Projeto do pré-sal favorece Petrobras
Projeto de lei autoriza a Petrobras a vender até 70% das áreas de cessão onerosa na Bacia de Santos (SP)
Estadão Conteúdo
Publicado em 23 de junho de 2018 às 11h19.
Última atualização em 23 de junho de 2018 às 12h03.
Brasília - O projeto de lei aprovado nesta semana na Câmara que autoriza a Petrobras a vender até 70% das áreas de cessão onerosa na Bacia de Santos (SP) mostra que várias das arestas que impediam a assinatura da revisão do contrato firmado entre governo e a petroleira há oito anos foram eliminadas. Os pontos em que não havia acordo tiveram critérios claros estabelecidos na lei e apontam quem ganhou ou perdeu em cada uma das disputas.
O acordo da cessão onerosa foi fechado pela Petrobras com a União em 2010 e permitiu à estatal explorar 5 bilhões de barris de petróleo em campos do pré-sal , sem licitação. Em troca, a empresa pagou R$ 74,8 bilhões. Nos anos seguintes, porém, a cotação do barril de petróleo caiu muito, motivada por tensões geopolíticas e preocupações quanto ao desempenho da economia, entre outros fatores.
Em razão disso, a Petrobras alega que pagou à União um valor muito alto no acordo de 2010 e argumenta ter direito de ser ressarcida. O projeto trata exatamente das condições da revisão desse acordo.
Embora ambas as partes tenham cedido, o saldo é mais positivo para a Petrobras. A posição da Petrobras, desde o início, era mais confortável: caso o impasse da revisão persistisse, a União só poderia leiloar o óleo excedente (que ultrapassa os 5 bilhões de barris) ao fim do contrato da cessão onerosa, em 2050.
A lei deixa claro que a revisão do contrato vai considerar a existência de prejuízos fiscais acumulados pela Petrobras. Isso significa que a União terá de compensar a empresa pelas perdas que teve com essa operação até agora. Também foi atendida a demanda da Petrobras pelo abatimento do bônus de assinatura pago pela companhia para ter direito a explorar os barris da cessão onerosa.
Tributos
O bônus pago pela Petrobras será considerado um custo, o que diminui a quantidade de imposto que a empresa vai pagar à Receita. Ao permitir o abatimento do bônus ao longo dos anos, o contribuinte devolverá o valor que a Petrobras pagou pelas áreas na forma de desconto de impostos.
Em dois pontos de grande divergência e que envolviam grande impacto no valor a ser pago, prevaleceu a posição da União. A data da retirada do primeiro óleo e data de comercialização eram pontos-chave para marcar o início do cálculo do fluxo de caixa descontado.
A Petrobras queria que fossem consideradas as datas referentes ao último campo. Já a União queria a individualização das datas de cada um dos campos, pois isso faria com que o tempo entre a assinatura do contrato e a revisão fosse menor. Quanto menor o prazo, menor a desvalorização do dinheiro aplicado pela União e, consequentemente, menor o saldo a ser ressarcido à Petrobras.
Outro ponto resolvido no projeto de lei é a divergência no cálculo de gasto incorrido na exploração das áreas. O contrato foi feito de forma a garantir certa rentabilidade à Petrobras. Por isso, os custos da companhia deveriam ter ressarcimento.
A Petrobras alegava custos superiores aos calculados pela certificadora contratada pela Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP). Como não houve acordo, a lei estabelece que será usada a média de estimativas de gastos constantes.
Porém, essa média da estimativa de gastos será ponderada pelo escopo da curva de produção a ser adotada na revisão. Isso significa que a curva de produção original, prevista no contrato, não será usada. Então, nem mesmo eventuais atrasos da Petrobras na exploração do óleo serão descontados.
Conteúdo local
A revisão do contrato da cessão onerosa vai usar como base as normas de conteúdo local editadas pela ANP na data de sua assinatura. Isso favorece a Petrobras, pois as regras para conteúdo local (obrigação de contratar produtos e serviços de empresas nacionais) vigente em 2010 eram mais rígidas do que as atuais. Isso significa que a companhia terá mais liberdade para contratar bens e serviços, independentemente da origem.
O projeto de lei permite que a Petrobras seja ressarcida caso devolva áreas para a União, algo que não estava previsto no contrato original. A proposta atende aos dois lados. Se a Petrobras quiser devolver uma das áreas, terá garantido os 5 bilhões de barris originais. Já o governo poderá leiloar uma área limpa, sem a presença da Petrobras, para outro operador.
Ao optar por um substitutivo de um projeto de lei de autoria dos deputados, a União fez uma aposta arriscada, mas certeira para a revisão do contrato, segundo apurou o Broadcast (serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado). Não foi à toa que o relator escolhido foi o deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE), ex-ministro de Minas e Energia, que trabalhou de forma alinhada com o governo na elaboração do texto final.
Para que a alternativa desse certo, o governo necessariamente teria de contar com o apoio do Congresso para dar respaldo aos critérios da revisão do contrato, correndo o risco de que esses itens fossem alterados por um Congresso desmobilizado e preocupado com as eleições.
Editar uma Medida Provisória exigiria uma justificativa técnica de difícil instrução por parte da União e poderia expor os servidores que assinassem os documentos a processos futuros. Como o Congresso é soberano, esse risco foi eliminado com o projeto de lei.
Após duras negociações com a companhia feitas por um comissão interministerial, há uma preocupação do governo em legitimar a negociação via Congresso. O texto foi costurado a sete chaves com Ministério da Fazenda.
Além disso, o governo busca enfrentar as resistências políticas ao projeto com a sinalização de que a outorga do leilão será paga em parcelas. O próximo presidente será beneficiado pelas receitas do pré-sal. O TCU deu demonstração de que não será fácil a negociação. Em nota, negou que tenha dado apoio ao acordo do novo texto.