Carne vegetal: empresas de grande porte como Tyson, Smithfield, Perdue, Hormel e Nestlé começaram a oferecer alternativas vegetarianas (Amy Lombard/The New York Times)
Da Redação
Publicado em 30 de outubro de 2019 às 13h56.
Última atualização em 30 de outubro de 2019 às 15h32.
Duas startups que adoram hipérboles e que estão na linha de frente da defesa do meio ambiente, a Beyond Meat e a Impossible Foods, dominam o mercado relativamente novo dos alimentos vegetarianos que têm aparência e sabor de carne.
Mas, à medida que hambúrgueres, salsichas e “frango” feitos de proteína vegetal se tornam opções cada vez mais populares, presentes em redes de fast food e supermercados do país todo, um novo grupo de empresas norte-americanas começa a produzir carne de origem vegetal: grandes conglomerados alimentícios e produtores de derivados de carne com os quais a Beyond Meat e a Impossible Foods queriam concorrer.
Nos últimos meses, empresas de grande porte como Tyson, Smithfield, Perdue, Hormel e Nestlé começaram a oferecer alternativas vegetarianas nos supermercados norte-americanos, incluindo hambúrgueres, almôndegas e nuggets de proteína vegetal.
Embora fosse exclusividade de veganos e vegetarianos, atualmente, a proteína vegetal faz parte da dieta de cada vez mais pessoas, à medida que os consumidores buscam reduzir o consumo de carne devido aos efeitos que causa à saúde e ao meio ambiente. Nos últimos cinco meses, o preço das ações da Beyond Meat disparou, e um acordo firmado pela Impossible Foods para fornecer Whoppers vegetarianos ao Burger King levou outras redes de fast food a testar produtos similares. Analistas preveem que o mercado da proteína vegetal e de carne produzida em laboratório representará US$ 85 bilhões em 2030.
Atualmente, em supermercados espalhados pelos Estados Unidos, os consumidores encontram produtos à base de proteína vegetal que imitam carne bovina e frango nas mesmas prateleiras dos alimentos à base de carne que fizeram parte das dietas de gerações de norte-americanos.
“Existe uma demanda crescente por aí”, afirmou John Pauley, diretor comercial da Smithfield, um dos maiores produtores de carne suína dos EUA. “Não somos bobos e estamos atentos.”
Em setembro deste ano, a Nestlé lançou o Awesome Burger, em resposta aos hambúrgueres sem carne da Beyond Meat e da Impossible Foods. (“Esse produto é incrível”, afirmou uma porta-voz da Nestlé.) A Smithfield criou uma linha de hambúrgueres, almôndegas e salsichas de soja, e a Hormel começou a oferecer carne moída vegetal.
Também existem opções mistas – uma espécie de carne vegetal falsa, que fica entre um bife e um hambúrguer de soja. A Tyson começou a oferecer hambúrgueres feitos parcialmente de carne e parcialmente de proteína vegetal. A Perdue vende nuggets mistos de frango e “nutrientes vegetais” como couve-flor e grão-de-bico.
Muitos defensores das alternativas vegetarianas veem o surgimento desses novos produtos como um sinal de que as proteínas vegetais estão ganhando ampla aceitação entre os consumidores.
“Quando empresas como a Tyson e a Smithfield lançam produtos de origem vegetal, isso tira o setor do mercado de nicho e o coloca no mainstream”, afirmou Bruce Friedrich, diretor do Good Food Institute, uma organização que defende a adoção de produtos de origem vegetal como substitutos da carne. “Essas empresas contam com enormes canais de distribuição, com clientes fiéis e entendem o que a carne precisa ter para satisfazer os consumidores.”
Mas a presença de empresas produtoras de derivados de carne no mercado da proteína vegetal também gerou dúvidas e desconforto entre alguns ativistas do meio ambiente, que temem que essas empresas cooptem o movimento, adquirindo startups de pequeno porte, ou simplesmente utilizando hambúrgueres vegetais para tirar a atenção dos danos que causam à natureza.
“Essa é uma preocupação legítima”, afirmou Glenn Hurowitz, diretor da organização de defesa do meio ambiente Mighty Earth. Durante anos, as grandes empresas petrolíferas compravam startups de energia renovável simplesmente para fechá-las, destacou.
“É muito bom que essas empresas façam pequenos investimentos no desenvolvimento de produtos de origem vegetal, mas isso não resolve toda a poluição que causam”, explicou Hurowitz.
Muitas das grandes empresas do setor alimentício começaram a investir em carne vegetal e outras alternativas veganas há alguns anos. Mas o ritmo dos investimentos aumentou nos últimos meses.
“O processo todo ocorreu em um intervalo de menos de um ano”, comentou Justin Whitmore, vice-presidente executivo de proteínas alternativas da Tyson. “Acompanhamos as mudanças dos consumidores e somos capazes de fazer isso rapidamente.”
Os hambúrgueres vegetarianos já estão há décadas nas prateleiras dos mercados, mas só agora as empresas começam a desenvolver produtos vegetarianos que tentam imitar a textura e o sabor da carne, utilizando ingredientes como proteína de ervilha e soja transgênica.
Pat Brown, executivo-chefe da Impossible Foods, afirma há muito tempo que o desenvolvimento de carne artificial é uma necessidade do meio ambiente. “Todos os aspectos da indústria da carne causam muito mais danos ao meio ambiente e desperdício de recursos que a produção de vegetais”, explicou. Brown estabeleceu até uma meta: eliminar produtos de origem animal da cadeia de produção alimentar até 2035.
Nem todos os seus concorrentes são tão idealistas. Seu objetivo não é virar o setor de derivados de carne ao avesso em nome da sustentabilidade. Tudo o que eles querem é ganhar mais dinheiro.
“Somos uma empresa de produtos feitos com carne. É isso que fazemos e não vemos motivos para pedir desculpas”, comentou Pauley, da Smithfield.
Susan Wassel, porta-voz da Tyson, a maior produtora de derivados de carne dos EUA, que acaba de lançar uma nova linha de nuggets de proteína vegetal, afirmou: “Neste momento, estamos diante de uma boa oportunidade comercial.”
Ainda assim, Brown comentou que não planeja colaborar com grandes empresas do setor de derivados de carne, mesmo que sua máquina de marketing e infraestrutura logística possam ajudar as startups vegetarianas a alcançar um maior número de consumidores. Para ele, os investimentos dessas empresas representam um “sinal encorajador”, mas o sucesso do movimento depende de produtos que realmente consigam reproduzir o sabor e a textura da carne.
“Se os produtos não forem ótimos, se forem apenas hambúrgueres vegetarianos repaginados, o dano que nos causam não é a concorrência, mas o fato de reforçarem nos consumidores a crença de que produtos de origem vegetal não são capazes de fornecer o que os carnívoros adoram”, disse.
Ainda é cedo demais, porém, para dizer como os consumidores reagirão às novas opções, afirmou Alexia Howard, analista da Bernstein, que acompanha o mercado de carne de origem vegetal.
“Inevitavelmente, veremos mudanças no mercado. Mas, no fim das contas, só sobrevive quem oferece o melhor produto”, concluiu.