeo e Maserati, que seguem abaixo dos resultados da concorrência, apesar dos produtos novos.
“O maior perigo de marcas sobrepostas é não identificar corretamente o cliente. Se quiser fazer um produto generalista para enfrentar tudo ao mesmo tempo, não conseguirá. Ter um grande portfolio exige que o foco das empresas sejam bem-ajustados, porque permite economia em escala de itens que exigem volume para serem economicamente viáveis. É importante ter agrupamento conceitual e dar foco às marcas”, diz Pagliarini.
No mercado brasileiro, a união de FCA e PSA tem trazido bons resultados, com reposicionamento da Peugeot como produto superior à Fiat e participação no desenvolvimento do próximo Citroën C3, que tem projeto indiano e será adaptado por aqui com ajuda dos italianos – que cederão inclusive o conjunto de motor e transmissão usado pelo Fiat Argo. No último ano, a Stellantis produziu seis dos nove carros mais vendidos aqui.
“No caso da formação do grupo, foi um ganha-ganha, porque a FCA se livrou do problema que teria com normas de emissão na Europa e a PSA entrou nos Estados Unidos. No Brasil, Peugeot e Citroën, que eram marcas nanicas, continuam sendo pequenas, mas já mudaram. Ter uma marca com 1% de vendas e dobrar o volume é sensacional. Com incentivo às vendas, inclusive às locadoras, as marcas ficam mais atrativas”, diz Galante.
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